“Se somos tão inteligentes, porque estamos a fazer tanta estupidez?”: Yuval Harari veio a Lisboa avisar que a IA ameaça a democracia
Na conferência “Humanidade, não é Assim tão simples”, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos na Estufa Fria, em Lisboa, o historiador israelita, autor de livros como “Sapiens” e “Homo Deus”, defendeu que é urgente regulamentar a tecnologia e proibir que sejam lançados novos mecanismos de IA sem que sejam previamente estudados os seus efeitosAlarmado com o vertiginoso desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA), o historiador israelita Yuval Noah Harari, autor de best-sellers sobre o passado, presente e futuro da Humanidade, deixou esta sexta-feira em Lisboa vários avisos sobre a ameaça iminente que a “disrupção tecnológica” representa para a democracia e para a própria mente humana. “A inteligência artificial pode fazer-nos perder grande parte do nosso potencial como humanos, sem que sequer nos apercebamos disso”, avisou.
Na conferência “Humanidade, não é Assim tão simples”, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos na Estufa Fria, em Lisboa, Harari frisou que “a inteligência artificial é a primeira tecnologia da história com a capacidade para tomar decisões por si própria e para criar ideias inteiramente novas”. De tal forma que, “em poucos anos, podem surgir religiões cujo livro sagrado foi escrito inteiramente por um mecanismo de IA”, alertou.
Segundo Harari, o desenvolvimento de mecanismos como o Chat-GPT - uma tecnologia baseada em inteligência artificial capaz de “imitar” a linguagem humana para produzir textos originais, responder a perguntas e desenvolver uma conversa - ameaçam pôr em causa a própria capacidade de pensar, sobretudo nas novas gerações. “Já não será necessário, como até aqui, fazer pesquisas, ler e interpretar. Bastará fazer perguntas para obter as respostas. Perante isso, que capacidade terão as novas gerações para ter pensamento crítico, de forma a conseguir questionar os próprios conteúdos? Não sabemos”, disse.
Como se tem visto pelas redes sociais, cada vez mais alimentadas por bots, o problema é que muitos dos conteúdos produzidos por IA, até agora sem qualquer tipo de fiscalização, têm como propósito a disseminação de teorias da conspiração e notícias falsas, ao serviço de interesses obscuros e que têm alimentado o ódio e o crescimento dos extremismos, numa sociedade de dia para dia mais polarizada. Nesse sentido, avisou o historiador israelita, é a própria democracia que está em perigo a médio prazo.
Para o autor dos best-sellers “Sapiens”, “Homo Deus” e “21 Lições para o Século XXI”, esta disrupção tecnológica, que está apenas no início, é, a par da crise climática, a maior ameaça que a Humanidade enfrenta. Para evitar o pior, “é preciso desacelerar o processo e reforçar a regulamentação”, desde logo impedindo que novos mecanismos de inteligência artificial sejam lançados sem que sejam devidamente estudados os seus potenciais efeitos, tal como acontece na indústria farmacêutica sempre que é desenvolvido um novo fármaco, defendeu.
A nível da regulamentação, é igualmente prioritário aprovar legislação no sentido de proibir que algoritmos e bots possam fazer-se passar por uma pessoal real. Para que nos possamos proteger dos seus efeitos mais perigosos, Harari considera que é urgente que tenham obrigatoriamente de estar identificados como mecanismos de inteligência artificial.
Isoladamente, no entanto, nenhum país conseguirá vencer o desafio. “Se todos cooperarem, conseguiremos enfrentá-lo. Caso contrário, não teremos hipótese”, vaticinou.
O problema é que, em vez da cooperação, a Humanidade parece estar a caminhar cada vez mais no sentido contrário. “Em vez de estarmos unidos para enfrentarmos juntos estas ameaças, estamos cada vez mais divididos, com tensões crescentes a nível da geopolítica mundial. É razão para perguntar: Se somos tão inteligentes, porque estamos a fazer tanta estupidez?”
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