O caso do Iémen. Algo que interessa especialmente à EuropaAlexandre Reis Rodrigues
Pela cobertura de imprensa e outros órgãos de comunicação social dir-se-ia que a crise que se vive no Iémen é uma questão periférica, sem impacto regional
relevante. Não é assim.
É um tema central do equilíbrio de poderes no Médio Oriente e interessa diretamente à Europa, que tem ilações a tirar sobretudo da postura adotada pelos EUA. Envolve, quase diretamente, duas potências rivais – a Arábia Saudita e o Irão -, a Turquia que não permitirá um ascendente iraniano na Península Arábica, o Egito que parece querer voltar a ocupar um lugar na arena regional, os Estados do Conselho de Cooperação do Golfo (Emiratos Árabes Unidos, Qatar, Kuwait e Bahrein) que alinham com a Arábia Saudita (também membro do Conselho de Cooperação) mais Marrocos, Sudão e Jordânia e, finalmente, a Síria e o Iraque que, como o Irão, estão contra a intervenção militar saudita (“Operation Decisive Storm”). Em qualquer caso, é bom lembrar que a operação foi expressamente pedida pelo Presidente Hadi, pedido corroborado pelo Conselho de Cooperação do Golfo e pela Liga Árabe.
Obviamente, os EUA estão também presentes mas apenas numa postura de apoio logístico e de “intelligence” para execução dos raides aéreos de ataque ao solo
para eliminação da aviação, blindados, armamento pesado e linhas de reabastecimento do movimento rebelde dos al – Houthi, conhecido por “Ansar Allah”.
Esta postura dos EUA está precisamente na linha das orientações estratégicas estabelecidas pelo presidente Obama em janeiro de 2012, aquando da aprovação
da nova estratégia de segurança nacional. Em alternativa à opção de Bush de intervir o mais rapidamente possível, sob a ideia de não deixar a situação agravar-se,
Obama decidiu limitar drasticamente o envolvimento direto às circunstâncias em que estejam ameaçados diretamente os interesses americanos, deixando, nos
outros casos, as potências locais assumirem a linha da frente do combate e a primeira responsabilidade, embora com o apoio americano indispensável.
Não está claro que esta nova estratégia tenha a robustez necessária para responder aos desafios que ameaçam a paz e estabilidade, até porque, em termos gerais, o mundo está menos seguro. Mesmo sem prejuízo da ideia que, em última instância, os EUA acabarão por intervir directamente, se localmente o problema não for resolvido. Apesar disso os europeus, ao contrário dos Países árabes, ainda não interiorizaram que a nova postura americana os obriga a preparem-se para tomar nas suas mãos os problemas de defesa que os atinjam diretamente. Há aqui, pois, uma realidade nova a que a União Europeia tarda a prestar atenção, não obstante toda a retórica, infelizmente quase inconsequente, sobre a Política Comum de Segurança e Defesa.
O atual conflito no Iémen, em si próprio, envolve as forças de um governo central extremamente enfraquecido (tendo o Presidente da República – Mansour Hadi -
necessidade de abandonar a capital Sanaa em janeiro e depois o País em março deste ano) e os rebeldes do movimento Ansar Allah, que têm o apoio do Irão e de
alguns setores do Exército iemenita sob a liderança do ex-Presidente Ali Abdullah Salef que, aliás, Riade ajudou a depor na sequência da “Primavera Árabe”. Desta situação resultam três zonas relativamente distintas de conflito: primeira, a controlada pelos rebeldes al Houthi, que tendo começado a norte do país já atuam em Aden, no sul; segunda, a que tem permanecido sob a influência no ramo da al Qaeda na Península arábica e, finalmente, a terceira sob o controlo de um movimento secessionista a sul.
Como se tudo isto não chegasse o País encontra-se há cerca de duas décadas numa situação de pré-catástrofe, com gravíssimas carências alimentares, de água e produção de energia em queda, situação que resiste apenas graças ao apoio da Arábia Saudita, na tentativa de evitar o desmoronamento do País e o perigo de contágio do caos que os jihaditas do movimento Ansar Allah, ligados ao Estado Islâmico, tentam instalar.
