A solução política para o Afeganistão e a UEAlexandre Reis Rodrigues
Não obstante o esforço militar e diplomático que a administração Obama está a dedicar à procura de uma solução para o conflito no Afeganistão, o que domina as percepções gerais sobre a situação aí existente é a ideia de que se trata de um conflito sem solução.
Obviamente, há quem não pense desta forma, logo a começar o general Petraeus, como primeiro responsável militar. Max Boot, Jeanne J. Kirkpatrick, Frederick W. Kagan e Kimberley Kagan, num recente artigo («Yes we can - In the “graveyard of empires” we are fighting a war we can win»), lembrando que o norte, o centro e o oeste permanecem relativamente seguros, representam a corrente de opinião que também defende que a correlação de forças, com reforços e novas tácticas, pode ser alterada a favor do ocidente.
Petraeus, confiante do sucesso que teve no Iraque, acredita que um esforço militar de contra-insurreição mais robusto e acompanhado de negociações com as facções moderadas dos talibãs pode dividir o movimento e sobretudo acabar por privar a al Qaeda do seu apoio. Petraeus conta com a actual perda de influência da liderança talibã sobre as estruturas locais, explorando as dificuldades de estas coordenarem entre si, tendo acabado o regime monolítico que existiu até à invasão americana em 2001. Admite, nestes termos, que, com apropriados incentivos, possa criar condições a partir das quais será possível envolver alguns representantes das facções mais moderadas nas responsabilidades de governação do país (os especialistas calculam que cerca de 70% dos que apoiam a insurreição o fazem a partir dos incentivos que recebem do tráfico de drogas).
Petraeus sabe que não consegue eliminar a ameaça talibã, enquanto houver santuários no vizinho Paquistão, mas, mesmo sem poder garantir o que quer que seja, espera poder alterar substancialmente a situação, se, para além dos recursos, lhe derem tempo. Os recursos vai tê-los, conforme decisão já tomada pelo Presidente Obama, mas não na dimensão que as autoridades militares pedem; haverão mais 17000 efectivos para o dispositivo no terreno e a 82ª Divisão Aero-transportada com 4000 para treinar as forças afegãs mas os 30000 efectivos a mais também solicitados é assunto sobre o que o Presidente disse ir pensar. É um primeiro passo; aquele que é possível em face dos compromissos ainda existentes no Iraque e que vão continuar a consumir recursos importantes por mais algum tempo, não obstante a decisão de saída.
Tempo não será também tanto quanto o general desejaria ter para concretizar o seu plano. Obama não quer que o conflito se prolongue por toda a sua presidência, especialmente numa fase em que os EUA se debatem com uma gravíssima crise económica e financeira; por isso, tem vindo a preparar a opinião pública para umas expectativas mais modestas sobre os resultados a alcançar e, ao mesmo tempo, estabelecer uma estratégia de saída que não agrave a percepção existente na área de que os EUA não são parceiro em que possam confiar para compromissos de longa duração. Não se refere nem uma única vez, ao contrário do que fazia Bush, à instalação de um regime democrático; fala, alternativamente, num governo mais capaz, mais responsável e mais eficaz («morecapable, accountable and effective government»). Infelizmente, nada nos diz, à luz do que se passa no país, que este objectivo seja mais realista e alcançável; o Afeganistão hoje acumula com o estatuto de estado falhado, que sempre teve, o de estado narcotráfico e estado corrupto (a 187ª posição, numa lista de 190, por ordem crescente de índices de corrupção).
O essencial da nova política consta do White Paper of the Interagency Policy Group’s Report on US Policy toward Afghanistan and Pakistan, recentemente divulgado. Há uma óbvia procura de recolocação do problema nos termos iniciais em que se pôs por ocasião da invasão do Afeganistão, altura em que o objectivo principal era eliminar a al Qaeda e/ou privá-la dos apoios de que beneficiava através do regime talibã. A declaração da Cimeira NATO sobre o Afeganistão destaca precisamente este ponto ao referir ser necessário evitar que o território volte a «servir de base a ataques terroristas ou de santuário do extremismo violento que ameaçam a estabilidade regional e a comunidade internacional». Há, sobretudo, uma outra vontade de procura de uma solução regional e de um outro envolvimento do Paquistão na solução do problema, sem o que não se podem esperar progressos.
A al Qaeda conseguiu encontrar no Paquistão um santuário que se está a revelar tão seguro e eficaz como o que tinha no Afeganistão, colocando assim este aspecto da situação no mesmo ponto em que se encontrava em 2001, antes da invasão. Enquanto não for possível criar condições que levem o Paquistão a concluir que a prioridade da sua segurança se deve centrar no restabelecimento do controlo na zona de fronteira com o Afeganistão e não na ameaça da vizinha Índia, não é realista pensar que Islamabad fará um esforço definitivamente sério de deixar de utilizar os talibãs em proveito da sua estratégia contra a Índia.
Voltando à estratégia de Obama, é interessante notar que, se por um lado, o Presidente está a estreitar os seus objectivos no Afeganistão para os pôr ao alcance dos recursos que tenciona empregar, por outro lado, está a tentar alargar a frente de combate ao radicalismo e terrorismo islâmico. É o que lhe resta, não podendo retirar nem podendo manter a estratégia seguida pelo seu antecessor ou esperar que os europeus, numa reviravolta inesperada, se disponham a envolver-se seriamente. O problema é que para ter sucesso precisa de uma Rússia sossegada sobre as intenções americanas na sua área de influência directa, de um Irão que não quer os talibãs de volta ao Afeganistão mas que vê com agrado as dificuldades que estes estão a colocar à NATO, da colaboração de uma China que vê na colaboração com o Paquistão e no investimento que está fazer no Afeganistão uma forma de diminuir a influência da Índia e, finalmente, da disponibilidade da Arábia Saudita para encaminhar os recursos que emprega na região de uma forma coordenada com os interesses ocidentais.
O puzzle, como facilmente se vê, é extremamente complexo; vai demorar tempo a resolver e, nos termos, em que está a ser posto, depende da capacidade dos EUA em fazer cedências que a administração Bush nem sequer admitia pensar. O reforço de efectivos, em concretização, como todos sabem, não vai alterar nenhum aspecto de fundo da situação mas ajudará a convencer os talibãs de que o Ocidente ainda não desistiu de lutar, condição indispensável para se resolverem a iniciar conversações. Os europeus não podem ficar fora deste esforço militar; pena é que não participem activamente na procura da solução política, onde a UE tem possibilidades de dar um contributo, ao lado dos EUA, para que a NATO não está preparada. Seria a forma correcta de a Europa dar a devida dimensão política à ajuda financeira e civil que tem garantido.
Jornal Defesa