Santa Comba Dão lança «marca Salazar» para vender produtos locais
Salazar vai ser marca registada para potenciar a economia do concelho que viu nascer o antigo Presidente do Conselho, Santa Comba Dão, e um dos primeiros produtos com esse cunho será o vinho "Memórias de Salazar".António de Oliveira Salazar nasceu no Vimieiro, a 28 de abril de 1889, onde está também sepultado, mas a ideia de recorrer à "marca Salazar" para o desenvolvimento do concelho, como explicou à agência Lusa o presidente da autarquia, João Lourenço, "não pretende alicerçar-se no saudosismo nem nas romarias da saudade" em relação ao antigo ditador.
"A nossa é sempre uma perspetiva objetiva e histórica, porque os juízos de valor não têm de ser feitos pela autarquia, têm de ser as pessoas, os historiadores, os investigadores [a fazê-los]. Nós temos apenas de demonstrar a nossa convicção de que o que estamos a fazer é útil para o concelho e para a região. E se temos um vinho "Memórias de Salazar" é porque sentimos que as pessoas procuram essa ligação quando nos visitam", disse o autarca.
O objetivo da autarquia - que criou já a Associação de Desenvolvimento Local (ADL) de Santa Comba Dão - é "ligar um nome conhecido em todo o mundo aos produtos da terra", como é o caso do vinho, criar condições para historiadores e investigadores poderem estudar o Estado Novo e fornecer aos visitantes um espaço que lhes permita contactar com o passado de Oliveira Salazar na sua terra".
A ideia é dar agora um "novo fôlego" ao projeto, criar uma "marca Salazar" e, através da ADL, "procurar investidores que permitam o desenvolvimento integral da ideia, que passa pela recuperação da área urbana do Vimieiro ligada ao património que pertenceu a Salazar e espaço envolvente".
Toda a parte de recuperação patrimonial pode custar, segundo o autarca, dez milhões de euros, dinheiro esse que terá de vir da iniciativa privada, "mas também de entidades públicas" que tenham como missão o desenvolvimento local, sendo que este "é um dos 'projetos âncora' para o desenvolvimento da região Dão-Lafões".
Segundo João Lourenço, "o tempo dos grandes investimentos acabou para as autarquias. Os municípios têm tudo feito, das redes de saneamento aos espaços culturais e desportivos, e, obrigatoriamente, o papel dos municípios terá de ser redirecionado, o desenvolvimento tem de partir de ideias locais".
Em cima da mesa há, todavia, questões por resolver, como o património ainda na posse dos dois herdeiros - Rui Salazar, que vive no Vimieiro e com quem a autarquia "tem tudo bem encaminhado", e António Salazar, o outro sobrinho-neto do ditador, "com quem decorrem conversações com muitos pormenores por acertar".
Se o projeto "entrar agora em definitivo nos carris", apesar dos "passos seguros" que já foram dados, este poderá estar concluído, de acordo com João Lourenço, "num espaço de cinco, seis anos". Na opinião do autarca, "para a população, quase a 100 por cento, ainda é muito tempo perdido".
Assim pensa Maria Natália, de 78 anos, que nasceu na casa ao lado daquela que viu nascer Oliveira Salazar, e para quem, como contou a própria à agência Lusa, "é uma necessidade não deixar morrer a memória de Salazar".
Em declarações à agência Lusa, Maria Natália lamentou, enquanto apontava para as águas furtadas "onde Salazar nasceu", que as ruínas "comecem a tomar conta de tudo", nomeadamente a parte mais frágil, como acontece com a casa feita em estuque e materiais menos nobres, cujas portas estão abertas e onde abundam grafites nas paredes interiores.
Na memória que Maria Natália tem do antigo Presidente do Conselho, estão as suas estadias na quinta, quando fugia aos guardas para ir "falar e cumprimentar as pessoas" e "dar uns doces com a forma de cães e gatos" aos miúdos, onde a própria se incluía, "ainda não tinha 10 anos".
Antifascistas prometem oposição "firme ao reescrever da história" do Estado Novo
O projeto de criar uma "marca Salazar" para potenciar o desenvolvimento de Santa Comba Dão, terra natal do antigo Presidente do Conselho, "vai contar com a firme oposição" da União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP).
António Vilarigues, dirigente do núcleo local da URAP, lamentou à agência Lusa que a Câmara de Santa Comba Dão prossiga na ideia de recorrer à "realidade trágica" do Estado Novo, "que conduziu à detenção de milhares de portugueses e à morte de centenas", para alicerçar o desenvolvimento do concelho.
"Estamos perante a mesma questão de sempre, a tentativa de reescrever a história daquilo que foi o regime fascista em Portugal", apontou Vilarigues, sublinhando que "este revisionismo histórico é uma ofensa a milhares de portugueses que sofreram às mãos de Salazar".
A URAP, adiantou o dirigente do núcleo da união em Viseu e Santa Comba Dão, "nada tem contra a investigação e o estudo daquilo que foi o estado Novo", mas frisou que "toda a documentação importante está na Torre do Tombo" e, por isso, "aquilo que se pretende para Santa Comba Dão nada adianta".
Opinião contrária tem o presidente da Câmara de Santa Comba Dão, João Lourenço, que, em declarações à Lusa, defendeu que "os juízos de valor não são da responsabilidade da autarquia mas sim das pessoas que visitarem o concelho, dos investigadores e dos historiadores".
Sobre os protestos, o autarca admitiu que está à espera que aconteçam, mas notou que "a ideia não é alimentar eventuais romarias saudosistas", garantindo que estas "não vão ter lugar no projeto" pensado para o Vimieiro e que passa por um investimento de dez milhões de euros na recuperação de imóveis, nomeadamente no espaço envolvente à casa onde Oliveira Salazar nasceu a 28 de abril de 1889.
Uma das ideias que merece "a clara oposição" da URAP, frisou António Vilarigues, é a que enforma uma das maiores apostas da Associação de Desenvolvimento Local que a autarquia de Santa Comba Dão criou para gerir o projeto: a ligação da "marca Salazar" aos produtos do concelho, nomeadamente a já registada marca de vinhos "Memórias de Salazar".
António Vilarigues contestou a ideia de ligação das memórias de Salazar ao desenvolvimento quando "é sobejamente conhecido que o Estado Novo produziu subdesenvolvimento, obrigou milhões de portugueses a emigrarem para fugir à miséria e conduziu milhares à morte e às prisões e a 13 anos de uma guerra colonial geradora de imenso sofrimento".
Segundo Vilarigues, "todos os dados estão aí para desaconselhar esta ideia. A 24 de abril de 1974, Portugal era um país subdesenvolvido e com uma pobreza onde todos os índices de desenvolvimento humano o colocavam na cauda da Europa".
Para a autarquia, como sublinhou o presidente da Câmara, João Lourenço, "o que interessa é que estamos convictos de que este projeto é útil para o concelho e é importante também para o desenvolvimento da região".
Este projeto, que se iniciou há mais de uma década com a ideia de criar um museu do Estado Novo na casa onde Salazar nasceu, no Vimieiro, é alvo de vincados protestos pelos ativistas da URAP desde o início, embora obtenha a aprovação da maioria da população do concelho de Santa Comba Dão.
Lusa