Que fazer com o Irão?
Alexandre Reis Rodrigues
Para os EUA, as sanções aplicadas ao Irão estão a funcionar eficazmente e já levaram a atrasos no programa de enriquecimento de urânio e subsequente construção de uma arma nuclear; veremos se são apenas as sanções que estão a produzir efeito. Segundo as últimas informações vindas a público, calcula-se agora que o Irão não terá possibilidade de ter uma arma nuclear antes de 2015. Mas nem todos os factos confirmam esta visão optimista; muito menos, a possibilidade de haver qualquer desenvolvimento positivo na nova ronda de discussões prevista para 21/22 de Janeiro, em Istambul.
Para Kenneth M. Pollack, a actual estratégia de Obama está a ser bem-sucedida mas não é seguro que possa resultar no final; a linha dura que tomou conta do processo de decisão política em Teerão, não tolerando qualquer oposição interna, vai provavelmente conseguir que o país resista por muito tempo às pressões externas. Será esse tempo suficiente para que, entretanto, consigam desenvolver todo o processo e levar o enriquecimento de urânio até ao nível necessário para ter uma arma nuclear?
Na verdade, já quase ninguém tem dúvidas que o Irão está a caminho de se tornar uma potência com armas nucleares, embora o continue a negar terminantemente. Aliás, o Irão já consegue fazer o enriquecimento a 20% que é o nível que chegou a estar acordado para ser feito no estrangeiro. O isolamento do país que as sanções podem desencadear e em que se aposta para levar o regime a desistir das suas aspirações nucleares, preocupa algumas correntes moderadas no país mas quase que é dado por bem vindo pelos “hard liners”. Estes preferem essa situação à que se gerou durante a presidência de Khatami, em que a abertura a apelos democráticos externos quase punha em causa a Revolução.
Karim Sadjadpour chama a atenção precisamente para este ponto, lembrando como o anti-americanismo é central para a identidade da actual liderança da República Islâmica e, em especial, para o seu líder supremo, o Ayatollah Ali Khamenei que, por altura das controversas eleições de 2009, terá considerado que se chegasse ao poder um candidato disposto a amenizar o relacionamento com os EUA isso seria um “desastre” nacional. “Se as tendências pró-americanas chegassem ao poder no Irão teríamos de dizer adeus a tudo”, disse também o Ayatollah Janati, líder do Conselho de Guardiões, órgão que se tem encarregado de impedir que sejam eleitos, para o Parlamento ou outras instituições do regime, políticos não considerados féis seguros dos princípios da Revolução Islâmica, incluindo os reformistas.
Ninguém espera, neste contexto, qualquer desenvolvimento útil da nova ronda de negociações a 21/22 de Janeiro. Aliás, à luz das declarações do embaixador do Irão junto da AIEA e do ministro dos Negócios Estrangeiros, é a lógica da própria reunião que se encontra em causa. O primeiro já deixou claro que o tempo das negociações estava passado e que a transferência de urânio no exterior estava encerrada; o segundo, num discurso idêntico, diz que a discussão do seu programa nuclear é assunto para ser tratado no âmbito da IAEA. Estas declarações confirmam anteriores posições de recusa de qualquer discussão sobre o enriquecimento de urânio que Teerão considera direito inalienável.
Valerá a pena fazer a reunião? Vale porque, não obstante a retórica parecer excluir qualquer possibilidade de acomodação dos interesses das partes, existem razões muito fortes, como veremos, para que se procure um entendimento mesmo mínimo; só que isso não será certamente deixado transparecer para a opinião pública.
O facto de o encontro se realizar na Turquia pode trazer algum elemento novo (mas não seguramente útil) se esta, como alguns esperam, tentar, na sequência da iniciativa conjunta com o Brasil em Maio passado, ser mais do que um simples anfitrião. Essa iniciativa, então mal recebida por Washington, poderá entretanto estar a ser considerada mais aceitável. Duvida-se, no entanto, que a Turquia possa, na prática, fazer mais do que dar mais alguns passos no sentido de afirmar as suas pretensões de afirmação dos seus interesses de liderança regional e de desempenhar o papel de ponte com o Ocidente, como evidencia a aproximação que tem feito aos países árabes do Médio Oriente. Muito vai depender do que a Turquia possa fazer sobre a reticência da Arábia Saudita em aceitar a crescente importância do Irão, particularmente num momento em que os EUA se preparam para abandonar o Iraque.
Riade espera que os EUA façam algo mais substantivo do que o fornecimento previsto de 60 mil milhões de material de guerra durante os próximos dez anos; presume-se que aguarda de Washington uma reconsideração do calendário de retirada do Iraque, cuja possível subsequente aproximação ao Irão é causa de grande preocupação. De facto, presentemente, é a Arábia Saudita quem pressiona mais a administração Obama; mesmo mais do que Israel, aparentemente agora convicto de que a ameaça nuclear não está tão próxima como se estimava há um ano atrás. Para os árabes o que está em causa é o futuro da Península Arábica e em especial os seguintes três aspectos: a possibilidade de mudança do centro de poder a favor do Irão, um Iraque pró-Irão depois da saída dos EUA e o risco de o Irão, em retaliação, intervir no estreito de Ormuz o que, quase inevitavelmente, iria alargar o âmbito do conflito.
Que poderão os EUA fazer neste contexto muito complexo? Que linha de acção lhes resta se um ataque às instalações nucleares não é opção, como tem sido explicado várias vezes, e é inaceitável deixar Teerão prosseguir impunemente o trajecto de aquisição de um arsenal nuclear? No curto/ médio prazo, como sugere Kenneth M. Pollack, só há a hipótese de aumentar a pressão das sanções e alargar o seu âmbito, entrando na área dos direitos humanos, no apoio à oposição interna, em novos cortes no investimento estrangeiro e operações clandestinas.
É a esta última vertente que se deve o maior contratempo sofrido pelo regime na sua estratégia de desafio às sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Vinte por cento da capacidade de centrifugação de urânio (984 centrifugadores) foi posta fora de acção pela introdução de um muito sofisticado vírus informático (“Stuxnet”) nos computadores que controlam o sistema. Estima-se que em resultado desta acção o programa possa ter sofrido um atraso de três anos. Obviamente, as sanções também estão a produzir efeito, impedindo o país de sair da crise económica, financeira e social em que avultam os problemas de 29% de desemprego (15% segundo o Governo), 30% de inflação (10% segundo o Governo) e uma queda continuada na extracção de petróleo e gás por falta de investimento para modernização dos métodos e infraestruturas (de seis milhões de barris/dia em 1978, está hoje nos três e meio milhões). Chegará tudo isto para inverter o caminho que o Irão prossegue? É possível que sim a prazo, mas não é seguro.
Jornal Defesa