Crespologia - IIIEstou a ver que tenho de processar o Crespo. Ele anda a dar cabo das minhas embirrações de estimação dentro do PS. Primeiro foi o Pedro Silva Pereira, que agora sou obrigado a respeitar como um distinto tribuno em virtude da sua prestação na entrevista com o estouvado do Crespo. Nesta terça-feira passada, no Jornal das 9, foi Maria de Belém Roseira, uma figura com quem nunca tinha perdido uma caloria de atenção, que se transformou numa Joana d’Arc que seguirei para qualquer campo de batalha em Portugal ou fora do Reino. E agora estou em pânico, tremo. Quem se segue? Que outro cromo irei perder? Chegará a desgraça ao ponto de ainda vir a admirar Alegre, calhando apanhá-lo a dar um responso ao taralhouco do Crespo? Nesse dia, juro, meto o pilantra no tribunal.
Mas aquilo na terça foi um regabofe. Começou com José António Barreiros, chamado ao quadro para que o Crespo pudesse informar a turminha de dois factos por si já gravados em mármore:
1º Marinho Pinto tem uma agenda política e ela consiste em favorecer o PS, o Governo e Sócrates.
2º Alberto Costa repetiu em Lisboa o que tinha feito em Macau há 20 e tal anos, em ambos os locais tendo pressionado magistrados para arquivarem processos.
Ora, o episódio de Macau, onde Alberto Costa se meteu por atalhos e trabalhos, foi contado com algum detalhe pelo Barreiros. Nesse retrato, Costa, Melancia e Soares surgem com umas carantonhas muita feias, um bafo nauseabundo fica a pairar no ar. Já o Barreiros passa esvoaçando, puro e diáfano, de retorno à metrópole sem fama nem proveito, mas com a honra intacta e reluzente. Problema: por mais convincente que seja a sua versão — e que o é, no plano exterior e resumido — não pode ela substituir-se ao Estado de direito. Mas ainda mais: perante tamanha ignomínia, onde o cumprimento da lei tinha tido como prémio a demissão pelo punho do mais alto magistrado da Nação, Barreiros fechou-se em copas durante 16 anos. Pelo que uma conclusão à distância é a de que, seja lá o que for que se tenha passado, a suposta vítima ficou cúmplice dos malfeitores. Outra conclusão possível, e provável senão inevitável, é a de que há mais enredos palacianos que ficaram fechados no baú dos interesses próprios do que aqueles que a versão Barreiros apresenta.
Para o procurador-geral da insídia, pago pelo Balsemão, a realidade era muito mais simples — a ilibação de Alberto Costa não passou de uma farsa que comprova o intento corruptor. O que leva a que, na sua chinesice mental, o actual Ministro da Justiça apareça inevitavelmente relapso, tendo usado Lopes da Mota como marioneta de serviço para interferir no Freeport. O modo despudorado e soberbo como Crespo calunia à boca cheia, sugerindo desejar o troféu de também ser levado a tribunal por ter denunciado os supostos podres do PS, é notável. Notável por acontecer na SIC, onde se supunha existirem mínimos deontológicos e cultura de bem comum. Ganha em deboche à Manuela Moura Guedes, pois essa é uma pobre apresentadora a fazer pela vida adentro de um freak show, enquanto esta avantesma até há pouco tempo fingia ser jornalista.
E depois veio o frente-a-frente-a-frente, Roseira contra a dupla Crespo-Teresa Caeiro. Momento surpreendente onde a ex-ministra tratou-lhes da saúde com rigorosa igualdade. Do lado opositor serviu-se cinismo, hipocrisia, má-fé e a mais reles exibição de falta de respeito pelos direitos dos cidadãos — tudo isto resumido na fórmula, a única de que dispunham, Lemos nos jornais, portanto ele é culpado, portanto tem de se demitir, portanto o Governo é cúmplice deste corrupto, portanto estão todos feitos uns com os outros, portanto. Belém disse o óbvio: é indigno, é repelente, estar a fazer da comunicação social o lugar onde a Justiça se cumpre. E depois contou o seu caso, de como tinha sido acusada de gamar uns dinheiros para os cancerosos e que tal calúnia a fez pedir um processo disciplinar, em tudo igual ao que foi instaurado a Lopes da Mota, e de como esse processo concluiu pela sua inocência. Tinha sido no seu interesse que o processo disciplinar tinha ocorrido e por isso, nesse período, ela não se tinha demitido. Perante este testemunho, a dupla de carroceiros explodiu em fúria. Disseram-lhe que não se pode estar sempre a invocar os formalismos jurídicos! Repare-se: um jornalista auto-promovido a salvador da Pátria e uma jurista que já foi Governadora Civil de Lisboa não querem saber dos direitos que assistem a Lopes da Mota, não querem saber do segredo de Justiça, não querem saber da verdade, só lhes interessa o que alguns jornais publicaram sobre o assunto. E do alto desta exuberante manifestação de falta de carácter ainda tentavam castigar a interlocutora, dizendo-lhe que era uma vergonha pretender esperar pelos resultados do processo e respectivas conclusões, ou estar a respeitar a autoridade do Procurador-Geral, quando se devia demitir o homem porque há um diz-que-disse a correr na imprensa.
De modo que a nossa Maria, ao terminar, desabafou que no ambiente actual de anulação de qualquer limite à insídia é precisa uma extraordinária resistência mental para aguentar o assalto dos pulhas. Ela não usou a palavra pulhas, nem a terá pensado, mas tinha dois exemplares à sua frente.
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