Mas, mais concretamente, o que tem em vista a Arábia Saudita ao iniciar uma intervenção militar e de que forma a tenciona concretizar?
Quanto à primeira parte da pergunta, parece claro que quer garantir dois objetivos principais: 1. Evitar que a situação entre num caos que leve os EUA a procurarem
entender-se com o Irão sobre uma forma de combater a expansão regional do jihadismo, deixando claro que, perante esse desfecho inaceitável, decidiram tomar
a situação nas suas próprias mãos, desafio para que se sentem á altura; 2. Não dar ao Irão qualquer espaço que lhe permita ganhar influência na região, um
domínio de que Riade quer manter a exclusividade como imperativo estratégico de que não vai abdicar perante o seu rival.
Quanto à segunda parte da pergunta – de que forma vai concretizar a intervenção? – o seu começo mostra o percurso tradicional. Uma campanha aérea que enfraqueça o adversário antes de uma eventual intervenção em terra. Esta talvez não esteja tão distante como se imaginou inicialmente, com base numa estimativa de que terá sempre pesados custos e uma provável duração prolongada, para que a Arábia Saudita poderá não estar preparada. Para já está em curso um bloqueio naval aos portos do Iémen, com meios das marinhas, saudita e egípcia, para cortar as linhas de abastecimento dos Houthis por via marítima. Nessa operação, já se verificaram ligeiras “escaramuças” com meios navais iranianos da zona.
De facto, o que se esperava da intervenção militar da coligação organizada pela Arábia Saudita era apenas um envolvimento limitado para colocar o movimento alHouthi na defensiva e obrigá-lo a regressar ao seu reduto a norte, deixando de ameaçar a capital (Sanaa) e Aden. Depois viriam negociações e, sobretudo o recurso à “arma financeira” de Riade (essa sim mais “inesgotável”) para conquistar o apoio de tribos que não querem ver os al-Houthis terem sucesso e fazer regressar, ao controlo do Governo legítimo, as fações do Exército que se colocaram sob o controlo do ex-Presidente Saleh.
As notícias mais recentes dão uma perspetiva algo diferente ao anunciaram uma próxima intervenção com tropas no terreno para o que o Egito já prometeu dar o seu contributo e a Turquia dar apoio logístico, Se essa é a intenção imediata ou se está apenas a ser tentado convencer a insurreição que já têm pouco tempo para se sentar à mesa de negociações é o que se verá dentro de dias. Se houver um sinal de recuo da insurreição e sobretudo do apoio que o Irão está a dar-lhes, talvez Riade tente evitar um caminho que tenderá a ser muito penoso, quer em termos de baixas e duração longa, quer em termos de provável retaliação com ações terroristas nos Países árabes – já “prometidas” - e possível recurso a uma interminável guerrilha.
Uma intervenção com tropas não tem necessariamente que ser de natureza convencional. As tropas fiéis ao Governo estão numa situação de extrema debilidade para dar uma contribuição relevante, o que aponta para o uso de meios pesados por parte da coligação. No entanto, existe o recurso alternativo de emprego de forças de operações especiais, opção mais atractiva á luz da preocupação saudita de não se deixarem envolver para além do estritamente necessário.
Que esperança podemos então ter quanto ao futuro da situação? A questão – tudo o indica – terá uma natureza predominantemente financeira. O movimento “Ansar
Allah” dos Houthis não conseguirá controlar e fazer sobreviver o País sem uma forte ajuda externa. Embora menos dependente de Teerão do que o Presidente Haidi
está em relação a Riade, se a Arábia Saudita deixasse de dar ajuda não seria certamente o Irão que poderia tomar o seu lugar. Chegam-lhe e sobram os atuais compromissos em apoiar a Síria, manter o empenhamento no Iraque para combater o Estado Islâmico, apoiar o Hezbollah e finalizar o acordo nuclear com os EUA, de que depende o fim das sanções a que o país tem estado sujeito com um evidente impacto negativo.
Falta saber quanto tempo vai ainda precisar o ex-Presidente Saleh para reconhecer esta realidade. Se demorar, o conflito vai agravar-se seriamente.
Jornal Defesa