Meus caros,
Perdoem-me pelo comprimento deste post, mas é algo em que eu tenho andado a pensar faz algum tempo, por isso considerem-se avisados, lol...
O que temos que perceber é que os avanços tecnológicos dos últimos 20 anos mudaram muitos paradigmas, inclusivamente o de como estruturar uma força naval eficaz e eficiente. Isto é aquilo a que em círculos militares se costuma designar por capacity e capability, ou seja, por muito que todos gostássemos de ter frotas de ABIII (navios com enorme capability), o custo ($2B cada – perdoem-me os puristas, mas eu vivo nos Estados Unidos e estou mais habituado aos biliões de cá...) faz com que os números sejam forçosamente limitados, e como cada navio só pode estar num sítio de cada vez, fica a faltar capacity. Isso levou a que em quase todas as Marinhas Ocidentais de ponta se venha a assitir cada vez mais a um mix Hi-Lo(w), e mais recentemente Hi-Mid-Lo(w), de forças. Por exemplo, no EUA temos AB/Tico-FFG(X)-LCS (esta gente tem uma noção diferente da nossa do que é ser barato...), no Reino Unido temos T26/T45-T31-River B2, na França temos Horizon/FREMM-FTI-EPC, na Itália Horizon/FREMM PPA Full-PPA Light-EPC e agora até os nuestros hermanos estão a embarcar na coisa com F-100/F-110-EPC... Como nós somos uns tesos e não temos “cheta” para ter uma força da dimensão da Holandesa ou Noruguesa, parece que também vamos embarcar nessa mix Hi-Lo, daí já se ter decidido que o MLU das VdG seria para cobrir a parte Lo(w), enquanto as BD cobrirão o High (se isso vai acontecer é outra questão completamente diferente, lol...).
Posto isto, temos que ver as consequências desta situação para as duas principais funções para escoltas de superfície, AAW e ASW. Hoje em dia os principais perigos para forças-tarefa navais são ataques aéreos de saturação e ataques de SSN (não, os SSK não são uma ameaça existencial para um Nimitz, um Ford ou um QE... não se deixem levar por fotos engraçadas tiradas em exercícios ou postadas por fanboys chineses ou russos, um SSK não tem hipótese de apanhar um PA em alto-mar a fazer mais de 25 nós e só se o comandante do PA fôr estúpido é que se vai aproximar da costa numa situação em que “shit is flying for real”...). No caso dos ataques aéreos de saturação, até termos lasers star wars nos navios, a única maneira de os deter é aumentar a capacidade de misseis dos destroyers AAW, e.g. AB, T45, Horizon, o que requer tamanho e tonelagem. Do mesmo modo, fornecer cobertura ASW a um grupo de batalha requer poder acompanhar o PA e ter capacidades de muito longo alcance. Tudo isto custa muitos $$$$, um T45 ou uma T26, que são essencialmente mono-função, custam $1B cada; o ABIII, que faz as duas coisas, custa $1.8B... nuff said...
O Lo(w)-end, tipo operações de patrulha costeira, proteção pesqueira, mostrar bandeira, etc. são cada vez mais cobertos por OPVs (e.g., River B2) ou fragatas quase desarmadas (e.g., Flóreal); sobra o Mid... O Mid-range está cada vez mais a ser coberto por corvetas em estróides que ainda há 10 anos seriam consideradas fragatas (~3000 tons), ou fragatas ligeiras (hoje 4000-6000 tons), que conseguem cobrir papéis tipo escolta de comboios navais ou ASW costeiro. Neste último caso, a tecnologia ajuda a defesa; hoje em dia existem UUVs com VDS que podem ser embarcados em qualquer navio com 2000-3000 toneladas e sonares rebocados (e até VDS) que podem ser instalados também em navios mais pequenos, e.g. CAPTAS-1 (até 1500 tons), CAPTAS-2 ou CAPTAS-4CI (>3000 tons). Daí que os Franceses, por exemplo, estejam a equipar 3 La Fayaette com sonar de casco para protegerem as entradas e saídas dos SSBN de Brest... não têm FREMM suficientes...
Agora para a parte que interessa: quais as consequências para a nossa Marinha? O Lo(w)-end está coberto pelos NPO, ponto final, não há mais discussão, a não ser possívelmente os números finais... O Mid estaria coberto pelas VdG e, eventualmente, pelas EPC, numa configuração semelhante à que propus no último post; como estas são modulares, podemos ser mais ou menos ambiciosos, mas uma configuração com 12-16 ESSM Blk2 e um VDS CAPTAS-2 ou 4CI, serve perfeitamente para cenários não expedicionários de média intensidade, ou seja, cobertura aérea local para escolta (LAD) e ASW costeiro nos acessos a Gibraltar e à costa portuguesa que, lembremo-nos, é a missão que nos está atríbuida no caso de a coisa ficar feia a sério. Finalmente, o High-end estaria coberta atualmente pelas BD e, enventualmente lá para 2030-35, pelas suas substitutas. Se essas vão ser DZP usadas ou AH140 ou M novas (a meu ver, as únicas duas opções realistas), ainda é muito cedo para saber...
Como ponto final, devo apenas referir que as nossas FA, tais como a maioria das de outros países, têm um problema terrível de recrutamento e retenção e, portanto, quando pedirem prendas ao Pai Natal, lembrem-se que qualquer solução terá que ser, NO MÁXIMO, neutra em termos de pessoal...
Já me alongei o suficiente, fico a aguardar os vossos comentários.
Abraços a todos
João