A primeira entrevista do novo CEMA.

Uma Marinha Significativa nas suas capacidades de modo
a poder desenvolver a utilidade que Portugal dela exige. Para isso
importa, desde já, recuperar a Esquadra e desenvolver um novo
modelo que garanta o desiderato desejado.
Pretendo assim, desenvolver no meu Comando o programa
de Patrulhas Oceânicos, vocacionados de raiz para atividades de
segurança marítima, de fiscalização, de vigilância, de preservação
dos recursos do ambiente e de recolha de informações, garantindo
desse modo a presença do Estado nas áreas de interesse nacional.
Apesar de serem navios de baixo custo (relativo) de aquisição e
operação, podem, contudo, ser modificados de forma modular para:
(i) funções anti-submarinas;
(ii) transporte de pessoal (até 50 elementos);
(iii) base operativa para drones de superfície, submarinos
e aéreos;
(iv) navios auxiliares de combate à poluição marítima.
Nas funções anti-submarinas, estes navios modificados com
sistemas passivos (cauda rebocada) e ativos (de baixa frequência)
passarão a desempenhar uma função estratégica no seio da
OTAN, num espaço relevante para esta organização: o triângulo
estratégico português.
Na sua capacidade de transporte de pessoas, podem revelar-
-se muito úteis e flexíveis em ações de apoio humanitário, assim
como operar como plataformas para lançar raides anfíbios com
fuzileiros em costa aberta.
O desenho modular e adaptativo permitirá transformar um
navio tipicamente de fiscalização numa unidade combatente,
útil no inventário da OTAN, reforçando o valor militar da Marinha
Portuguesa.
Pretendo encontrar soluções inovadoras que permitam
criar um novo tipo de plataformas que venham a substituir as
funções das fragatas, de navios logísticos e reabastecedores,
proporcionando uma componente de superfície modernizada
e logisticamente sustentável.
A recente evolução tecnológica rumo à robotização da
guerra e o avanço significativo das armas anti-navio (misseis
de alta velocidade e torpedos de longo alcance) vieram alterar
substancialmente o quadro vigente dos conflitos marítimos e
colocar em causa o conceito tradicional das fragatas, como hoje
as concebemos. No futuro, não muito longínquo, serão navios
mistos, com capacidade anfíbia, autossuficientes, com uma
robusta defesa próxima, portadores/transportadores de armas de
longo alcance e de um núcleo variado de drones, continuando a
ser dotadas de helicópteros orgânicos para missões de transporte
de pessoal e armamento pesado.
Os drones permitirão criar uma bolha de deteção
multidimensional alargada, que contribuirá substancialmente
para o aviso antecipado e a defesa em profundidade dos futuros
navios. Os mesmos drones servirão também para guiar as armas
orgânicas aumentando o seu alcance, a precisão e a discriminação
sobre os alvos a atingir.
Estes navios, pela sua capacidade, constituem, a par dos
submarinos, o cerne do contributo da Marinha para os
compromissos resultantes da defesa coletiva das alianças que
Portugal integra podendo vir a catalisar a atividade económica da
área da defesa e desenvolver o tecido tecnológico nacional.
Pretendo continuar a desenvolver a capacidade submarina,
essencial na negação da utilização dos espaços marítimos, em
situação de tensão ou conflito, a forças opositoras de superfície
(dissuasão) muito mais poderosas. Para um país com a dimensão
de Portugal e com as responsabilidades inerentes à posição
e composição do espaço marítimo nacional, os submarinos
proporcionam in extremis a última opção militar. Em tempo de
paz, estes meios constituem-se como a única capacidade apta a
recolher informação de forma discreta, mesmo em zonas sob
forte disputa, que sejam relevantes para o sistema de decisão
nacional. As capacidades destes meios permitem ainda, sem
se denunciarem, exercer a vigilância por largos períodos de
tempo sobre atividades ilícitas. É uma capacidade militar da
Marinha verdadeiramente diferenciadora, conferindo um poder
e importância desproporcional, quer no seio das alianças, quer
contra potenciais opositores.
Pretendo também desenvolver a capacidade aérea da Marinha
composta por helicópteros navais orgânicos e drones, que
permitirão a utilização multidimensional do espaço marítimo. Os
drones aéreos poderão vir a substituir, com vantagem, algumas
das capacidades dos atuais helicópteros, ou mesmo operar lado a
lado. No entanto, não substituirão por completo os helicópteros,
nomeadamente no transporte de cargas pesadas ou de pessoas
em missões de evacuação, recuperação, resgate e Busca e
Salvamento, assim como em operações onde a complexidade e a
variabilidade do ambiente no local da ação requeiram elementos
humanos nas aeronaves.
