Senhores Carlovich e Menacho
A leitura história e conjuntural que faço do Estado espanhol é esta:
O Estado espanhol – na sua configuração territorial actual – resulta da unificação que os Reis Católicos (Isabel de Castela e Fernando de Aragão) realizaram dos seus reinos, a que somaram, através de conquista, os de Granada (1492) e Navarra (1512).
A união dinástica que vigorou a partir desse período não alterou, sob o ponto de vista jurídico, o estatuto específico dos diversos reinos que passaram a integrar a nova monarquia, uma vez que os mesmos mantiveram órgãos próprios de governo e sistemas fiscais específicos.
O processo centralista, exercido a partir de Castela, tornou-se mais visível a partir do século XVII devido às obrigações imperiais da dinastia reinante, os Habsburgos. Depois da exaustão fiscal de Castela, a única solução era o ataque aos privilégios fiscais dos reinos periféricos da Península.
O resultado destas políticas foi a revolta generalizada dos povos peninsulares periféricos – foi neste contexto que Portugal pôs fim à sua própria ligação, de 60 anos, com esta dinastia – e o fim da Espanha como grande potência europeia.
A ascensão dos Bourbons (século XVIII) e a acção subsequente dos Governos Liberais do século XIX, acentuaram as políticas centralistas que se consubstanciaram na perseguição às línguas e ao que restava da organização institucional destes povos.
Tirando o breve interregno da II República espanhola, só com a Constituição de 1978 é que voltaram a ser reconhecidas as especificidades das nacionalidades históricas do Estado (catalã, basca e galega). Como se sabe as outras Comunidades Autónomas resultaram da fórmula redundante de Adolfo Suárez, o célebre “ café para todos “.
A partir daí o processo histórico acelerou-se vertiginosamente. Na Europa de Leste, após a derrocada do comunismo, os nacionalismos ressurgiram e desintegraram os grandes estados plurinacionais (URSS, Checoslováquia e Jugoslávia).
Em Espanha os partidos nacionalistas tornaram-se, por força do seu crescimento eleitoral, incontornáveis nos Parlamentos e nos Governos das Comunidades Autónomas (Catalunha, Euskadi e Galiza). Exigem actualmente novos Estatutos de Autonomia que superam o marco constitucional vigente, nomeadamente no que diz respeito ao pretendido reconhecimento do seu estatuto de nações e à faculdade de exercer, no futuro, o direito à autodeterminação.
A estratégia do Governo central foi, durante o consulado de Aznar, tentar conter o dique nacionalista através da confrontação política permanente e da utilização dos recursos institucionais do Estado. Esta estratégia provocou a radicalização política dos sectores nacionalistas e estava funcionalmente esgotada.
O novo Governo socialista aplica uma estratégia diferente. Aposta tudo numa estratégia de apaziguamento com as forças nacionalistas. Promete uma segunda “Transição” que se consubstanciará, na prática, na edificação de um Estado espanhol de natureza confederal. De forma instrumental o Partido Socialista passou a integrar – na Catalunha, Galiza e no Estado – coligações com os partidos nacionalistas de esquerda tentando sobrepor, em vão, o factor ideológico ao nacionalismo.
Esta conjuntura tem muitos pontos de contacto com a estratégia tentada pelas democracias ocidentais, na década de 30 do século passado, em relação à Alemanha Nazi. Líderes fracos, governando países com opiniões públicas incapazes de aceitar os sacrifícios inerentes a estratégias de confrontação, tentaram apaziguar um adversário muito mais determinado e predisposto a correr mais riscos.
A estratégia de Zapatero apenas adiará o inevitável. Para o Governo socialista os novos Estatutos – que criarão entidades de carácter nacional quase independentes – será o esticar da corda definitivo. Para os nacionalistas esta será apenas a penúltima etapa rumo à independência.
O Estado e a sociedade espanhola estão prestes a atravessar o último Rubicão psicológico. Ao reconhecerem o carácter nacional de povos como o basco, o catalão e o galego, tornam irreversível o reconhecimento – a prazo – do direito implícito a esse estatuto: a autodeterminação.
