Não quer desacreditar a tua experiência, até porque não estou ligado aos bombeiros e ao socorro há mais de dez anos, mas essa não é a minha experiência. E gostava de acreditar que nestes dez anos a coisas melhoraram e não pioraram.
É claro que em mais de 30 mil pessoas há maus comandantes e há maus técnicos, há vontade de mostrar serviço e ocupar lugares.
Agora também muito profissionalismo e muita formação.
Eu lembro-me de em 2003 estar envolvido num dos maiores incêndios até à data, na central de comunicações do meu Corpo de Bombeiros e o Major do exército, comandante da força mobilizada para ajudar, ter ficado estupefacto com o nível de organização, e ter perguntado se era só naquela altura ou era sempre.
Ainda sem SIRESP ou outros meios tecnológicos, cada veículo, com cada equipa, com a hora de saída, o código de ocorrência era registado e comunicado, via rádio ou telefone, para o Centro Distrital de Operações de Socorro, que portanto sabia a cada momento o que se passava e quem estava no terreno, e a esses dados em tempo real, o Centro Nacional tinha acesso e podia tomar decisões.
Do que eu vi, nos últimos 6 anos, não posso confirmar isso. Vi e senti muita falta de coordenação de meios, vi e senti muita incapacidade logística, e vi também muita falta de tomada de decisão baseada numa correta análise da situação, e mais numa ideia de reagir, de mediatizar e de não planear.
Atenção, isto que refiro não se trata dos Bombeiros, mas sim ao nível de comando (proteção civil). E era mais do que comum haverem ordens contraditórias, mau empenhamento, e mesmo incompreensão das capacidades ao dispor das várias forças.
Naturalmente que também apanhei excelentes profissionais, mas genuinamente pareceram-me a minoria.
Eu não sei a que te referes quando falas em criar um comando nacional de proteção civil com acesso a informação e possibilidade de comando. Isso já existe, já coloquei aqui a legislação.
O problema é que alguns agentes de protecção civil, nomeadamente forças policiais ou forças militares não gostam de ser comandados por civis.
Nos agentes de protecção civil que todos os dias andam no terreno, Bombeiros, Cruz Vermelha, INEM e outros, ninguém tem dúvidas de quem manda a cada momento e cada um sabe o que fazer.
Mas se um bombeiros, comandante de operações de socorro, dá uma instrução a um GNR para cortar uma estrada, aqui d'el rey que o polícia sou eu.
O problema é que mesmo que exista na teoria, na prática isso não acontece - ou pelo menos não vi, de todo, a acontecer, salvo raras excepções.
Novamente, uma coisa são os agentes de proteção civil, outra totalmente diferente é o comando operacional. Não tenho dúvidas que uma corporação de bombeiros saiba onde estão os seus meios, as suas capacidades e tenha capacidade técnica e tática de desempenhar corretamente as suas funções. Tenho, sim, muitas dúvidas relativamente à capacidade de comando operacional e coordenação dos vários atores, tenho extraordinárias dúvidas relativamente à muita fita vermelha que é preciso passar antes de uma decisão.
Além daquilo que você fala, com toda a razão. Há quem fique com muitas dúvidas relativamente à cadeia de comando, e numa situação tão grave e complexa como é o combate a um incêndio florestal. Parece-me urgente escrutinar isto de uma vez por todas, e definir afinal quem é que comanda operacionalmente as forças empenhadas, sem espaço nenhum para dúvidas.
Os verdadeiros problemas são, admitir que vivemos num clima mediterrâneo e que grandes incêndios vão existir SEMPRE, já há registo deles há milhões de anos e vão continuar. Este discurso de acabar com os incêndios é populista e perigoso.
Depois, aceitando que incêndios ocorrerão sempre, as suas consequências podem ser mitigadas e o combate mais eficaz. Isto só vai acontecer se tivermos um território minimamente ordenado, onde não haja casas e casebres espalhados pelo meio de todas as serras, se não houver florestas literalmente a poucos metros ou centímetros de aglomerados populacionais, se houver manutenção da floresta e descontinuidade horizontal de combustíveis e se o meio rural não estiver completamente abandonado porque com propriedades mínimas não há forma de dali tirar qualquer rentabilidade.
Concordo com o que diz, mas a questão é que isso não acontece, exatamente por falta de rentabilidade. E uma coisa são incêndios "controláveis" de pequenas dimensões e que permitam até uma boa gestão do combustível, outra são os casos de autênticos barris de pólvora espalhados pelo país inteiro, e que levam à situação atual (e praticamente anual) que vivemos.
A titulo de exemplo, fui há uns anos a um colóquio sobre gestão agro-florestal, e estava lá um representante do ICNF que falou de uma tentativa de compra por parte do governo escocês de uns bons milhares de m3 de madeira de carvalho para barris de whisky. O contrato não foi executado porque simplesmente não havia tanto carvalho disponível, e demoraria 50 anos a haver. O governo escocês manteve o interesse, mas por cá... Nem um carvalho se plantou. Não me recordo de detalhes exatos mas o geral era isto.
Ora, se existem culturas florestais autóctones portuguesas que geram muito mais dinheiro que monte bravo ou pinheiro abandonado, porque não apostar nisso, e criar uma mão cheia de postos de trabalho, entre limpeza e manutenção dessas manchas de floresta? Naturalmente uma dezena de ha não chegava, mas certamente há bem mais do que isso disponível.
Depois começamos a entrar nas questões de pequenas manchas privadas e não limpas, e tenho exatamente esse problema literalmente ao lado de minha casa, uma mancha enorme de capim alto, com silvado e árvores secas, que pertence a um homem que até está identificado, mas não está no país. Já apresentei queixa, já tentei comprar esse pedaço de terreno, e nada. E a única resposta que tenho é "limpa tu se quiseres". Naturalmente que este problema não é do estado, mas deveriam haver medidas legais de coação para ou perca dos terrenos a favor do estado, ou obrigatoriedade de venda, caso não sejam devidamente mantidos. Porque depois quando ardem, já vem toda a gente chorar para a CMTV, quando é para manter, está quieto que fica caro.
É claro que se pode melhorar a estrutura, há espaço para mais sapadores florestais e bombeiros assalariados, sejam municipais ou voluntários, mais formação e entregar o socorro operacional aos bombeiros, como em qualquer país civilizado, remetento a protecção civil à sua função que não é de comando operacional.
E fazer mais para captar mais e melhores voluntários, porque o voluntariado não é o problema mas parte da solução. Se não fosse o voluntariado nunca teríamos 2000 ou 3000 homens no terreno a um determinado momento, o dispositivo esgotar-se-ia em muito pouco tempo.
Então a quem pertenceria o comando operacional? Eu pessoalmente consigo ver uma proteção civil, bem estruturada e depurada de gorduras inúteis, num país decente, a fazê-lo. No entanto, a pergunta é mesmo séria. A quem deveria caber o comando operacional de coordenação de tantas forças?
Quanto a meios aéreos, são úteis mas acho que se espera demasiado dos mesmos, e eles não fazem milagres.
Enquanto não se resolver o problema de fundo, podem trazer aviões e avionetas e vamos ter grandes incêndios e com consequências graves, como temos há décadas e décadas e têm todos os países parecidos connosco.
Isso concordo em absoluto, no entanto os aviões e helis são visíveis, dão votos, e dão uma falsa sensação de segurança a toda a gente, independentemente da sua utilidade. Daí também não se usarem corretamente, de forma concentrada, mas dispersos entre vários locais para dar aspeto de que se está a fazer mais do que realmente se está.