Primavera Árabe: Balanço precário
Após dois anos de Primavera Árabe, democracia e estabilidade permanecem uma miragem no Norte de África. A história não terminou, e um olhar breve sobre os três países protagonistas da vaga revolucionária árabe de 2011 – Tunísia, Líbia e Egipto – mostra que ainda é incerto o destino dos seus frágeis processos políticos.
No primeiro, berço da contestação popular que naquele ano havia de contagiar boa parte da bacia mediterrânica, os tunisinos voltam a deparar-se com um braço-de-ferro entre os dois blocos que derrubaram o regime de Ben Ali – os islamistas reunidos em torno do partido Ennahda, vencedor incontestado das primeiras eleições livres, e as forças progressistas que formavam a oposição secular à antiga ditadura de Tunis. O assassínio, dia 6 de Fevereiro, do líder esquerdista Chokri Belaid mergulhou novamente o país no caos.
Pelo menos uma pessoa morreu em vários dias de protestos contra o Governo liderado pelo Ennahda, movimento suspeito de estar por trás da morte do político. Hamadi Jebali, primeiro-ministro e membro da formação islamista, tenta agora constituir um Executivo inteiramente composto por tecnocratas independentes para responder ao descontentamento popular, mas enfrenta a oposição do seu próprio partido.
Na terça-feira, o chefe da diplomacia tunisina Rafik Abdessalem, cunhado do líder do Ennahda Rached Ghannouchi, admitiu que a formação poderá abandonar o Governo. No mesmo dia, porém, o partido convocou para o fim-de-semana uma manifestação de apoio ao movimento islamista.
Sindicatos e patronato, assim como os partidos seculares Congresso para a República (do Presidente Moncef Marzouki) e Ettakol, estão com Jebali, mas é também considerável a base de apoio da ala dura do Ennahda. Nos últimos dias, e perante o receio de uma nova vaga de crime e anarquia, impõem-se nas ruas tunisinas milícias de jovens salafistas que defendem a aplicação da charia, a lei islâmica.
A nova crise política vem atrasar ainda mais o longo processo de redacção de uma nova constituição, mais de um ano após a eleição da assembleia constituinte. Sem o novo documento, não será possível eleger o substituto do actual, desgastado e impopular Executivo interino.
Anarquia em Trípoli, intolerância no Cairo
Na vizinha Líbia, o segundo aniversário do início do levantamento armado que derrubaria o ditador Muammar Kadhafi foi assinalado na sexta-feira sob o peso de fortes medidas de segurança. O país encerrou as fronteiras ocidental (com a Tunísia) e oriental (com o Egipto) perante o receio de uma acção armada contras as autoridades de Trípoli. Nas últimas semanas, movimentos seculares, religiosos, autonomistas, federalistas e até saudosistas do antigo regime convocaram protestos contra um Executivo crescentemente acusado de corrupção e de protelar reformas prometidas.
O Governo interino continua a lutar pelo efectivo controlo do país. Bengazi, a segunda cidade líbia, é hoje um território praticamente independente sob gestão de uma miríade de milícias armadas com o arsenal herdado de Kadhafi. É também, desde Janeiro zona interdita a ocidentais por recomendação dos Executivos europeus e norte-americano. Várias companhias aéreas internacionais suspenderam os voos para a Líbia por razões de segurança.
Esta semana, num encontro em Paris com representantes de países aliados, o Governo líbio solicitou ajuda financeira e operacional para proteger as fronteiras, integrar milicianos nas forças armadas nacionais e controlar um fluxo de armas e combatentes que alimenta grupos extremistas em todo o Sahel, nomeadamente o Mali, e o Médio Oriente.
No Egipto, prossegue a competição entre religiosos conservadores e opositores seculares pelo controlo das ruas. A repressão policial aumentou após semanas de violência em que política, futebol e regionalismos exacerbados vitimaram dezenas de pessoas. Depois da circulação de um vídeo que revelou mais um caso de tortura às mãos das autoridades, o site YouTube foi barrado pela justiça do Cairo. Mantém-se também a exigência de demissão do Governo da Irmandade Muçulmana de Mohamed Morsi por parte da Frente de Salvação Nacional de Mohamed El Baradei, Amr Moussa e Hamdeen Sabahi, entretanto ameaçados de morte pelo clérigo salafista Mahmoud Shaaban.
SOL