Ucrânia: A guerra das sanções
Alexandre Reis Rodrigues
Quando há mais de trinta anos, os EUA iniciaram um programa de sanções contra o Irão não havia a experiência nem os métodos que existem hoje para as tornar suficientemente eficazes. A prática começou a evoluir apenas depois do 11 de setembro quando a administração Bush a inclui no combate ao terrorismo para atingir
as suas redes de financiamento. Só, há menos de quatro anos, a partir de 2010, é que começaram a ter um impacto prático relevante na economia iraniana. Mesmo assim, foram precisos mais três anos para levar Teerão a mostrar-se disponível para iniciar as conversações que estão presentemente em curso.
Que esperanças podemos depositar no seu desfecho é uma incógnita ainda em aberto. Em qualquer caso, ninguém espera, pelo menos de momento, que consigam fazer Teerão desistir do seu programa nuclear, o objetivo inicial do Ocidente. Para garantir esse fim seria com certeza incontornável recorrer aquilo que Robert Kaplan chama as “virtudes do hard power”, mas essa é uma hipótese que deixou de estar em voga, principalmente, à luz da dolorosa experiência de intervenção militar no Iraque.
Nas declarações que fez recentemente em Bruxelas, o Presidente Obama deixou perfeitamente claro que não haverá recurso a uma resposta militar para fazer Moscovo voltar atrás na invasão da Crimeia. Aliás, no discurso feito a 26 de março, no Palais dês Beaux-Arts, não só deixou isso perfeitamente explícito como pôs um ponto final na questão que tem estado em aberto sobre a possível entrada da
Ucrânia na NATO:
«Of course, Ukraine is not a member of NATO – in part, because of its close and complex history with Russia. Nor will Russia be dislodged from Crimea or deterred from further escalation by military force».
É uma alteração radical da postura adotada pela administração Bush e, em oposição frontal ao comunicado final da Cimeira da NATO de Bucareste, que deixou aberta a porta para a adesão da Ucrânia. Na minha perspetiva, é, finalmente, também a chegada do bom senso que faltou ao Presidente Bush ao insistir com a admissão da Geórgia e Ucrânia, o que esteve perto de acontecer, em 2008, quatro meses antes da Rússia invadir a Geórgia. Pena é que esta correção de rumo surja apenas como que despoletada pela crise. Fica sujeita à interpretação de que se trata sobretudo de uma iniciativa para tentar reduzir as tensões. Dá a Moscovo a ideia que até por isso já valeu a pena ter optado por uma postura agressiva.
No entanto, a ansiedade que a ação russa na Crimeia provocou entre as antigas repúblicas da URSS, hoje membros da NATO, precisa de bastante mais do que as atrás referidas tentativas de despoletar a crise. Necessita de demonstrações práticas das garantias políticas de que os compromissos da segurança coletiva continuam a ser a base da existência da NATO. Algumas medidas simbólicas estão já a ser tomadas, aumentando a presença militar (alguns aviões para controlo do espaço aéreo) mas resta saber se vão chegar para demonstrar que os EUA estão firmes em manterem a NATO como uma Aliança militar relevante.
Perante prioridades noutras zonas do mundo, hoje, os EUA apostam sobretudo em insistir com os europeus para que assumam as suas responsabilidades (expressing concern about reduced defense spending, President Obama «called on european Allies to “chip in” for mutual defense»). Obviamente, trata-se de uma questão crucial. Se for permitido concluir, aos aliados mais diretamente confrontados com a agressividade russa, que não lhes resta senão acomodarem-se à hegemonia de Moscovo, mesmo contra a sua vontade, então estaremos perante um retrocesso grave de todo o esforço que a NATO tem feito desde que foi criada.
Como poderá funcionar a imposição de sanções que os EUA tentam concretizar, à vista da indispensabilidade de mostrar a Moscovo que o caminho não está livre para
continuar a ignorar elementares preceitos de Direito Internacional, é uma questão essencial. Até que ponto é realista manter expectativas otimistas de que o desfecho de sanções poderá ser semelhante ao conseguido com o Irão e que Moscovo vai reconhecer que afinal cometeu um erro que lhe vai custar caro?
