Caros foristas
Em conversa com uma pessoa amiga (por e-mail) tentava-lhe explicar o porque de eu achar que Portugal se arriscava a tornar um Estado Exíguo. Acabei por escrever este texto que decidi postar neste fórum. Não sei se será adequado ou inclusivamente se o espaço reservado à Armada o mais indicado. Caso não seja peço desde já as minhas desculpas, assim como pelo facto de ser excessivamente longo e massudo.
"Vamos lá então tentar explicar o que quis dizer.
Começo por relembrar que não sou especialista na matéria, apenas um mero curioso que lê umas coisas e gosta de se debruçar sobre o assunto..por isso é possível que esteja a entrar em terreno pantanoso e acabe por dizer uma asneira ou duas.
Um Estado Exíguo é um Estado que perde a capacidade de se defender, de fazer valer a sua autoridade dentro das suas fronteiras e das suas áreas de responsabilidade como o são o Espaço Aéreo ou a ZEE (Zona Económica Exclusiva). É um estado que não controla minimamente o que é seu e por isso está à mercê de entidades criminosas ou mesmo de outro Estado que se queira apropriar das suas riquezas naturais ou zonas de influência.
"Si vis pacem parabellum" - se queres a paz prepara a guerra. Acho que esta frase faz todo o sentido..de certo modo a Guerra Fria é como que um bom exemplo desta forma de pensar e dos seus resultados. Se um dos lados tivesse optado por não"preparar a guerra"..tenho a certeza que esta tinha sido bem mais quente. Enquanto país temos que pensar assim...estar preparados...não podemos viver alegremente apenas considerando o momento presente. Como será o mundo daqui a 10 anos ? E daqui a 20 ou 50? As alianças serão as mesmas? As realidades políticas..também?...Vamos-nos preparar quando a "bolha estourar"? ..não me parece muito sensato. Adam Smith disse: "a defesa é o primeiro dever de um soberano"..lá está ..soberano..soberania..se não formos capazes de nos defender..iremos muito provavelmente estar a abrir caminho para a perda da nossa soberania. Clausewitz disse: (...) se a política exige da guerra aquilo que esta não lhe pode dar; age contra as suas próprias premissas." Pois..a "Política" em Portugal tem vindo a exigir da "Guerra" aquilo que esta cada vez mais se vê em dificuldade de dar..precisamente porque a "Política" se recusa a dar-lhes os meios necessários para o cumprimento dessas exigências. Contudo, há outra frase que importa considerar neste contexto e que foi dita por Saint Germain: "Que não se destrua uma nação para construir um exército"..ou seja..é preciso ter noção das nossas capacidades económicas e financeiras e sobretudo construir um "exército" adequado" às exigências que dele se quer..importa saber ao certo quais são elas..porque muitas são concerteza legítimas..e sendo legítimas legitimam o "investimento"..que é diferente de "gasto"
Neste sentido, e pensando em Portugal, há algumas questões que importam considerar.
Se em termos terrestres fazemos apenas fronteira com Espanha...importa lembrar que a nossa Zona Económica Exclusiva (marítima) é a maior da UE e que as SSR's (regiões de busca e salvamento), fazem "fronteira" com mais territórios. Por exemplo a de Lisboa tem "fronteiras" com Espanha e Marrocos, e a da Madeira com as do Senegal, Brasil, Espanha, EUA e França. O que quero referir é que sendo a nossa ZEE a mais extensa da UE com tudo o que isso implica, nomeadamente o facto de ser uma zona plena de recursos naturais que importa preservar, justificaria um investimento na nossa Marinha de Guerra e Força Aérea (uma vez que é a esta que compete a Busca e Salvamento por meios aéreos) consideravelmente maior do que o que se verifica. A marinha então está numa situação deplorável da qual acredito a grande maioria dos portugueses nem sequer fazem ideia. Acho muito triste e preocupante que os meios destes dois ramos apenas permitam o cumprimento das suas missões (e falo de missões de interesse público - contole de pescas, combate à poluição, busca e salvamento, controlo da imigração ilegal, patrulhamento marítimo..lembrar o tráfico de droga etc.) apenas se forem "esticadas" ao máximo as suas capacidades. E todos sabemo o que costuma acontecer quando se "estica" um "material" com uma capacidade de "elasticidade" limitada...na maior parte das vezes..REBENTA!!!!
