Bem, se me permitem, vou dar aqui uma opinião pessoal, que em muito advém dos exercícios e contactos que tive com a Proteção Civil:
Além do problema crónico da falta de meios aéreos, e da falta de manutenção do espaço florestal, diria que um dos gravíssimos problemas é a coordenação dos meios que existem, a forma de atuação da proteção civil/bombeiros, e da cultura portuguesa do chefe.
Passo a explicar: os comandos, subcomandinhos e subcomandetes da proteção civil e dos bombeiros refletem mais a imperiosa necessidade de arranjar um posto decente e confortável para todos, do que a imperiosa necessidade de coordenação operacional.
Em vários exercícios com a proteção civil vivi isso em primeira mão. Apesar de terem todos os brinquedos mais reluzentes e novos, de terem postos de comando com que as FFAA apenas poderiam sonhar, havia uma descoordenação brutal entre forças, a informação não fluía, havia sempre mais um passo intermédio ou algum chefe em algum lado, e nisto perdiam-se horas e horas até um incidente chegar às mãos de quem o tinha que resolver - e muitas vezes chegava às mãos erradas, por desconhecimento de capacidades. Junte-se a isto que os representantes das forças armadas vão rodando, e de repente há um tcor da Força Aérea que trabalha numa secção de logística desde tenente a tentar coordenar meios de resgate do exército, que é uma bela receita para um bom desastre. E também vi isto a acontecer num incêndio real, em que várias pessoas (bombeiros, forças armadas e proteção civil) não sabiam interpretar uma carta topográfica, e quase houve um desastre com um trator de lagartas do exército, que não ocorreu pelo sangue frio de um operador e um sargento.
Isto tudo para dizer que é preciso reformular todo o sistema, repensar se não faria mais sentido um "comando general" da proteção civil com acesso a todos os catálogos de forças nacionais de resposta, e que as pudesse movimentar e empenhar conforme necessário, abandonando os muitos postos intermédios, forças com comandos separados, e guerras de quintinhas que assolam aquela que deveria ser uma resposta rápida, eficaz e decisiva.
Além disso, consigo imaginar que os eventuais kits MAFFS fariam sentido nisto. Uma rede de uma mão cheia de MALE da FA a detectar eventuais focos de incêndio, e os dois C130 prontos em pista (norte e sul, pôr exemplo), com retardante, para uma resposta imediata para evitar propagação.
Além de efetivamente repensar a silvicultura em Portugal, e tornar a gestão florestal algo que dê lucro e seja auto-protetor. Mas isso são outros quinhentos.
Não quer desacreditar a tua experiência, até porque não estou ligado aos bombeiros e ao socorro há mais de dez anos, mas essa não é a minha experiência. E gostava de acreditar que nestes dez anos a coisas melhoraram e não pioraram.
É claro que em mais de 30 mil pessoas há maus comandantes e há maus técnicos, há vontade de mostrar serviço e ocupar lugares.
Agora também muito profissionalismo e muita formação.
Eu lembro-me de em 2003 estar envolvido num dos maiores incêndios até à data, na central de comunicações do meu Corpo de Bombeiros e o Major do exército, comandante da força mobilizada para ajudar, ter ficado estupefacto com o nível de organização, e ter perguntado se era só naquela altura ou era sempre.
Ainda sem SIRESP ou outros meios tecnológicos, cada veículo, com cada equipa, com a hora de saída, o código de ocorrência era registado e comunicado, via rádio ou telefone, para o Centro Distrital de Operações de Socorro, que portanto sabia a cada momento o que se passava e quem estava no terreno, e a esses dados em tempo real, o Centro Nacional tinha acesso e podia tomar decisões.
Eu não sei a que te referes quando falas em criar um comando nacional de proteção civil com acesso a informação e possibilidade de comando. Isso já existe, já coloquei aqui a legislação.
O problema é que alguns agentes de protecção civil, nomeadamente forças policiais ou forças militares não gostam de ser comandados por civis.
Nos agentes de protecção civil que todos os dias andam no terreno, Bombeiros, Cruz Vermelha, INEM e outros, ninguém tem dúvidas de quem manda a cada momento e cada um sabe o que fazer.
Mas se um bombeiros, comandante de operações de socorro, dá uma instrução a um GNR para cortar uma estrada, aqui d'el rey que o polícia sou eu.
Os verdadeiros problemas são, admitir que vivemos num clima mediterrâneo e que grandes incêndios vão existir SEMPRE, já há registo deles há milhões de anos e vão continuar. Este discurso de acabar com os incêndios é populista e perigoso.
Depois, aceitando que incêndios ocorrerão sempre, as suas consequências podem ser mitigadas e o combate mais eficaz. Isto só vai acontecer se tivermos um território minimamente ordenado, onde não haja casas e casebres espalhados pelo meio de todas as serras, se não houver florestas literalmente a poucos metros ou centímetros de aglomerados populacionais, se houver manutenção da floresta e descontinuidade horizontal de combustíveis e se o meio rural não estiver completamente abandonado porque com propriedades mínimas não há forma de dali tirar qualquer rentabilidade.
É claro que se pode melhorar a estrutura, há espaço para mais sapadores florestais e bombeiros assalariados, sejam municipais ou voluntários, mais formação e entregar o socorro operacional aos bombeiros, como em qualquer país civilizado, remetento a protecção civil à sua função que não é de comando operacional.
E fazer mais para captar mais e melhores voluntários, porque o voluntariado não é o problema mas parte da solução. Se não fosse o voluntariado nunca teríamos 2000 ou 3000 homens no terreno a um determinado momento, o dispositivo esgotar-se-ia em muito pouco tempo.
Quanto a meios aéreos, são úteis mas acho que se espera demasiado dos mesmos, e eles não fazem milagres.
Enquanto não se resolver o problema de fundo, podem trazer aviões e avionetas e vamos ter grandes incêndios e com consequências graves, como temos há décadas e décadas e têm todos os países parecidos connosco.