Que desfecho pode ter o conflito sírio ?Alexandre Reis Rodrigues
Lakhdar Brahimi, enviado especial das Nações Unidas e da Liga Árabe, já alertou para a possibilidade de a Síria se tornar num estado falhado. Entre esse desfecho e a possibilidade de um governo de maioria sunita, Assad pode muito bem optar pela primeira hipótese, como o mal menor.
Ao desistir de exercer qualquer controlo sobre a região a norte, que os curdos dominam com ambições separatistas que colidem com os objetivos da oposição, pode ter dado o primeiro passo nesse sentido. Aliás, também quase abandonou a região leste, onde o Exército Livre da Síria controla várias cidades, os campos petrolíferos da província de Deir el-Zour e tomou diversas bases militares. É a solução de “balcanização”, para garantir um enclave aluita ao longo da costa, como forma de, em desespero, assegurar a sobrevivência da minoria que tem apoiado o regime. Poderão estar envolvidos, sob esta perspetiva, cerca de 500.000 pessoas. A composição muito fragmentada da população síria, em termos étnicos e religiosos, facilita este desfecho.
A alternativa de abandono do País com a entrega do poder a um Governo de Transição, como o Ocidente lhe exige, é uma hipótese que pode estar em preparação, conforme alguns rumores vindos a público relacionando uma digressão do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros sírio pela América Latina, com visitas ao Equador, Cuba e Venezuela, com possível pedido de asilo. Assad terá bem presente o que sucedeu anteriormente a outros ditadores que optaram por ficar para lutar (Saddam Hussein e a Khadafi). A sua saída, porém, enfrenta duas dificuldades.
Primeira dificuldade. Não é provável que Assad abandone o poder sem garantia de imunidade, um compromisso que o Ocidente não tem dado sinal de querer anuir, por entender que tem que “pagar” pelas atrocidades que tem cometido contra o seu próprio povo.
Segunda dificuldade. O seu círculo próximo não o deixará retirar-se sem garantias de idêntica imunidade e a obtenção de um compromisso de que a comunidade aluita e outras minorias que apoiaram o regime serão poupadas. Trata-se de uma luta pela sobrevivência de uma comunidade e não apenas pela do seu líder; esta circunstância transforma radicalmente a natureza do conflito e torna muito mais complexo encontrar uma saída.
Não se vê quem possa responder por este último compromisso. Ao fim de quase dois anos de um conflito extremamente feroz que fez 40.000 mortos, não parece haver espaço para uma reconciliação nacional nem para um clima de confiança que permita ter fundada esperança que não haverá “ajuste de contas” da oposição com a minoria que tem governado o País.
O fim de Assad, em que alguns vêm a solução da crise, é uma condição necessária para o fim da violência mas não é condição suficiente. Assad já não governa o País. Na verdade, nem consegue garantir a segurança na capital e no aeroporto internacional que serve Damasco. É apenas como que o principal “senhor da guerra” num país em guerra civil. Levou o seu País a um ponto em que as perspetivas de uma transição minimamente segura é algo em que ninguém acredita ser possível. Nem mesmo Moscovo que intensificou os preparativos de recolha de algumas dezenas de milhares de cidadãos russos que lá vivem, tendo deslocado navios de guerra para a área.
A oposição conseguiu, recentemente, algum progresso agrupando-se numa coligação (“National Coalition of Syrian Revolucionary and Opposition Forces”) mas não conseguiu identificar um líder que pudesse assumir as funções de primeiro-ministro nem a constituição de um governo provisório. É difícil imaginar que reúna condições para liderar um processo de transição para uma democracia. Um fim razoável para este conflito não parece ser possível. A região vai passar a viver com mais um foco de grave instabilidade em que as várias potências com pretensões de liderança regional se vão confrontar indiretamente.
O principal braço armado da oposição (“Free Syrian Army”) passou a ter um comando unificado mas esse progresso, embora importante, não garante por si só que o cenário de lutas entre fações para a conquista do poder, depois de vencido o inimigo comum, tenha sido posto de lado. O mais difícil será integrar grupos ligados ao islamismo radical e próximos da al Qaeda. Um dos que mais têm contribuído, no terreno, para a queda do regime – o grupo “Jabhat al-Nusra” – criou a reputação de não cuidar de evitar danos colaterais e foi excluído da estrutura do “Free Syrian Army” e da liderança política da oposição. Tem uma agenda política própria que visa um governo baseado na “sharia” que transcende o derrube do atual regime.
Tem-se falado ultimamente na possibilidade de o regime, em desespero de causa, usar o seu poderoso arsenal de armas químicas contra as forças da oposição, o que já deu origem aos mais sérios alertas, designadamente por parte dos EUA, que classificou essa possibilidade como um «trágico erro que terá consequências». Embora pareça estar confirmado que tem havido preparativos para o eventual uso dessas armas, a sua efetiva utilização não faria sentido por vários motivos. Iria isolar e condenar ainda mais o regime e, certamente, justificar uma intervenção militar externa que apressaria o seu fim; seria uma espécie de suicídio. Não chegaria também para parar a oposição que atua primariamente em áreas urbanas, onde essas armas perdem grande parte da sua eficácia.
Assad talvez esteja apenas a tentar deixar transparecer essa possibilidade para negociar uma saída. Se assim for tratar-se-á de uma espécie de “acto final”; se não for será a entrada do conflito numa nova fase cujo desfecho será certamente ainda mais desastroso.
Jornal Defesa