Pretendo desenvolver uma revolução na capacidade anfíbia,
verdadeiramente crucial para os conflitos híbridos e assimétricos
dos nossos dias. Nessa ótica, pretendo uma capacidade centrada
em elementos projetáveis – para terra e para o mar a partir do mar
– composta essencialmente por Forças de Fuzileiros.
Estas forças deverão ter uma constituição ligeira e flexível, onde
se privilegiará o efeito de surpresa, o conhecimento sobre a área de
operações, a mobilidade, a manobra, a velocidade e a letalidade.
Deverão ser dotadas de equipamento diferenciador que
proporcione vantagens decisivas sobre um adversário mais numeroso
e eventualmente equipado com armamento mais pesado.
No inventário dos Fuzileiros devem constar viaturas táticas ligeiras,
com blindagem adequada, de baixo consumo de combustível e
fáceis de transportar por via aérea e marítima. Também deverão
estas forças ter a capacidade de se defenderem de ataques
aéreos esporádicos, devendo por isso ser equipadas com misseis
antiaéreos de baixa e média altitude. Por fim, devem estas forças,
pela sua natureza, ser dotadas de botes e lanchas rápidas para
incursões anfíbias a partir dos navios para terra, ou para operarem
através dos rios e cursos de água, acedendo ao interior do território.
Assim, para além da capacidade de realizar operações litorais,
podem, pela sua natureza, ser muito úteis nos novos cenários
híbridos, como são exemplo a República Centro-Africana (RCA) e
o Mali, onde a velocidade, a agilidade e a flexibilidade possam ser
um atributo importante.
A componente anfíbia precisará quase sempre de integrar
também forças de operações especiais, fortemente especializadas
e multi-domínio, quer no emprego do mar para o mar, quer do
mar para a terra.
Pretendo ainda incrementar a capacidade da guerra de
minas que tem como foco central contrariar uma das capacidades
militares mais assimétricas dos conflitos em espaços terrestres e
marítimos: as minas.
Portugal e os aliados, tão dependentes das linhas de navegação
marítimas, terão que ter a capacidade para contrariar a negação
do uso do mar, que um adversário queira impor através do uso
deste tipo de armas – facilmente acessível pelo seu baixo custo e
reduzida dificuldade de aquisição, produção e colocação.
Desejo prosseguir o caminho centrado em veículos robotizados
que possam ser operados de fora para dentro de áreas minadas
indo progressivamente limpando as mesmas.
Esta capacidade deverá continuar residente na Esquadrilha de
Subsuperfície e, dentro desta, nos Mergulhadores. Os Mergulhadores, sendo uma capacidade relativamente reduzida em termos
de efetivos, são, no entanto, muitíssimo especializados, produzindo resultados desproporcionais à sua dimensão, devendo assim
constituir-se como uma prioridade.
Pretendo por fim investir fortemente na guerra robotizada – A
miniaturização da eletrónica, os avanços na área da computação,
dos sensores, dos sistemas de navegação, da Inteligência Artificial
(IA), das comunicações e dos sistemas de armazenamento
de energia (baterias, por exemplo) vieram conferir uma nova
realidade disruptiva às atividades militares, que se poderá
designar por guerra robotizada.
Drones aéreos, de superfície e de subsuperfície, com elevada
persistência na área de operações, resilientes, discretos, alguns
deles letais, a operar isolados ou em grupo/rede, controlados
à distância ou com total autonomia, constituirão a muito breve
trecho uma capacidade fundamental das Forças Armadas
modernas. A vastidão dos espaços marítimos e a dispersão dos
espaços terrestres, assim como a baixa densidade relativa de
navios e instalações aí presentes, exige o emprego de meios que
facilitem a deteção e a tomada de decisão, o que torna o ambiente
marítimo num dos espaços mais propícios à utilização massiva
destes equipamentos. O emprego de drones, requerendo redes
de comunicações de banda larga, de elevado débito, disponíveis e
resilientes, levará ao recrudescimento exponencial das disciplinas
associadas à guerra eletrónica e à ciberguerra (cyberwarfare).
A aposta neste domínio será crucial para as operações em
ambiente marítimo, aéreo e terrestre, e disruptiva em conflitos
futuros.
https://www.marinha.pt/conteudos_externos/Revista_Armada/2022/569/