Israel, em preparativos para uma guerra contra o Irão?
Alexandre Reis Rodrigues
Valerá a pena continuar a tentar negociar com o Irão quanto ao seu programa de enriquecimento de urânio? O primeiro-ministro israelita diz que se está a perder tempo porque não vai haver qualquer cedência. No entanto, não é esse o consenso entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, Alemanha e União Europeia, que retomarão negociações com Teerão a 13 de abril.
Onde, exatamente, deverá ser colocada a “linha vermelha” que Teerão não poderá passar é a questão de fundo que esta divergência consubstancia. Poderá ser aceite que conserve, sob estrita fiscalização, alguma capacidade de enriquecimento de urânio e, caso afirmativo, até que nível?
Netanyahu insiste em que não pode permitir que os israelitas vivam sob o risco de aniquilação e que é inadiável falar dos custos de não se “parar” Teerão. Aliás foi esse o âmbito da sua recente a deslocação a Washington, com o propósito de levar os EUA a reconhecer que Israel tem o direito de lançar uma operação militar se a sua segurança estiver ameaçada. Obama não pôs em causa essa prerrogativa mas não deixou de frisar que um ataque ao Irão neste momento não é aceitável, posição de imediato apoiada pelo primeiro-ministro britânico, mas que o Partido Republicano, como é habitual, contesta, em termos gerais, por falta de dureza.
É hoje claro que os EUA e Israel divergem totalmente quanto à justificação, aos riscos e à esperada eficácia de um ataque aéreo contra as instalações nucleares iranianas. Os EUA têm uma visão pessimista, aliás corroborada pela recente realização de um jogo de guerra destinado a avaliar as repercussões prováveis de um ataque israelita e que apontou para o risco de alargamento a um conflito regional. Washington, como aliás o Ocidente em geral, receia: insuficiente eficácia do ataque para desferir um revés grande no programa nuclear; risco de a oposição iraniana acabar por se unir à volta da atual liderança do regime, pondo de parte as atuais divisões profundas, perante a emergência nacional; possibilidade de Teerão retaliar indiscriminadamente contra todos os que lhes apareçam como cúmplices de Israel. Em qualquer caso, Washington nunca pôs de lado uma eventual intervenção militar; só que entende que isso será uma alternativa que pode ser adiada até ao último “minuto”, sob clara e definitiva evidência de que Teerão tomou a decisão final de possuir o seu próprio arsenal nuclear. Esse momento não foi atingido.
Israel tem uma visão otimista, diametralmente oposta à atrás referida em praticamente todos os aspetos. Telavive pensa que um ataque vai ajudar a oposição a demonstrar à população iraniana que o caminho adotado pelo regime só tem agravado a situação do país e que Teerão vai limitar a resposta ao lançamento de alguns mísseis contra Israel. Na perspetiva israelita, Teerão não vai arriscar dar aos EUA qualquer pretexto para utilizar todo o seu potencial militar; não irá, portanto, atacar diretamente interesses americanos, muito menos navios de guerra americanos no Golfo, como o jogo de guerra atrás referido pode ter admitido. A Teerão não restará senão desvalorizar o ataque sofrido e garantir que o programa nuclear não sofreu qualquer atraso. Dessa forma terá uma desculpa para não retaliar frontalmente, sem perder a face. Também ao contrário dos EUA, Telavive considera que quanto mais tarde intervir mais difícil se poderá tornar ter sucesso. É uma posição que se compreende à luz dos seus bem mais reduzidos recursos militares, mas que nenhuma avaliação da situação permite, de momento, justificar.
Segundo referia recentemente a revista The Economist, um alto quadro militar israelita teria admitido ter informado o Gabinete de Netanyahu de que as Forças Armadas não tinham hipótese de atingir as instalações nucleares iranianas «in a meaningful way», querendo isto dizer, de uma forma que atrasasse significativamente o programa nuclear. Fala-se, geralmente, em conseguir, quando muito, um retrocesso de um ou dois anos (cinco no máximo, se houvesse participação direta dos EUA). Israel tem uma excelente reputação militar, alicerçada em vários sucessos contra forças superiores, mas neste caso tem limitações materiais importantes que lhe restringem as hipóteses de sucesso. Por exemplo, no que respeita a meios de reabastecimento em voo da sua aviação de ataque a alvos a mais de 1000 quilómetros de distância e munições capazes de penetração profunda em instalações protegidas (enterradas em bunkers a mais de 80 metros de profundidade) e dispersas por todo o território.
Não obstante estas limitações, Netanyahu faz questão de lembrar que Israel, embora não sendo uma grande potência, nunca perdeu margem de manobra e iniciativa de ação e lembra três ocasiões em que decidiu autonomamente, senão contrariamente às recomendações dos EUA: em 1948, na declaração de independência que os EUA recomendavam aguardar; em 1967, quando o presidente Johnson recomendou contra o desencadear da “Guerra dos Seis dias” e, finalmente, em 1981, quando Israel decidiu atacar as instalações nucleares iraquianas em Osirak, o que levou o Presidente Reagan a comentar o inesperado da ação dizendo «boys will be always boys». Netanyahu, obviamente inseguro quanto ao apoio dos EUA, recorda o episódio da recusa destes em bombardearem Auschwitz, durante a II Grande Guerra, acrescentando: «never again the jewish people be powerless and suplicants for our fate and our very survival»
Poderão estas circunstâncias significar que se está na iminência de um ataque? Que há preparativos em curso e que o primeiro-ministro israelita parece estar a pretender preparar a opinião pública para essa eventualidade é hipótese difícil de recusar. No entanto, Netanyahu pode estar a “jogar” ao nível tático, sobretudo para criar um ambiente favorável a sanções mais pesadas; isto é, transmitindo a ideia de que se não acontecerem e não derem o resultado esperado, então, o mais provável é que Israel se decida por atuar independentemente, tenha ou não apoio internacional expresso.
Um Irão com armas nucleares ainda não é um desfecho inevitável e iminente. Mas para que nunca chegue a ser é preciso que haja progresso nas negociações previstas para 13 abril. Não é provável que a difícil situação por que o país está a passar seja suficiente, por si só, para flexibilizar e tornar transparente a postura iraniana, conforme exigem as regras da AIEA. Vai ser necessário pôr em cima da mesa algumas concessões e incentivos.
Jornal Defesa