A tragédia síria
Alexandre Reis Rodrigues
Ninguém esperava qualquer resultado relevante das conversações em paz em Genebra (Geneve Peace Talks II), mas mesmo assim trinta países estiveram presentes, não se sabe bem com que expectativas. Talvez com alguma esperança de que se tornasse viável acertar uma forma segura de fazer chegar ajuda humanitária aos setores mais desesperados da população. Falava-se também num possível acordo de troca de prisioneiros. No entanto, nem estes objetivos limitados foram alcançados. A tragédia síria vai continuar sem qualquer solução à vista e, provavelmente, por muito tempo mais.
No final da semana de conversações, Lakhdar Brahimi, enviado especial das Nações Unidas e da Liga Árabe para o conflito sírio, destacava o facto de se ter conseguido reunir à mesma zona as partes em litígio, o que em si mesmo seria um avanço. No entanto, nem isso pode ser seriamente reclamado e Brahimi sabe-o melhor do que ninguém poque a guerra civil que grassa na Síria há quase três anos já há muito que deixou de ser um conflito apenas interno, se é que alguma vez o foi.
Para estarem representadas todas as partes de quem depende o desfecho teria que ter estado presente também o Irão, o que Brahimi tentou mas foi vencido pela recusa da oposição síria, Arábia Saudita e EUA. Foi ignorado mais uma vez que conflitos como o que existe na Síria podem tornar-se “eternos” enquanto houver potências externas a “alimentar” a luta, com fornecimento de armamento e motivando as fações que protegem. Sempre foi assim. Dito por outras palavras, o sucesso de uma iniciativa de paz, nestes casos, depende tanto, senão mais, de um entendimento externo do que do interno.
Obviamente, Teerão, talvez até mais do que Moscovo, tem a solução na mão. Seria, na prática, retirar o apoio que está a ser dado a Assad para permitir um governo de transição e a preparação de eleições em que todos possam confiar. Esse, aliás, era o objetivo para que valeria verdadeiramente fazer as conversações de paz. Mas Teerão precisa de Assad ou de um regime que controle a maioria sunita que Riade quer ver, finalmente, no poder, para acabar com a “anomalia” da ditadura da minoria alauita. O problema é que estes dois objetivos são inconciliáveis e os seus defensores, por um lado o Irão, por outro lado, a Arábia Saudita não se pouparão a esforços para fazer prevalecer o seu.
Nestes termos, a presença de uma representação iraniana em Genebra não iria mudar as perspetivas. Evitaria, no entanto, a afronta da sua exclusão depois de ter recebido um convite formal para estar presente, ou seja, mais um passo no sentido da sua marginalização em relação a um processo em que será sempre
indispensável.
De momento, as partes em confronto, quer as internas, quer as externas, não terão à vista qualquer incentivo para dar passos no sentido de um entendimento. Ali Haidar, que tem servido o Governo sírio do Presidente Assad como uma espécie de ministro da reconciliação nacional (!), deixou muito claro que Damasco não espera nada de conversações de paz. Só acredita numa vitória militar como a única saída possível, ou seja, o esmagamento da oposição. Assad não tem este desfecho garantido, mas o registo estatístico de situações semelhantes aponta, como regra geral, para uma vitória do Governo. Assad espera vencer, pelo menos, por cansaço de uma população desesperada.
Que esperanças podemos ter neste contexto tão complexo? Mesmo que se conclua com sucesso o acordo nuclear com Teerão não é realista esperar que se seguirá um realinhamento com os EUA e daí alguma convergência de esforços para a solução do problema sírio. Teerão não vai ceder mais do que o mínimo indispensável para se manter a salvo de um regresso às sanções que quase destruíram a sua economia. A Arábia Saudita não dá sinais de se conformar com a decisão americana de se aproximar do Irão e de não fazer o necessário para depor Assad.
No entanto, o Presidente Obama está limitado nas suas opções pela prioridade de resolver a questão iraniana e pela falta de uma alternativa credível para o afastamento de Assad. A verdade, talvez até já não esteja longe de ter que vir a arranjar alguma forma de entendimento com o atual regime sírio. Parece algo quase impossível de imaginar mas é o desfecho previsível se vier a ser reconhecido que a manter-se a situação o grande beneficiário da crise é a al Qaeda que, sem ter feito qualquer esforço, está a ver chegar-lhe às mãos um novo santuário para continuar a sua luta.
O território sírio que o Governo não controla já está a funcionar como uma plataforma que grupos afiliados à al Qaeda usam para lançar mais instabilidade no
martirizado Iraque. Se não forem detidos, não é difícil imaginar como essa situação se tornará o mais urgente problema regional e, certamente, o único que pode levar todos os outros intervenientes a fazer as cedências necessárias para encontrarem uma solução para a questão síria.
Jornal Defesa