Mercedes-Benz coloca a sua estrela na boina de Che Guevara e acaba a pedir desculpa
A ideia poderá ter parecido “revolucionária”, mas acabou por tornar-se desastrosa. A Mercedes-Benz usou a imagem de Che Guevara para promover um novo produto, indignou a comunidade cubana no exílio e acabou a pedir desculpa.
Che Guevara a vender automóveis de luxo é uma ideia insólita, destinada a causar polémica. Mas foi isso que fez a Mercedes-Benz quando, na semana passada, anunciou um novo produto. A estrela de cinco pontas na boina do guerrilheiro foi substituída pelo símbolo da Mercedes e as críticas não se fizeram esperar.
A imagem de Che Guevara não foi usada por acaso. O presidente da Mercedes- Benz, Dieter Zetsche, estava na Consumer Electronics Show (CES), feira dedicada à electrónica de consumo que todos os anos se realiza em Las Vegas, a apresentar uma nova aplicação que ajuda a partilhar o carro entre pessoas que se deslocam para o mesmo destino. A CarTogether, disse Zetsche, permite aos passageiros partilhar viagens, através do acesso a redes sociais, e ajuda assim a diminuir o trânsito e as emissões de dióxido de carbono.
Até aqui, nenhuma controvérsia. A polémica começou quando, no ecrã por detrás de Zetsche, apareceu a famosa fotografia que Alberto Korda tirou a Che Guevara, com o guerrilheiro de boina a olhar o vazio, que se tornou um ícone estampado em milhares de t-shirts ou bandeiras. Só que, em vez da estrela de cinco pontas, na boina estava a estrela da Mercedes.
“Alguns colegas pensam que partilhar o automóvel ronda o comunismo”, disse Zetsche. Nesse caso, acrescentou, “viva a revolução”. O presidente da Mercedes terá procurado ter graça, mas acabou por desencadear uma chuva de críticas, desde logo por parte de cubanos no exílio fortemente críticos para com o guerrilheiro que foi um dos mentores da revolução cubana e para com o regime que dela resultou, liderado primeiro por Fidel Castro e agora pelo seu irmão, Raúl Castro.
Da sala de conferências em Las Vegas, a imagem de Che Guevara com a estrela da Mercedes na boina chegou depressa à Internet e aos cubanos o exílio. Ernesto Ariel Suárez, um cubano que vive em Kansas City, nos EUA, começou uma campanha na Internet. “Digam à Mercedes-Benz que não é correcto usar a imagem de um assassino em massa”, defendeu. “A ideia é fazer com que a Mercedes-Benz, e por extensão a Daimler, [empresa que controla a Mercedes], peçam desculpam sem que tenham de passar sete décadas”, escreveu no “site” anticastrista Café Fuerte, citado pelo
El País. “É preciso fazer entender a estas empresas, de uma vez por todas, que a imagem que usam é dolorosa para muitos”.
O pedido de desculpas chegou, e nem um dia depois. Através de um comunicado, a Daimler procurou pôr fim à polémica. “No seu discurso na CES, o Dr. Zetsche referiu-se à revolução no sector automóvel possibilitada pelas novas tecnologias, em particular as mudanças proporcionadas pela conectividade. Para ilustrar isso, a empresa usou brevemente uma imagem de Che Guevara (que foi uma das muitas imagens e vídeos da apresentação). Daimler não estava a apoiar a vida ou as acções deste personagem histórico ou a filosofia política que defendia. Pedimos desculpa aos que se sentiram ofendidos.”
A Mercedes-Benz dificilmente poderia ter escolhido alguém mais capaz de despertar paixões e ódios. Che Guevara, mentor da revolução cubana de 1959, foi capturado e assassinado por militares na Bolívia em 1967 e é considerado pelos seus admiradores um símbolo de rebeldia ou luta contra a injustiça social. Mas para muitos cubanos no exílio, o guerrilheiro que ajudou Fidel Castro a chegar ao poder foi um criminoso responsável por assassínios em massa. Nem uns nem outros terão gostado de ver a estrela da Mercedes na boina de Che Guevara, mas foram os exilados cubanos que deram início a uma campanha contra a fabricante de automóveis.
Também a congressista republicana Ileana Rós-Lehtinen, presidente da Comissão de Assuntos Externos da Câmara dos Representantes dos EUA, reagiu à utilização da imagem de Che Guevara por parte da Mercedes, e em declarações ao diário
El Nuevo Herald, ligado à oposição cubana em Miami, disse que “obviamente os criadores do anúncio têm uma imagem errada de Che Guevara”. E adiantou: “Che era um cobarde corrupto e sedento de sangue que matou incontáveis cubanos inocentes no princípio do regime de Castro”. Esta não foi a primeira vez que a fotografia de Alberto Korda foi usada numa campanha sem autorização, mas substituir com Photoshop a estrela se cinco pontas pelo emblema da Mercedes terá sido ir longe demais. Diana Díaz, filha de Korda, confirmou ao
El País não ter sido consultada pela Mercedes, mas adiantou que essa situação não foi inédita. Quando a marca de vodka Smirnoff fez uma campanha em 2000 com a imagem de Che Guevara também não pediu autorização, o caso foi julgado num tribunal de Londres e a empresa acabou por pagar uma indemnização. A família do fotógrafo não tem instaurado muitos processos judiciais, mas a Mercedes não estaria a contar com a reacção dos exilados cubanos nos EUA.
Público