Talvez a nossa maior riqueza esteja no mar. No passado foi para o mar que nos viramos e com sucesso e o mar é sempre um "terreno" que importa explorar, especialmente se o devemos fazer por direito. Há notícias de uma possibilidade do maior lençol de hidrocarbonetos da zona do mediterrâneo estar ao largo do Algarve (sobretudo gás natural)..será que achamos que por sermos membros da UE e da NATO e se não tivermos uma capacidade militar credível os nossos "adversários" vão ficar resignadamente parados a ver aquilo ali "à mão..não de semear..mas de saquear?". Eu tenho a certeza que não..até porque a necessidade por este tipo de recursos é cada vez maior e porque os nossos mais directos "adversários" numa situação como esta são também eles membros da UE e da NATO.
Se não formos capazes de controlar as nossas águas (controlo da imigração, tráfico de droga etc.) acharemos que nada se vai passar? Queremos ser uma espécie de Somália ou Indonésia - esta ainda tem desculpa..são uns milhares de ilhas - e deixar as nossas águas territoriais à mercê de piratas? Claro que elas nunca ficariam à mercê da pirataria..nunca nesta parte do globo..mas não porque os criminosos não existam por aqui..mas sim porque algum "vizinho" com mais força se encarregaria de fazer o trabalho que nós não conseguimos. Agora..uma coisa é certa..não o fariam por serem bons samaritanos..fariam-no querendo algo em troca, que a frase que os meus pais desde novo me ensinaram "olha que ninguém dá nada a ninguém" é de uma sabedoria imensa.
Sei o que está a pensar.."isto não pode estar assim tão mal"..olhe que está. No momento presente..e em bom rigor técnico a Armada Portuguesa dispõe apenas de 3..sim..leu bem 3 (três) navios com valor militar real. O resto...ou são navios quase desarmados de mero patrulhamento de presença (armados com uma 12,7mm no máximo) ou são sucata flutuante que..se ainda flutua ..é por obra e graça do Espirito Santo (não do Banco..que esses fogem aos impostos como o zé tuga normal..eles e os "amigos" da Banca....talvez se todos pagassem o que devem houvesse mais dinheiro para por isto a funcionar. Se bem que acho que o principal problema não são os euros mas sim os planos..ou falta deles..para os usar) Obra e graça do Espírito Santo e da manutenção..que à boa maneira lusitana lá vai improvisando e fazendo milagres..lá está..fizemos de uma excelente característica do nosso povo - que deve ser incentivada e aproveitada - a capacidade de improvisação..uma forma de vida..um sistema..e é isso que acho mal. O improviso deve servir para isso mesmo..para situações de improviso e nunca ser uma espécie de plano de acção..o plano oficial.
3 navios? Só? Sim! Na minha forma de ver apenas (no momento presente) existem 3 vasos de guerra com capacidade e valor militar real e credível. As 3 fragatas da classe Vasco da Gama. Os submarinos que eram 3..foi-se protelando a sua substituição (talvez por se pensar nas coisas sempre à última da hora...deviamos sempre contar com todo o tempo necessário para a escolha de um substituto, os recursos dos construtores preteridos e, obviamente..a sua construção). Como disse..eram 3..todos já tinham ultrapassado o limite da vida útil (graças a Deus e aos Homens da manutenção...mas as sortes ás vezes acabam..nunca se deu..e felizmente..um incidente tipo Kursk à portuguesa. Submarino no fundo...umas dezenas de marinheiros aflitos..um resgate com meios NATO..se corresse bem..e ai gostava de ver..as pessoas que dizem que a compra dos submarinos é um exagero..a comentar a tragédia). Mas dos 3..já só um flutua (e submerge)..se é que ainda o faz..e mesmo assim vai ter de deixar de o fazer antes da vinda dos substitutos..que isto de andar a brincar com a sorte também é uma coisa com a qual não convém exagerar. Por isso irá passar um período de tempo em que Portugal deixará de poder contar com a arma submarina com tudo o que isso implica negativamente para a nossa (sub)erania. Sim...porque os submarinos não servem para lançar misseis nucleares como se vêm nos filmes..deve ser essa a visão (desinformada como convém) dos detractores da compra dos novos submarinos.
Os patrulhas da classe Cacine e as corvetas da classe Baptista de Andrade e da classe João Coutinho..(para além de pouco indicadas para a missão (patrulhamento oceânico)..que eu também se quiser andar na cidade prefiro um utilitário a um carro familiar..especialmente tendo em atenção os preços dos combustíveis)... deveriam ser substituidas pelos NPO (Navios de Patrulhamento Oceânico - dois deles em versão de combate à poluição e todos a construir em Viana do Castelo ).. mas desse programa que já deveria estar perto da conclusão com vários navios ao serviço...apenas se conheçem duas carcaças inacabadas na doca de Viana..à espera sabe-se lá do quê. Existe também a intenção de construir uma nova classe de lanchas de fiscalização para complementar os NPO's..mas dessas..nem carcaças sequer. Acho até que este projecto (NPO), em conjunto com a substituição da arma ligeira ..a G3 têm até já uma banda sonora...
http://uk.youtube.com/watch?v=3khTntOxX-k ...lol..é triste mas é verdade..acho que as verdadeiras razões da criação desta música foram estes programas.
