Síria: Situação «é muito pior» do que aparece nas notícias
Três jornalistas portugueses entraram clandestinamente na Síria, passaram cinco dias no Norte do país, e contam agora que a situação “é muito pior” do que aparece nas notícias.“A situação está terrível”, resume, por telefone, o jornalista Tiago Carrasco, que, juntamente com o fotojornalista João Henriques e o operador de câmara João Fontes, dá corpo ao projeto “A Estrada da Revolução”, que pretende fazer o percurso Istambul-Lisboa, passando pelos países da Primavera Árabe.
O que se está a passar na Síria “é muito pior” do que o que mostram as televisões. Há pessoas a serem “assassinadas por nada”, diz Tiago Carrasco, como o caso, a que assistiu, de "duas miúdas que apanhavam batatas quando foram bombardeadas” por artilharia pesada.
“O sistema de repressão do regime é matar às cegas, sem critério nenhum”, diz. É de tal ordem que “ninguém acredita" que os atiradores do presidente Bashar al-Assad sejam sírios, "porque custa-lhes acreditar que um sírio possa matar assim outros sírios”.
Já de regresso a Antalya, na Turquia, Tiago Carrasco descreve a Síria como um país onde “as pessoas vivem para a revolução" e "estão na rua de manhã à noite, a protestar". Até porque "sentem que vão morrer, que eles serão os próximos”. Há até quem tenha deixado de beber álcool e de ter relações sexuais para ser “um melhor mártir”.
Os três portugueses entraram na Síria no dia 02 à noite e passaram cinco dias na região de Idleb, no Norte, “conhecida por oferecer muita resistência” e que está sob o controlo do Exército Sírio-Livre (ESL) desde agosto.
Entraram clandestinamente pela fronteira com a Turquia, traficados pela associação Syrian High Rescue Office, que está a distribuir ajuda humanitária à população (alimentos, medicamentos) e também armas para o ESL.
Nas montanhas entre Idleb e Allepo, nas cidades de Binnich e Taftanaz, onde a população é totalmente sunita (uma das correntes do islão), os três portugueses encontraram uma região “muito bem controlada” pelo ESL. Mas “é um exército muito precário”, diz. “Não estão minimamente organizados. (…) O armamento que têm é o que roubaram quando desertaram do exército e o que conseguem capturar nos combates”.
“Um professor de matemática, um agricultor… há de tudo [no ESL]. São pessoas que sabem manejar uma arma”, refere.
A elite no poder é alauíta (vertente da corrente islâmica xiita) e neste conflito “há uma divisão religiosa evidente”. Mas “não é um conflito religioso”.
Para já, todos reivindicam “uma Síria de um só povo”, mas Tiago Carrasco antecipa que tudo se prolongue até “uma guerra civil”. O ESL “ainda não tem capacidade de ataque”, mas “todos os dias há militares a desertarem” e “vai fortalecer-se de dia para dia”.
As pessoas estão “pelos cabelos” num país de partido único – em que “as crianças, logo na escola primária, são obrigadas a filiar-se no Baath”, partido de Bashar al-Assad –, num país em que a televisão é controlada.
A Síria já era um dos países eleitos na viagem que os três portugueses estão a fazer de Istambul, na Turquia, a Lisboa. Tentam agora chegar ao Líbano sem passar pela Síria.
“Não podemos voar, que é uma das regras do projeto, nem temos dinheiro para isso”. Vão tentar obter lugar num navio de contentores que parte no domingo. Seguir-se-ão Jordânia, Israel, Egito, Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos.
À semelhança do projeto anterior em que os três estiveram envolvidos – “Road to World Cup”, uma viagem de Lisboa a Joanesburgo, rumo ao Mundial de Futebol que se realizou na África do Sul em 2010 –, também este resultará em livro e documentário, podendo já ser acompanhado via blogue.
Lusa