O Presidente Obama e a retirada do AfeganistãoAlexandre Reis Rodrigues 
Para quem ainda tinha dúvidas sobre a personalidade do Presidente norte-americano, tudo ficou claro com a revelação da longamente esperada decisão sobre a estratégia a seguir no Afeganistão, tornada pública em West Point no meio de muita “pompa e circunstância”.
Ao contrário de Bush, Barak Obama é sobretudo um pragmático que pondera exaustivamente as suas opções; neste caso, não hesitou esperar quase três meses até ter recolhido toda a informação relevante e opiniões, ao longo de mais de vinte horas de reuniões em nove encontros com um alargado leque de conselheiros e peritos. Mesmo os seus opositores não hesitaram em cumprimentá-lo por esse esforço. Porém, isso não o vai poupar a duras críticas por parte dos que defendiam a continuação da campanha de contra-insurreição até à assimilação dos talibãs ou ao seu afastamento.
Obama não decidiu exactamente nesse sentido, não obstante o reforço de 34.000 efectivos dar, numa primeira impressão, essa ideia. No essencial, o Presidente quer tirar os EUA da guerra, fazendo a transição das responsabilidades pela segurança do país para as forças afegãs de uma forma responsável mas no mais curto espaço de tempo possível. Mal grado a enorme dificuldade (impossibilidade?) de alcançar este objectivo nas condições indicadas, o Presidente já marcou um prazo de dezoito meses, ao fim do qual pretende iniciar o processo de retirada, embora sob a reserva do exame da situação que então fará. O sinal, em qualquer caso, está dado e é muito claro; quer a retirada total antes de concluir o actual mandato.
O Presidente terá concluído que não seria possível levar a bom termo a campanha de contra-insurreição, pelo menos num curto espaço. Na verdade, ninguém lhe poderá ter dado essa perspectiva; seria sempre uma questão de anos, senão décadas, mesmo para os que pensam que a “vitória” seria possível. Obama também terá tido presente as lições do passado e, possivelmente, a experiência soviética; talvez lhe tenham recordado a reunião do marechal Sergei Akhromeyev em Novembro de 1986 com o Politburo, a tentar explicar porque os 110.000 homens que tinha no terreno, ao fim de nove anos de guerra, ainda não chegavam para combater a insurreição: «without them, without a lot more men, this war will continue for a very, very long time» (Transcripts of defeat, Victor Sebestyen, IHT, 301009).
Obama dá ao general Mc Chrystal quase exactamente o que constou ter sido pedido em recursos militares. O general terá mais três brigadas (uma dos Marines e duas do Exército, 23.000 efectivos) para operações de combate, cerca de 4000 no apoio de serviços e um quartel-general com 7000, num total de 34.000, ou seja 6000 abaixo do tecto mais referido. O presidente espera conseguir o que falta, através dos aliados, mas, até ao momento, apenas o Reino Unido respondeu positivamente com a promessa de envio de mais 500 militares a somar aos nove mil que tem no terreno. A França tem dito que não envia mais soldados; talvez a Austrália possa dar um novo contributo significativo. Portugal, segundo consta, enviará uma companhia de Comandos (cerca de 150 homens); em qualquer caso, em termos percentuais em função das respectivas populações, alguns países estão a contribuir mais do que os EUA; é o caso do Reino Unido, Holanda, Noruega, Dinamarca e Estónia). O secretário geral da NATO já fez um apelo para novos reforços.
Mc Chrystal defendeu também um incremento da presença civil («ISAF cannot succeed without a corresponding cadre of civilian experts to support the change in strategy») mas é pouco provável que a sua pretensão seja satisfeita; o Office of Civilian Reconstruction, no State Department, recentemente criado, não tem suficiente capacidade de resposta. Com a redução de 1100 para 600 dos funcionários da ONU, consequência do atentado terrorista que as suas instalações em Cabul sofreram recentemente, as perspectivas nesta área também não são boas. Vai ser nomeado, no entanto, um coordenador para as actividades civis, abrangendo as das 800 ONG que estão no terreno; vai ter uma tarefa quase impossível, conhecendo-se o pouco que essas organizações gostam de ouvir falar em coordenação e controlo.
O Presidente Obama definiu quatro objectivos principais: impedir que a al Qaeda volte a usar o Afeganistão como santuário; parar e inverter o crescente controlo territorial que os talibãs têm conseguido; melhorar as capacidades de intervenção das forças de segurança e do governo e, finalmente, a atrás mencionada criação de condições para a transferência de responsabilidades para as forças de segurança afegãs. Embora alguns destes objectivos tenham uma vertente civil, a militar está em todas e será decisiva.
Não vamos conseguir saber se McChrystal se sente confortável e satisfeito com a missão que o seu comandante-em-chefe lhe atribuiu (pode diferir um pouco em relação ao que veio a público e que acima se condensou). Mesmo que não esteja não o vai deixar transparecer, como bom militar que é. No entanto, não arrisco muito se assumir que não deve estar contente. É óbvio que em 18 meses (na prática serão apenas 12, porque os primeiros seis são o tempo necessário para os reforços chegarem ao teatro de operações) não é possível alterar substancialmente a situação existente, muito menos de forma consistente.
Mesmo que o Paquistão continue a ajudar activamente e que o Exército afegão consiga passar dos actuais 90.000 efectivos para os 134.000, conforme pretendido, tão curto espaço de tempo deixa escassas perspectivas para um desfecho nas condições enunciadas pelo Presidente; a questão não é de números apenas mas, sobretudo, de qualificações e de credibilidade e essas não surgem de um dia para o outro.
Inevitavelmente, o desfecho desta nova orientação vai ficar longe do perfeito. O Presidente sabe disso seguramente, mas optou pelo que designou “concluir a tarefa” (“finish the job”), sem especificar as condições, porque não quer manter os EUA envolvidos numa campanha de longa duração e de sucesso incerto. Julgo que tomou a decisão correcta, mas vai ser penoso ver o Afeganistão regredir nas poucas conquistas democráticas que conseguiu, depois da retirada da ISAF. O povo afegão vai continuar a sofrer.
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Jornal Defesa