Iraque, 10 anos: «A guerra estava calendarizada há muito»
O investigador Bernardo Pires de Lima sobre a cimeira das Lajes, os pressupostos por detrás da guerra no Iraque e a ajuda política a Blair e Aznar
Por:
Nuno Madureira Nuno Madureira
| 2013-03-20 11:17
O investigador Bernardo Pires de Lima, autor do livro «A Cimeira das Lajes, Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque» (ed. Tinta da China) sustenta que o encontro nos Açores a 16 de março, quatro dias antes do início da operação, foi uma forma de contornar a oposição de França e Alemanha e, ao mesmo tempo, ajudar os primeiros-ministro do Reino Unido e Espanha, Blair e Aznar, a legitimar politicamente, perante os seus eleitores, o apoio a uma guerra previamente decidida por Washington.
Iraque, 10 anos depois: o que ficou da guerra (vídeo)
O facto de se terem revelado falsos vários pressupostos para a intervenção militar no Iraque reforça a ideia de uma cimeira de fachada em relação a um passo já decidido?
Os falsos pressupostos acabaram por dar lugar, já na recta final antes da guerra, a uma justificação revolucionária por parte dos decisores americanos: a de alterar, via mudança de regime iraquiano, todo o statu quo do Médio Oriente, democratizando-o à força de fosse preciso. Este idealismo na narrativa americana é intrínseco ao pensamento neoconservador, mas pode dizer-nos também que já se estavam a tentar encontrar argumentos caso os pressupostos de que fala não se verificassem. No que toca à Cimeira das Lajes, ela será sempre recordada pelas opiniões públicas como um encontro de guerra mascarado de carácter político, o que não anda longe da verdade. Para os líderes que lá estiveram, será recordada como a última solução política num roteiro de guerra inevitável. Mas na minha leitura a Cimeira teve três pressupostos. Responder ao veto anunciado por Paris e Berlim a uma segunda resolução clarificadora de um ataque e proposta por Washington, Londres e Madrid. Forjar uma solução política para ajudar Blair e Aznar junto dos seus eleitores e Parlamentos, sobretudo o britânico. Terceiro, e que resulta dos comunicados trabalhados pelos quatro staffs, dar um deadline a Saddam, convocar a ONU para o pós-guerra e sublinhar a aliança transatlântica. A minha avaliação é a seguinte: com ou sem cimeira a guerra dar-se-ia, porque Washington já a tinha decidido e calendarizado há muito.
A cimeira das Lajes teve consequências duradouras para a política externa de Portugal?
Caso Portugal não tivesse acolhido uma cimeira como essa, teria sido prejudicado pelos EUA, Reino Unido ou Espanha? Não me parece. Ou seja, objectivamente, todo o processo de decisão português e o papel que teve na cimeira foram muito mais relevantes para a construção do perfil de Barroso junto dos seus pares do que aquilo que a política externa portuguesa terá beneficiado. Mantivemos o comando NATO em Oeiras, o que terá sido beneficiado pelo apoio de Portugal aos EUA, mas estou em crer que teríamos argumentos à altura se tivéssemos optado por uma posição, digamos, de apoio mais discreto.
E quais foram as consequências para a coesão da União Europeia?
A grande questão é que, em volta do Iraque, desenvolveu-se uma crise euro-atlântica sem precedentes, com divisões profundas entre europeus, com uma ruptura inédita entre Alemanha e EUA, e num quadro destes e também de pré-grande alargamento a Leste, Portugal acabou por decidir manter-se próximo de um eixo de potências atlânticas, da qual Espanha passou a fazer parte com Aznar. O simbolismo de ruptura dado pela cimeira e que os comunicados procuraram contrariar, acabou nos meses seguintes por ser esbatido pelo aproximar de posições. Só assim se explica que a ONU tenha autorizado a ocupação no Iraque a partir de maio e que Barroso tenha conseguido chegar à Comissão Europeia com o apoio de países anti-intervenção, como França e Alemanha.
