Nova entrevista ao CEMA, desta feita no Público. Infelizmente é exclusivo para assinantes.
Número de navios russos em águas portuguesas disparou após guerra da Ucrânia. Foram 143
O novo chefe de Estado-Maior da Armada, almirante Nobre de Sousa, está focado em aumentar a capacidade de resposta da esquadra e em melhorar a retenção de quadros, admitindo que a elevada taxa de esforço está a provocar desgaste nas fileiras.
https://www.publico.pt/2025/04/12/politica/entrevista/numero-navios-russos-aguas-portuguesas-disparou-apos-guerra-ucrania-143-2129245
Público (excertos)Marinha acompanhou navios suspeitos. CEMA considera “saudável” que se tenha noção das ameaças e avisa que futuro investimento não pode ser “todo gasto” em reequipamento mas também em pessoal.
Helena Pereira e Daniel Rocha
O novo chefe de Estado-Maior da Armada, almirante Nobre de Sousa, está focado em aumentar a capacidade de resposta da esquadra e em melhorar a retenção de quadros, admitindo que a elevada taxa de esforço está a provocar desgaste nas fileiras.
Em entrevista, no gabinete do Estado-maior com vista para a barra do rio Tejo, deixa um aviso ao poder político sobre o previsível aumento de investimento em defesa: "Não podemos pegar no dinheiro e gastá-lo todo no investimento, porque senão corro o risco de vir a ter uns meios muito sofisticados e não ter pessoas para os operar."
Tomou posse em Dezembro, está a ultimar agora a directiva para o ramo. Que prioridades traça nessa directiva?
O meu mandato tem basicamente duas grandes prioridades. A primeira é reforçar o potencial de combate da esquadra. No actual momento geopolítico, queremos ter esses meios com a máxima capacidade de resposta, de acordo com os padrões de material, desde logo, e de treino, ou seja, aprontamento em termos reais.
A minha segunda prioridade tem que ver com o pessoal, é conseguir estancar as saídas e atacar as questões da retenção, um problema com que a Marinha se tem confrontado.
Tem havido uma saída, com alguma expressão, de gente muito qualificada. A Marinha tem duas grandes dependências para a sua actividade: uma é uma dependência de planeamento em prazos longos. Outra é a da tecnologia e, como tal, carece de gente capacitada, muito qualificada. Parte da qualificação obtém-se pela formação prévia que damos na Marinha, mas depois há outra parte que se obtém pela experiência, pelo conhecimento que se vai adquirindo. Os nossos militares tornam-se apelativos e interessantes para o mercado.
Quais são mais procurados?
Quadros técnicos qualificados, por exemplo, oficiais na área das engenharias, podem ir para a indústria da reparação e da construção naval ou até mesmo para outras áreas. Há casos de engenheiros de máquinas que podem ir gerir uma instalação de produção de energia eléctrica, por exemplo. Ou engenheiros de armas electrónicas e ou pessoal formado na área das tecnologias de informação.
São situações de abate ao quadro em que pagam para sair?
Sim. Temos tido militares com 20 anos de serviço, sargentos, por exemplo, a pedir para sair. Neste momento, eu não posso, por exemplo, conceder algumas licenças que estão previstas estatutariamente, designadamente aquelas que permitem que o militar saia por um determinado período, sem vencimento. Quando confrontados com isso, estão a pedir o abate aos quadros, alguns deles a pagar indemnizações.
Quanto é o máximo que já pagaram?
Recentemente, falaram-me num segundo-tenente de armas electrónicas que pagou 80 mil euros.
Faltam-lhe quantos efectivos?
O decreto-lei de efectivos autorizava a Marinha a ter 8374, e eu tenho 6441. Portanto, faltam 1933.
O que é que a Marinha deixou de fazer por não ter pessoal suficiente?
A Marinha não deixou de fazer. Temos uma adicção em cumprir a missão. É da nossa natureza. A Marinha tem feito tudo o que é possível para manter o cumprimento das missões que lhe são determinadas. O reverso disto é um acréscimo de taxa de esforço do pessoal. E isso também tem sido um dos factores invocados pelas pessoas que saem. Por consequência, menos disponibilidade para a vida familiar, menos previsibilidade no planeamento. E, portanto, esta nossa adicção não é saudável.
Tenho militares que neste momento fazem 30 meses de comissão a bordo de unidades navais e que depois, fruto de ter escassez de pessoal e também combinado com as suas qualificações em algumas áreas técnicas, fazem três meses em terra e a seguir embarcam outra vez. Isto é medonho para a organização do núcleo familiar, para ter algum descanso, ter tempo para poder estudar e evoluir profissionalmente.
Quais são as prioridades em termos de reequipamento?
Temos de lançar um programa para fragatas de nova geração, temos de repensar o actual número de submarinos, ou seja, precisamos de adquirir, pelo menos, mais um ou dois, dependendo da tipologia. Um similar aos que existem, ou dois mais pequenos.
Um dos seus objectivos é ter dois navios em permanência nos Açores, como já houve no passado?
Até final do meu mandato. Gosto de desafios. A Marinha tem três fragatas da classe Vasco da Gama, duas vão ter a tal actualização de meio de vida. A fragata Álvares Cabral vai estar atribuída em alguns períodos aos Açores porque é uma área em que temos de exercer a soberania.
Portugal exerce bem a soberania nas nossas águas?
Portugal exerce a soberania na justa medida das capacidades que tem.
Há novas ameaças nas águas portuguesas, nomeadamente junto aos Açores? Quais são?
Temos tido tentativas de interrupção ou de recolha de informação em cabos submarinos. Portugal está numa zona nevrálgica, desde logo, com pontos de amarração de cabos submarinos, mas também de passagem de cabos submarinos. Flui pelos cabos submarinos 99% daquilo que são as ligações que temos na Internet, dados de transacções financeiras, etc. Cortar fisicamente um cabo é a coisa menos difícil de fazer. Ou pode-se dispor de uma escuta para se ter acesso ao fluxo de dados que ali passa.
Às vezes, temos navios que, a coberto de estarem a fazer um cruzeiro de investigação científica, desenvolvem boa parte da sua navegação por cima de um cabo submarino.
São os chamados "navios oceanográficos russos" que, volta e meia, são detectados?
Às vezes, andam em missões científicas em zonas que, cientificamente, fazem pouco sentido.
No ano passado, quantos navios russos suspeitos foram acompanhados?
Entre 2022 e 2024, foram acompanhados pela Marinha 143 navios da Federação Russa, durante a sua passagem pela Zona Económica Exclusiva portuguesa: 14 em 2022, 46 em 2023 e 83 em 2024. Destes, 31 eram navios científicos russos que realizaram cruzeiros nos espaços marítimos nacionais: seis em 2022, 11 em 2023 e 14 em 2024.
Como é que viu a declaração pública do secretário-geral da NATO, em Janeiro em Lisboa, dizendo que a costa portuguesa está nos olhos da Rússia?
É pertinente que o secretário-geral da NATO o faça porque Portugal é um país que integra a Aliança e são ameaças percepcionadas pela Aliança Atlântica. Portugal dá o seu contributo também na detecção [de ameaças] e, eventualmente, em cenários de maior crise ou conflito, tem de corresponder àquilo que vier a ser necessário.