Caríssimos:
Segui, com alguma atenção, os posts desta discussão e penso que há algo que pode ser acrescentado na tentativa de a enriquecer.
A troca de carregador pode ser vista sob vários prismas e é isso mesmo que tem sido feito por vós até aqui. Aquilo que pode trazer valor acrescentado é uma tentativa de sistematização das ideias. Vejamos:
- A questão inicial foi formulada com base na Galil. É bem certo que cada arma tem a sua especificidade e que é com base nas suas características técnicas que se opera. No entanto, a maioria dos carregadores das espingardas automáticas, muda-se por um processo similar: há um dispositivo que liberta um carregador e o seguinte é colocado por encaixe simples. Neste ponto, podemos facilmente concluir que, para a maioria das armas, não é no acto de retirar e repor o novo carregador no seu alojamento que reside o problema. Este estará, como foi apontado, no local de onde se retira e onde se guarda o carregador. Um bom exemplo da forma como hoje são encaradas estas problemáticas é o exército americano. Na realidade, de há uns anos para cá, o equipamento e armamento individual é fornecido ao combatente, bem como a instrução, mas a forma como o combatente se equipa e o modo como equipa a sua arma (sim, porque o militar americano pode adquirir, por sua conta, os acessórios extra que pretender para a sua arma, como punhos adicionais, sistemas de pontaria diferentes do standard, etc.). Daqui concluímos que, ao contrário da corrente tradicional, a utilização da arma individual deve ser o que a própria designação indica: "individual". Cada combatente deverá optimizar o seu sistema da forma que combate melhor. Claro que é necessária uma instrução inicial "padrão", de algum modo rígida e uniforme. Não é possível pegar num universo de uma companhia de instrução que está a contactar com uma arma pela primeira vez e dizer-lhes "utilizem-na como quiserem!";
- O segundo ponto tem a ver com as considerações feitas por alguns acerca das situações tácticas em que as armas estão a ser usadas. É bem verdade que a situação táctica determina a forma como a arma tem de ser usada. Penso ser importante desmistificar algumas ideias erradas que Hollywood insiste em incutir:
1 - A dotação individual de um atirador é diminuta. Devemos considerar que, em qualquer parte do mundo, se trata somente do peso em munições que este consegue transportar, que lhe permita cumprir a sua missão e não se torne num "estorvo" pesado. Doutrinariamente, por exemplo, em relação à G3 e no exército português, é de 100 munições. Claro que, em guerra convencional, com um inimigo convencional bem definido, as cadeias logísticas bem implementadas, etc., esta dotação pode aumentar, sendo que o combatente continua a transportar as mesmas 100 munições consigo, tendo dotações suplentes nas viaturas do seu pelotão ou nos trens da sua companhia. Isto obvia o problema da contenção de munições, mas não resolve uma situação de ficar desmuniciado quando em contacto. Por esta razão, apesar das armas serem automáticas, é privilegiado o tiro semi-automático. O treino de tiro de combate baseia-se em tiro instintivo (dois disparos para um alvo). Em situações mais estáticas, como nas defesas em posição, é privilegiado o tiro ajustado, dado que o combatente, por princípio, encontra-se abrigado e numa posição de tiro confortável. Daí a importância de sessões de tiro colectivo de controlo de fogos: o comandante de secção tem de ter a percepção exacta dos efeitos que pretende com as diversas armas ao seu dispor, e, ao mesmo tempo, a certeza de que está a bater toda a área de responsabilidade que lhe foi atribuída (o seu sector);
2 - Vimos, no parágrafo anterior, que o tiro automático com espingarda raramente é utilizado. Excepção feita em alguns casos particulares (exemplificarei alguns, mas não todos):
- Nos fogos de protecção final, numa defesa. Aqui procura-se estabelecer uma linha, o mais paralela possível à nossa defesa, para aquém da qual não permitiremos a passagem de nenhum elemento inimigo. Procura-se o máximo de razança e normalmente, uma vez dada a ordem, o regime de tiro é livre;
- No combate em áreas edificadas, a limpeza de compartimentos, por não sabermos exactamente onde está o inimigo dentro de um compartimento em que acabamos de entrar, efectua-se uma ou duas rajadas curtas (hoje em dia as técnicas têm tendência para ser alteradas dado que dentro de uma área edificada, geralmente, não está só o In);
- Quando, à falta de metralhadoras ligeiras, uma espingarda automática com bipé serve de arma de apoio;
Com base no que foi exposto, adicionando-lhe o facto da cadência de tiro automático destas armas variar de 2 a 5 munições por segundo, verifica-se em que, em tiro automático, numa arma que não tenha meio de controlar a rajada, um carregador de 20 munições esgota-se entre 5 a 10 segundos.
Em resumo podemos inferir: o combatente doseia as suas munições o melhor que pode, dado que, mesmo que saiba que tem mais do que a dotação individual ao seu dispor numa viatura um pouco mais à retaguarda, não quer ser apanhado "descalço" ainda em contacto. Preferirá fazer tiro semi-automático sempre que possível, e, mais ainda, preferirá tiro ajustado ao tiro instintivo, se a situação táctica lho permitir. Resta acrescentar que a táctica das pequenas unidades de infantaria ajuda: normalmente há uma força que movimenta e outra que apoia. A troca de carregador, por norma, é um problema da força que apoia, dado que a que movimenta procura fazer um deslocamento rápido, entre duas máscaras, e só fará fogo se tiver necessidade de, ela própria, suprimir o imimigo (obrigá-lo a proteger-se, não conseguindo fazer fogo ajustado). Concluímos que, quem movimenta consome menos munições do que quem apoia. Mais uma vez, a troca de carregador é uma ocorrência que recai sobre quem está instalado no terreno e não sobre quem se está a deslocar.
A troca de carregador é o menor problema de todos os que foram aqui enumerados.
Cumprimentos
JSL