Continuando com a novela das lanchas para a GNR. Só não vê quem não quiser ver.
O mar e sua fiscalização – conflito de competências entre a Marinha e a GNRJOSÉ MANUEL NETO SIMÕES
https://ionline.sapo.pt/artigo/716436/-o-mar-e-sua-fiscalizacao-conflito-de-compet-ncias-entre-a-marinha-e-a-gnr?seccao=Opini%C3%A3o_i&fbclid=IwAR1La1n_pAw0Stkv5S9w7NPpPr6p_34DmfGanmGSSBmtpZ4iCe_4x-Jt6Z8A GNR quer mais poder para patrulhar as águas fiscalizadas pela Marinha, esquecendo que neste ramo das Forças Armadas há um duplo uso definido no Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
Há uma unanimidade em Portugal sobre a importância do mar para o nosso desenvolvimento sustentado. Além disso, a nossa posição arquipelágica é uma plataforma muito valiosa em termos securitários.
Por outro lado, o tipo de costa e a proximidade do norte de África trazem consequências negativas pela possibilidade que se abre à acção de narcotraficantes ou outros envolvimentos ameaçadores que comprometem a nossa estabilidade. Todas as razões aduzidas justificam uma protecção adequada desse património, operada em terra e no mar.
Estranhamente, o Estado não resolveu ainda o problema, deixando multiplicarem-se conflitos que resultam da duplicação funcional atribuída a várias entidades e relativas ao mesmo problema. Há muito que a Armada tem por missão a materialização dessa protecção e, obviamente, quando o faz em termos de defesa militar está, simultaneamente, a colmatar outras necessidades.
A vigilância marítima pode exercer-se sobre tudo aquilo que pode constituir uma ameaça à segurança nacional, e não apenas à defesa militar do nosso território, pelo que vários objectivos podem ser atingidos através da vigilância.
Habitualmente, designa-se tal plurifuncionalidade por “duplo uso” de meios, o que é praticado em muitos países de pequena e média dimensão.
Contudo, a GNR quer mais poder para patrulhar as águas fiscalizadas pela Marinha, esquecendo que neste ramo das Forças Armadas há um duplo uso definido no Conceito Estratégico de Defesa Nacional, que se encontra devidamente regulamentado.
Num país com as nossas limitações, não faz sentido qualquer outra postura. Desse modo, e quando existem missões específicas no domínio da criminalidade, elementos da PJ ou do SEF embarcam nos navios da Armada e intervêm directamente no que lhes diz respeito.
Não podemos dar-nos ao luxo de duplicar meios. Qual é o rationale daqueles meios da GNR? Se for pela Frontex, a Marinha também já participou.
A decisão da GNR de comprar à Holanda uma megalancha de 35 metros para fiscalização e prevenção criminal em alto mar está a provocar controvérsia junto à Marinha, que critica a duplicação de meios.
Esta nova lancha – custou cerca de oito milhões de euros – é a primeira de um conjunto de quatro. E é de maior dimensão do que quaisquer lanchas de fiscalização rápida da Marinha, das quais só estão operacionais quatro das nove existentes, por falta de verbas para a manutenção.
Neste contexto, pode e deve ainda ser questionado se foi avaliado quanto pode custar esta duplicação de meios, ou quanto custa uma Guarda Costeira e uma Marinha, que o país não pode sustentar.
Registe-se que, enquanto na GNR o processo de aquisição se resolveu num ano, a Marinha está há anos à espera dos seis navios-patrulha oceânicos que lhe fazem muita falta para manter a frota com níveis de prontidão e eficácia.
Por lapso ou falta de percepção da realidade, foi legislado num sentido equívoco, permitindo à GNR o controlo de águas costeiras, o que significa uma duplicação funcional em relação àquilo que a Armada já faz.
A extensão dessa missão atribuível à GNR apenas faz duplicar meios materiais e financeiros e provoca atrito. É errada, inútil e conflitual. Mais uma vez, é o Estado que cria problemas a si próprio e a todos nós, que pagamos esses erros, pois isso também custa dinheiro.
Capitão-de-fragata (R)