Ao contrário do que se poderá imaginar, o sucesso do uso de sanções não depende apenas do maior ou menor domínio das técnicas e metodologias de as aplicar. À
medida que estas evoluem, também se vão sofisticando as formas de as ultrapassar, nomeadamente em “jogadas de antecipação”, como fez, neste caso Moscovo, ao retirar os investimentos feitos nos EUA (100 mil milhões de dólares) antes da crise se desencadear. O seu sucesso depende de variadas circunstâncias que, frequentemente, são conjunturais e escapam ao controlo dos que as aplicam.
É o caso, por exemplo, de conseguir uma larga frente unida de participação internacional, o que tem sido a principal fraqueza do sistema e tudo indica que volte a ser neste caso. Invariavelmente, os Países decidem a sua participação apenas em função dos seus interesses diretos e não em ligação da sua proximidade e alinhamento político, mesmo quando estes são estreitos.
Suzanne Maloney, numa análise recente sobre as perspetivas de funcionarem bem as sanções aplicáveis à Rússia, lembrava como o Japão, em 1979, não tinha hesitado em preencher o vazio deixado pela decisão de embargo às importações de petróleo iraniano e de congelar os seus bens no exterior. Não faltariam muitos outros exemplos se fosse necessário demonstrar melhor esta realidade. A Europa, malgrado a condenação de Moscovo e esforços feitos de alinhamento com os EUA, terá dificuldades em mostrar-se unida dadas as reservas das suas comunidades empresariais sobre a aplicação de sanções que inibirão os negócios que estão em curso ou programados.
Não obstante Angela Merkel se ter mostrado não inclinada em contemporizar com Putin, não se espera que a Alemanha venha a impor as sanções que a situação
exigiria. Nas suas últimas declarações, Merkel afirma que a Alemanha está a trabalhar numa “solução política” (!) para a resolução da crise. Em termos de política interna alemã, compreendem-se estes cuidados: dois-terços da população declara-se contra a ideia de sanções e cerca de 55% simpatiza com a ideia de que a Ucrânia é área de influência russa.
Para que as sanções sejam eficazes é necessário que atinjam os setores vitais da economia do País visado e que não se repercutam por áreas do interesse de quem
as aplica, como receiam os europeus. No caso da Rússia, como no do Irão, os setores a atingir seriam, à cabeça, o bancário e o energético mas o que foi possível
fazer no Irão, neste segundo setor, não é aplicável ao caso russo dada a grande dependência energética da Europa em relação ao gás e petróleo russo. No gás, a
Finlândia depende a 100%, a República Checa 80%, a Eslováquia mais de 60%, a Polónia, Grécia, Turquia, Austria e Hungria à volta de 50% e, finalmente, a Alemanha e Bélgica acima dos 40%. A promessa de Obama de que irá ajudar os europeus nas suas políticas de diversificação das fontes de abastecimento de gás, assegurando a satisfação de pelo menos parte das suas atuais necessidades, será algo que não se concretizará de um momento para o outro.
Também não é realista esperar que as sanções conduzam a alterações da política russa como seria desejado. É o que nos mostra a evolução do diálogo com Teerão, que nada indica poder ter como desfecho o abandono do seu programa nuclear. Em primeiro lugar, porque as sanções levam sempre muito tempo a começar a produzir efeitos e, com o passar do tempo, cada vez se torna mais improvável levarem a um voltar atrás. Em segundo lugar, porque tratando-se de uma questão vital, os visados encontram sempre formas de resistir, “encaixando” os correspondentes sacrifícios.
Não obstante todo este ceticismo, neste momento e para o caso da Rússia, sanções são o único instrumento com que se pode contar para fazer pressão sobre Moscovo. Se forem minimamente coerentes, poderão, indiretamente, ajudar a criar um clima de incerteza a atuais e futuros investidores externos sobre a margem de segurança com que poderão contar. Obviamente, os oligarcas russos, mesmo os que apoiam e dependem de Putin, reagirão negativamente se tiverem que se confrontar com restrições aos seus negócios e isso pode ser o início de divisões que será útil explorar.
Jornal Defesa