A esta análise do processo político espanhol juntamos a convicção que estas nações – que possuem uma forte consciência nacional e uma língua e cultura próprias – têm, de facto, o direito à autodeterminação.
Defender o contrário seria renegar o nosso próprio processo histórico. A diferença está apenas no carácter vitorioso da nossa sublevação de 1640 em contraponto com o menor sucesso das inúmeras revoltas destas nações contra o poder espanhol.
Nesta perspectiva e tendo em conta este quadro de análise, defendo que Portugal deve apoiar as forças políticas “nacionalistas” no quadro peninsular.
A Península Ibérica está à beira da maior alteração geopolítica desde os Reis Católicos. Devemos fazer tudo para que Portugal esteja preparado e desempenhe o papel que lhe cabe historicamente neste processo.
Olivença faz, naturalmente, parte dos nossos interesses específicos no âmbito da desagregação territorial do Estado espanhol.
Em relação às vossas observações sobre o meu texto deixo aqui a minha opinião:
1) Que um espanhol ache mau este plano de acção sobre Olivença é, na minha perspectiva, um bom começo para o mesmo;
2) Que a “Extremadura” espanhola é uma das Comunidades Autónomas mais dependentes do apoio estatal é algo tão evidente que nem sequer merece discussão;
3) Que a Catalunha (que representa 24% do PIB espanhol) diminuirá muito significativamente o seu contributo financeiro para o Governo do Estado devido às novas disposições de carácter financeiro contempladas no novo Estatuto é algo que toda a gente em Espanha sabe;
4) A desagregação do Estado espanhol é irreversível e o último General que disse algo parecido com o que senhor disse “Desde hace 500 años que se unieron todos los reinos (menos Portugal) no se ha separado ninguno y, cuidado, que cuando alguno se quiera separar las FF.AA. (Fuerzas Armadas) actuaran según la Constitución Española y aplastaran cualquier rebelión” foi demitido e alvo de prisão domiciliária;
5) O plano não assume que os oliventinos são espanhóis, pelo contrário, para mim o território é indiscutivelmente português, assim como a sua população (a própria República Portuguesa reconhece a cidadania portuguesa a todos os oliventinos). Apesar dos massacres e do verdadeiro genocídio que a Espanha praticou em Olivença, a maior parte da população é de origem portuguesa;
6) O que defendo é uma nova abordagem para além da diplomacia. Defendo que se deve levar a luta política ao próprio território. Esclarecendo a população sobre a sua história e da sua especificidade cultural. Cada vez mais oliventinos esclarecidos sabem que a história oficial espanholista é uma farsa. Os bascos, os catalães e os galegos estão a recuperar as suas respectivas línguas e culturas (perseguidas e proibidas ao longo de cinco séculos de domínio castelhano). Em Olivença este processo é possível e deve ser urgentemente implementado;
7) Reservo um último comentário para os mil anos de guerras da Espanha e para esta afirmação: “Ningún pais con menos potencial bélico es capaz de recuperar nada de otro pais "teóricamente" más poderoso sabiendo que este último pais usará la fuerza para defenderse”. É uma afirmação tão ignorante que não deveria ser digna de atenção, mas não resisto a comentar em castelhano:
¿ Que pasa? No te enseñaron que España derrotada – te popo los pormenores y las derrotas de los Tercios – cedió, por el Tratado de los Pirineos (1659) el Rosellón y el Artois. Atacó después Portugal pero fue derrotada por “la potencia de segundo plano” ( Ameixal, Vila Viçosa, Estremoz y Montes Claros (1665), solo para citar algunas victorias portuguesas).
Cuando veo mapas históricos observo que solo una cosa no se alteró en 9 siglos en Europa: Portugal. Todo pasa – Carlos V, Napoleón, Hitler – pero nosotros estamos siempre aquí. España terminará y nosotros continuaremos en nuestro hogar de siempre.