http://www.tvi24.iol.pt/internacional/l ... -4073.html-----
Iraque, 10 anos: a Cimeira das Lajes e as motivações de Barroso
O livro de Bernardo Pires de Lima é um «flashback» sobre a última etapa antes do início da operação no Iraque
Por:
Nuno Madureira Nuno Madureira
| 2013-03-20 11:11
Fruto do trabalho de dois anos do investigador Bernardo Pires de Lima, o livro «A Cimeira das Lajes, Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque» (ed. Tinta da China) propõe-se historiar, em 200 páginas, o processo que levou o governo português, liderado por Durão Barroso, a servir de anfitrião ao último passo diplomático antes do início da guerra no Iraque, apesar do forte clima de contestação.
Iraque, 10 anos depois: o que ficou da guerra (vídeo)
O autor considera o encontro de 16 de março de 2003 o «culminar de um processo político-diplomático» do então primeiro-ministro que, 15 meses depois, assumiria o cargo de presidente da Comissão Europeia. A estratégia, sustenta, visava impedir que a Espanha se tornasse o único interlocutor ibérico de Bush.
Qual foi a maior dificuldade com que se deparou para este livro?
Tempo. Interrompi uma tese de doutoramento e dois artigos de investigação no IPRI. Além disso passei uma temporada nos EUA focado noutro tema e escrevo três crónicas semanais sobre política internacional no Diário de Notícias. Não foi fácil. Quanto à disponibilidade dos entrevistados, não tenho razões de queixa. Devo dizer que isso me surpreendeu pela positiva.
A que atribui o esforço de aproximação de Durão Barroso a Bush/Blair, numa altura de forte contestação, em Portugal e na Europa, à legitimidade de intervenção no Iraque?
Só se pode falar em esforço se os EUA e o Reino Unido não fossem dois pilares das relações mais importantes da política externa portuguesa. O apoio de Barroso, pelo contrário, é dado sem qualquer esforço. Outra questão passa por analisar a anatomia da sua decisão e ela é, na minha opinião, dupla: por um lado, passa pela ambição de colocar Portugal no mediatismo político internacional acima do seu poder, influência e dimensão; por outro, não permitir que Espanha fosse o único interlocutor dos EUA no diálogo presente e futuro com a Península Ibérica.
A segunda parte da sua pergunta levanta um pertinente ponto e que a meu ver está na base de muitas percepções que tivemos e temos sobre todo o quadro transatlântico em volta da guerra no Iraque: o gap entre cidadãos e lideranças, sobretudo na Europa. Repare que só quatro dos 15 Estados-membros não apoiaram os EUA. Houve até muitos países arábes que apoiaram militarmente a intervenção. Já o sentimento anti-guerra era generalizado entre as populações.
É lícito ligar-se a passagem de Durão Barroso para a Comissão Europeia e a cimeira, no sentido de esta ter reforçado a sua visibilidade?
A cimeira é o culminar de um processo político-diplomático por parte de Barroso. Ele já conhecia as relações internacionais e a política europeia, aquando da sua passagem pelo governo Cavaco Silva. Nada disto era novidade para ele. Mas, mais uma vez num quadro de pré-alargamento a Leste ¿ muito próximo dos EUA , com Paris e Berlim a alargarem o eixo a Moscovo, e na hora de encontrar um candidato vindo do PPE, Blair levanta o nome de Barroso sabendo que agradaria à maioria dos europeus. No Leste, porque tinha boas relações com os EUA e Londres. Aos restantes atlantistas porque era um deles. A Paris e Berlim, porque seria, na perspectiva destes, um presidente manobrável, mas também porque Barroso nunca descurou as relações com França e Alemanha ao longo de todo o processo. De qualquer forma, todo este enredo precisa de ser trabalhado com maior profundidade. Talvez num próximo livro.
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