Tudo se resume a isto: é um projecto levado a cabo exclusivamente pelo Estado, e não é levado a bom termo porque o Estado é simplesmente um caso perdido.
Por mais explicações oficiais (que valem o que valem) que se avancem e mais limalhas que se invoquem, os problemas derivam todos, de uma forma ou de outra, exclusivamente do problema principal: as três entidades envolvidas, Ministério da Defesa, Marinha e ENVC, são Estado. Ou seja, não precisam de trabalhar eficientemente, para ter lucro, para atingir objectivos empresariais.
O Ministério da Defesa tem por principal missão garantir que nós temos apenas a capacidade de enviar pequenos contingentes de tropas para missões internacionais e eventuais evacuações de portugueses no estrangeiro, manter o treino e fazer missões de soberania, com o mínimo gasto em material. Como é costume nos Governos (honra seja feita ao governo anterior, que foi a excepção), está-se positivamente borrifando para a indústria privada. E já que não há maneira de evitar a compra de navios, quer que sejam os ENVC a construi-los mas apenas como forma de atenuar os crónicos prejuízos que esta "empresa" dá, por muitos navios que construa e venda (parece a British Leyland). E tem a sorte de se poder sempre espremer mais umas milhas dos navios com quase 40 anos que a Ditadura Fascista comprou, e arranja assim maneira de adiar por mais algum tempo a compra novos e evitar despesas.
A Marinha sabe projectar navios, só não ainda não conseguiu projectar um bom navio (tenho esperança que se estreie finalmente com as LFCs). Os navios até agora projectados pela Marinha são bons nalgumas coisa mas nunca fazem o pleno ou comparável ao que é referência internacional no género. Têm sempre lacunas e falhas, ou porque são demasiado pequenos para o que é necessário, ou porque são demasiado lentos (as lanchas Argos, que dão apenas 28 nós, foram inicialmente classificadas como Lanchas Rápidas de Fiscalização!!! Isto diz tudo), ou porque são demasiado pequenos e demasiado lentos (corvetas), ou porque não têm isto para sairem mais baratos, ou porque não têm aquilo que depois se constata que afinal é preciso ao contrário do que se pensava quando foi projectado. A Marinha nunca acerta. E leva eternidades para projectar qualquer coisa.
Os ENVC são um estaleiro competente para navios mercantes e, de facto não se ouve mais nenhum cliente a queixar-se além da Marinha. Pelo contrário, continuam a receber encomendas nacionais e do estrangeiro (e não me refiro apenas às contrapartidas dos submarinos). Quiseram preparar-se para uma eventual privatização apostando na construção de navios com alguma sofisticação, e agir de forma empresarial, aproveitando uma injecção de tecnologia militar vinda da Marinha (que se calhar não está muito contente com a ideia de outros fazerem dinheiro com a sua ajuda) e tentado exportar o NPO. Só que quando não está devidamente definido quem é que manda no quê (culpa do governo Guterres que definiu as coisas assim e de Paulo Portas que não emendou), temos dois galos a quererem mandar no mesmo poleiro (Marinha e ENVC), uns e outros a quererem os louros e a não quererem que os outros os tenham. Junte-se uma pitada de politiquice, de "quintas e coutadas", de ambições políticas, com boys a armarem-se em empresários (com o nosso dinheiro), com engenheiros navais sem formação empresarial ou comercial (o NPO está disponível em apenas uma versão, um tamanho de casco, da qual há apenas uma variante! Sem alternativas de armamento, até porque se acha que um NPO não precisa de nada mais do que uma Bofors... Os ENVC nestes anos todos nunca se deram ao trabalho de criar uma brochura em PDF que fosse para informar eventuais interessados...) e aí temos o resultado.
Lembro-me há (já) três anos, o então administrador do ENVC, o Almirante Martins Guerreiro, a anunciar triunfalmente a toda a gente que havia países interessados nos NPO. Era a Argentina, era Marrocos (nestes dois casos foi verdade), era a Indonésia, era a Argélia, a Tunísia. Isto é que é um empresário! A anunciar potenciais negócios antes de acontecerem. O segredo é a alma do negócio?! Nas empresas públicas as coisas não funcionam assim!
Passam-se os anos, e resultados? Dois cascos acostados em Viana do Castelo vai para dois anos, com os equipamentos já fora do prazo de garantia ainda sem sequer terem feito as provas de mar.
Incompetência, incompetência e mais incompetência.
Por isso é que há muito que me convenci que para se obterem resultados, o Estado deve ser retirado da equação o máximo possível. Os navios a serem adquiridos pela Marinha não devem ser projectados pela Marinha ou, a serem, não deverão ser em exclusivo mas em conjunto com projectistas experimentados. O ideal é que sejam projectos já existentes, com o mínimo de alterações, poupando-se tempo e riscos. Não devem ser construídos em estaleiros públicos (ENVC ou Arsenal do Alfeite) porque isto de ser fornecedor e cliente ao mesmo tempo não funciona quando se trata do Estado (no sector privado, seria o ideal, mas no Estado funciona tudo ao contrário).
E acima de tudo, deve-se dar sempre prioridade ao sector privado. É injusto e revoltante é que os contratos de construção de navios como contrapartidas das MEKO e dos submarinos, e a construção dos novos navios para a Armada tenham sempre sido dados aos ENVC, um estaleiro a quem não faz diferença se tem prejuízo ou não porque cá está o contribuinte a pagar, porque o Governo não têm coragem política para decretar falência e fechar. Enquanto isso, na Figueira da Foz, há dois estaleiros navais privados ambos capazes de construir os NPO à beira de fechar por falta de encomendas porque são empresas a sério, têm que fazer dinheiro para existirem porque não há nenhum constribuinte por trás para sustentar gente a brincar à construção naval.
O lamentável mesmo, é que neste país onde os lobbys mandam em quase tudo, não haja um lobby das indústrias navais e associadas à construção naval. Se ao menos a Mota Engil, a Somague ou a Edifer tivessem estaleiros, aí sim teríamos uma Marinha bem equipada, podem ter a certeza.
JQT