A premissa é correcta: o facto de nossa bitola ser diferente é um problema do caraças. Contudo, mudar a bitola da via não se faz do pé pra mão.
Fazê-lo numa via sem travessas polivalentes (ou seja, na maior parte das nossas linhas) é o equivalente a uma renovação profunda da linha -- só se aproveita a plataforma.
Depois há que mudar os eixos dos comboios, carruagens, vagões, etc. De toda a frota , apenas uma série de 25 locomotivas estão preparadas para que isso se faça rapidamente.
É obvio que isto não se pode fazer sem criar interrupções gigantes nos caminhos de ferro portugueses.
Espanha anda a preparar o terreno para isso há uns 20 anos e, honestamente, ainda não têm uma data marcada para o fazer.
Do nosso lado, estamos uns bons 15 a 20 anos atrasados relativamente a Espanha. E mesmo que não estivessemos, não adiantava fazê-lo antes de Espanha.
O que leva à questão: a linha AV Lisboa/Madrid + Madrid/Barcelona/França é, talvez, o caminho mais realista de um comboio de mercadorias circular, sem transferências nem mudanças de chassis, entre Portugal e a Europa nos próximos 20 anos. Não porque possam circular a 300km, mas simplesmente porque podem circular.
Ah, e um pormenor: a ponte 25 de Abril tem restrições substanciais de peso. Essencialmente, comboios de mercadorias carregados não passam lá.
Quanto ao avião, é a lenga lenga do costume.
São 50 minutos.. de vôo. Com o resto tudo, são pelo menos umas 3h pelo menos para ir de Lisboa a Madrid.
Quanto aos preços, é preciso um bocadinho mais para explicar devidamente.
Fazer um vôo custa +/- o mesmo independentemente de se o avião vai cheio ou semi-vazio. O que interessa é que há uma receita que tem, em média, de ser atingida para o vôo ser rentável e há X lugares para vender.
Daí, as companhias aéreas (pelo menos as low costg) regem-se por duas filosofias, quase paradoxais:
a) Cravar cada cliente o mais possível
b) É preferível um passageiro que paga tuta e meia do que um lugar vazio
Para explorar este paradoxo, usam estratégias como esta: os primeiros X bilhetes são vendidos a 15€, os próximos Y a 25€, ...., os últimos Z bilhetes a 120€.
E esta distribuição é cuidadosamente ajustada.
(e todos os extras são pagos: cada mala no porão custa 11€, em cada sentido).
O que é importante tirar daqui: há bilhetes muito baratos disponíveis, mas são em número muito limitado.
Resultado: a EasyJet tem bilhetes Lisboa/Madrid a menos de 15€ mas se fores ter com a EasyJet e lhes propuzeres que façam 6 vôos especiais para transportar 900 pessoas de Lisboa/Madrid a 25€ por pessoa.. eles dizem-te que isso não dá nem para o combústivel.
(As low cost usam apenas 1 ou 2 modelos de avião, com capacidades por volta de 150 passageiros).
Exactamente a mesma lógica se aplica ao TGV. Mas o valor de receita que é preciso atingir para um comboio ser rentável é mais baixo que no avião e o número de lugares disponível em cada comboio muito maior (300, 400 ou até mais).
Sendo ligeiramente mais rápido e confortável que o avião, o TGV Lisboa/Madrid poderá dar-se ao "luxo" de praticar ligeiramente superiores ao avião. Mas a quantidade de bilhetes disponível a um dado nível de preço será muito maior. E por isso, permitirá que muito mais gente viaje nele do que no avião.