Bom, o debate está a sair da temática central desta discussão que é Olivença, mas, como este é um fórum em que se discutem temáticas geopolíticas e militares, parece-me apropriado esclarecer o Carlovich, o Aponez e o sierra002 em relação a alguns factos e conceitos:
1) A paz de Vestefália (que inclui um numeroso conjunto de tratados de paz), no que diz respeito às Províncias Unidas, significou o final da Guerra dos Trinta Anos e da Guerra dos Oitenta anos - é esta a designação porque que é conhecido o conflito entre a Espanha e a região rebelde dos Países Baixos do Norte (1568-1648). No final desta Guerra (1648) a Espanha reconhece – de jure - a perda territorial dos Países Baixos do Norte. Ora quando um tratado estabelece, no final de um conflito, a perda de um território, a potência amputada sofre uma perda territorial. Mais, a Trégua de 12 anos (1609-1621), não significou o reconhecimento de qualquer perda territorial. Este episódio significou apenas, por parte da Espanha, o reconhecimento, meramente conjuntural, que não tinha capacidade económica para continuar a suportar as exorbitantes despesas do conflito. Não foi reconhecido, por nenhuma das partes, como uma solução final para o conflito (a prova é que terminada a Trégua (1621), o conflito se reiniciou). Mesmo que fosse aceite a tese – insustentável - dos senhores Carlovich e Aponez, de que não existiu perda territorial porque ela já tinha ocorrido anteriormente (algo verdadeiramente extraordinário de se considerar quando se sabe que as operações militares no território disputado continuaram durante mais 27 anos), a tese da ausência de perdas territoriais da Espanha em Vestefália cairia por terra, pela simples evolução territorial dos Países Baixos do Norte entre 1621 e 1648. Durante este período as Províncias Unidas conquistam a Região a Sul da Zelândia e de Grave (ou seja, o que a historiografia espanhola designa como a “desembocatura del Escalda y las Regiones de la Generalidad”). A este respeito recomendo vivamente a consulta do Atlas Histórico do George Duby. Não me vão agora dizer que, como a perda territorial – de facto – aconteceu 10, 5 ou seis anos antes da assinatura do Tratado de Paz, o Tratado de Vestefália não significa qualquer perda territorial porque esta já tinha sucedido anteriormente ao Tratado. Esta nova teoria de interpretação histórica dos senhores Carlovich e Aponez, se generalizada, significaria que nunca ninguém tinha perdido território num Tratado porque o inimigo já o tinha conquistado – de facto – numa data anterior ao mesmo (mesmo que as operações militares se tivessem prolongado com conquistas e reconquistas de território durante todo o período que antecede o Tratado). Percebem o ridículo da questão?
2) Uma coisa que me “chateia” é a descrição que a historiografia espanhola faz da evolução histórica do seu próprio país. As vitórias são exaltadas incontroladamente e as derrotas – muitas – são sempre gloriosas e descritas sempre num quadro de grande inferioridade numérica. Com uma historiografia destas, não me admira que os nossos amigos espanhóis aqui presentes tenham interiorizado a ideia que estiveram quase a ganhar a Guerra dos Trinta Anos – uma grande Guerra Religiosa – sozinhos contra toda a Europa. Não estiveram sozinhos – o ramo austríaco dos Habsburgos esteve ao lado da Espanha, assim como os Príncipes Católicos do Império e o Papado, isto para não referir outros pequenos potentados europeus – e nunca tiveram possibilidades de ganhar. Outra coisa é dizer que os aliados não foram particularmente eficazes – a mesma coisa poderia dizer a Alemanha dos Italianos na Segunda Guerra Mundial – e fiéis.
3) Quanto à comparação “extraordinária” da situação geopolítica do esforço de manutenção da Flandres – que a Espanha fez durante dois séculos – com as situações de Goa ou de Gibraltar, considero-a completamente despropositada. Calcula Paul Kennedy, in Ascensão e Queda das Grandes Potências, que, “entre 1556 e 1654, a Espanha enviou pelo menos 218 milhões de Ducados para a Tesouraria Militar dos Países Baixos e recebeu, no mesmo período, 121 milhões de Ducados provenientes da América (Índias)”. Compare o esforço de Portugal em Goa ou da Grã-Bretanha em Gibraltar, para se aperceber que os exemplos que deu são totalmente desadequados, em termos de escala e de leitura geopolítica (que é, obviamente, muito mais complexa que a simples constatação de localizações geográficas periféricas)
4) Por fim, as afirmações do sierra002, são essencialmente uma tentativa, algo juvenil, deixe que lhe diga, de estabelecer um paralelismo – em jeito de vingança – entre a situação de desagregação territorial da Espanha e algumas anedotas e alucinações que encontrou na Internet. Portugal é um Estado-Nação coeso, em que não existe nenhum movimento político – com representação política nos Parlamentos nacional e insulares – ou social relevante que advogue a independência de alguma zona do seu território (não me venha com a história que não permitimos Partidos Regionais porque já os temos na prática, é o caso do açoriano PDA, que nunca conseguiu eleger um único deputado regional). O caso do Estado Espanhol é, pelo contrário, bem real. Leia o novo Estatuto da Catalunha e veja o que resta do Estado. Por todo lado da geografia do Estado espanhol existem grupos políticos, representados nos respectivos Parlamentos Regionais e até no Parlamento do Estado, que advogam explicitamente a independência política. Essas forças são mesmo maioritárias na Catalunha e em Euskadi. Se não confundir os seus desejos com a realidade, recorrendo a uma análise racional e factual, verá que a desagregação territorial da Espanha – a curto prazo – é já irreversível.