A contagem já começouJosé Eduardo Moniz O Norte de África está a ameaçar converter-se num anel de imprevisibilidade, mesmo às portas da Europa.
Foi em Nova Iorque, vestida de branco e cercada por um impenetrável abraço gelado, que acompanhei o eclodir da situação no Egipto. Aquilo que, no Ocidente, mais se receava está a acontecer. Depois da Tunísia, o país das pirâmides, das múmias e das esfinges está a ser abalado por ondas de contestação que varrem as ruas. Apear Mubarak da presidência e implantar um modelo assente em pressupostos democráticos parecem constituir os objectivos primordiais da agitação que tomou conta do Cairo e das principais cidades.
Ninguém arrisca um prognóstico sobre o que irá passar-se, mas todos sabem que, muito mais preocupante do que os actos de vandalismo que já se registaram, é não se saber prever o que resultará de tudo isso. O fantasma do fundamentalismo alastra na região e gera grossas nuvens de apreensão.
Quem se seguirá ao Egipto? A Argélia, já com a instabilidade a inflamar ainda mais as debilidades do sistema? A Líbia, controlada com mão de ferro por Kahdafi, um ditador no poder, há anos e anos? Marrocos, com instituições políticas igualmente frágeis?
O Norte de África está a ameaçar converter-se num anel de imprevisibilidade, mesmo às portas da Europa. Os ventos que por lá sopram apontam para mudanças dramáticas. Os tumultos que abalam o Egipto são consequência natural da falta de visão que circunscreveu o sistema político a um modelo autocrático e ferreamente controlado. Mais uma vez, a História se encarrega de demonstrar que nem tudo se controla pela força e que a lei da bala não substitui a capacidade de agir antecipando cenários. Eram muitos os sinais que deixavam transparecer um panorama explosivo.
O descontentamento das populações, nomeadamente, dos mais jovens, com a falta de perspectivas e de emprego, com a corrupção e o nepotismo, permitia perceber que o caldeirão em que o país se transformara acabaria por rebentar. Não tendo actuado de modo a condicionar e conduzir, ele próprio, a mudança que se antevia como inevitável, Mubarak é empurrado pela dinâmica das ruas para ajustamentos que se revelam insuficientes perante as circunstâncias. Em vez de reformar, o que se lhe depara é o caminho da reforma forçada. A preocupação que assola Washington e as capitais europeias tem razão de ser, em função dos interesses geopolíticos e do peso específico da região na economia mundial
Diário Económico