As fragatas da classe João Belo...também elas ultrapassadas..foram vendidas ao Uruguai..(ainda há países piores que nós..vá lá..não que isso nos deva servir de consolo)
Que mais temos? O Bérrio? O reabastecedor de frota..sim é verdade..mas foi comprado à GB em 1993 se não estou em erro..quase há vinte anos..e já era em segunda mão. Ou é de mim..ou ele até já raramente sai da Base Naval do Alfeite.
O que resta são navios de instrução, hidrográficos e etc.
Futuro...sim..que por muito que o futuro não seja risonho..existe. Bem..é certa a aquisição das duas fragatas holandesas da classe Karel Dorman (Bartolomeu Dias) já em fase final de recepção..um projecto que correu bem. São fragatas modernas (a Holanda também se desfez de 6 unidades por dificuldades orçamentais..ficando ainda com duas..as outras foram aos pares para o Chile e para a Bélgica.) que não sendo de última geração serão até provavelmente meios mais modernos que as Vasco da Gama. E os Submarinos da classe Tridente ou U-209PN..que na verdade é um U-214..bem mais moderno..talvez um dos submarinos convencionais mais modernos em operação...Mais uma vez a escolha não foi má..resolveu-se tarde..mas tá quase. Porém são só dois..um número no meu entender manifestamente insuficiente. Lembro que a antiga esquadrilha contava com 3 e..mesmo assim..seriam poucos..a meu ver.
De resto, fala-se na construção de um NPL (Navio Polivalente Logístico) tão necessário para os Fuzileiros e da substituição do Bérrio...mas é só isso.."faladura" porque factos concretos..isso é outra história. Por isso cheira-me que infelizmente ainda muita água vai correr por baixo dos cascos dos navios da nossa Armada até que estes projectos sejam uma realidade.
Eu sei que não somos um país com muitos recursos..mas se não investirmos na defesa dos que temos...bem....arriscamo-nos a ser um país com menos ainda.
Porque mesmo assim..a realizarem-se estes projectos..o que já vimos que é difícil...a "ambição" para a marinha parece-me muito baixa..especialmente se considerarmos a questão do tamanho da nossa ZEE.
Por isso lembro-me do que tem sido dito nestes últimos dias a propósito da missão olímpica: : foi o maior investimento de sempre numa missão olímpica portuguesa" o que levanta desde já questões importantes: o facto de ter sido o maior quererá dizer que foi grande ou suficiente se comparado com o número de atletas e com outros países da nossa dimensão territorial e populacional? e..vendo bem as coisas..se se tiver acrescentado 10 euros ao investimento de 2004..então também poderiamos dizer que foi maior que o último. Isto de dizer que foi o maior de sempre não quer dizer rigorosamente nada.
Mas adiante..faz-me lembrar esta situação..porque cumprir a LPM para a Marinha não quer dizer que fiquemos com uma Marinha adequada ás nossas responsabilidades..e isto é importante pensar. Será que fica?
Não sou um daqueles "sonhadores excessivos"..não defendo um manancial de recursos equiparável aos EUA..nem sequer a Espanha ou Grécia..mas acho que dentro das nossas capacidades deveriamos ambicionar mais. Talvez para ambicionar o que considero ser o mínimo se tivessem que ter tomado outras opções no passado..agora é tarde e não se pode voltar atrás..ambicionou-se pouco..na altura errada..fizeram-se opções..agora não se pode simplesmente voltar atrás..seria complicado.
Para dizer a verdade..até em termos númerico de navios não "ambiciono" valores tão diferentes dos actuais..e mesmo o nível tecnológico que gostaria de ver na nossa Armada...não tem necessariamente que ser sinónimo de MUITO mais dinheiro. Claro que seria mais..caso contrário seria inexplicável a situação actual..apenas quero dizer que não seria astronomicamente mais. O que quero dizer é que não advogo uma marinha desproporcional..Tenho as minhas ideias..que valem o que valem e muito provavelmente desconheço muitos factores....sou um amador..mas isso não invalida que não possa pensar e dar opiniões..desde que dentro do bom senso e com a humildade de reconhecer as minhas limitações. Nunca no modo.."Ahh..são uns burros deviam ter feito isto e aquilo e eu é que sei porque sou..enfim..eu?""