Afinal que estratégia segue a Coreia do Norte ?Alexandre Reis RodriguesO grande desafio de uma análise da situação da Coreia do Norte é compreender que objetivo tem Pyongyang em vista com a escalada de ameaças de ataques nucleares contra os EUA e Coreia do Sul, depois de condenada mais uma vez pelas Nações Unidas pelo teste nuclear de 12 de fevereiro. Ao pôr de lado, por decisão unilateral, o Armistício de 1953 a Coreia do Norte veio dizer ao mundo que, na sua perspetiva, a zona desmilitarizada entre as duas Coreias deixava de estar em vigor e que o estado de guerra com os EUA voltava a estar ativo. Como se tudo isto não bastasse como demonstração de absoluta falta de senso comum, Kim Jong Un decidiu pôr de lado a linha telefónica vermelha com Seul, precisamente numa altura em que poderá ser mais precisa.
Não fosse o facto de o regime já ter habituado todo o mundo a uma inconcebível retórica de alternância de picos de extrema agressividade com sinais de possibilidade de entendimento, seria inevitável concluir que Pyongyang teria optado por criar um conflito aberto. Não é provável, no entanto, que a irresponsabilidade que o regime mostra pudesse levar ao extremo de arriscar um confronto para que obviamente não está preparado e cujo desfecho provável seria o aniquilamento do País.
Pyongyang tem seguido um padrão bem conhecido de comportamento, recorrendo regularmente a escaladas de agressividade para depois obter concessões em ajuda alimentar e energética, sem as quais o regime não teria sobrevivido. George Friedman identifica uma estratégia que joga habilmente com três posturas (ferocidade, fraqueza e insanidade) que, embora parcialmente contraditórias, têm objetivos precisos e, no seu conjunto, lhes têm permitido alcançar o que pretendem.
A “ferocidade” obriga os seus interlocutores a serem cautelosos e tratarem o regime com respeito e, sobretudo, de igual para igual, seja a superpotência ou o vizinho a sul. A “fraqueza” visa deixar transparecer alguns sinais de que afinal poderão não ter todas as capacidades para serem consequentes nas suas ameaças. Deixam o adversário na dúvida sobre até que ponto estão a ser sérios. Trocam alguma credibilidade por uma margem maior de segurança em não provocar reações. A insanidade das suas atitudes serve bem a imprevisibilidade. Deixa os interlocutores sem saber com que podem contar e sobre o que virá a seguir. Ninguém sabe se é exatamente nestes termos que concebem a sua estratégia mas, na prática, é o que tem acontecido.
Desta vez, porém, Kim Jong Un está a levar esta estratégia a níveis que ultrapassam o habitual. E Friedman interroga-se sobre se desta vez, ao contrário do passado, não quererá mesmo um conflito. Ninguém sabe ao certo, mas agora que a China mostra querer ser mais parcimoniosa no espaço de manobra que tem dado a Pyongyang a hipótese ainda é mais remota. Pequim há anos que procura deixar sinais de que não se envolveria numa guerra entre as Coreias; numa situação extrema, o que geralmente se admite que venha a fazer, é ocupar a Coreia do Norte para não deixar o conflito prosseguir. Também não é difícil prever o enorme impacto que um conflito teria na economia da região, a última coisa que a China quereria ver acontecer. Pequim não vai deixar cair o regime amigo da Coreia do Norte mas é preciso ter presente que desta vez não teve dúvidas em tornar clara a sua oposição ao teste nuclear de 12 de fevereiro, e, nessa base, deixar passar a Resolução do Conselho de Segurança.
Pyongyang sabe que não tem a sua retaguarda protegida pela China mas, apesar disso, vai prosseguir com uma estratégia de risco, escalando a conflitualidade prática com o seu vizinho a sul e a agressividade retórica com os EUA. Com a Coreia do Sul vai usar sobretudo os diferendos que mantém sobre a delimitação das fronteiras marítimas, ao longo da Northern Limit Line, para provocar novas escaramuças. Mas o seu objetivo final, ao contrário do que seria normal deduzir destas circunstâncias, não é a guerra. Aliás é por isso que se calcula que vai insistir no teatro marítimo para novos conflitos com Seul; nesse ambiente o perigo de degeneração para um conflito aberto será menor do que sobre terra.
O objetivo final é mais uma vez elevar o nível de tensão para depois negociar. No entanto, - dizem os observadores da situação na região - o que poderá ser diferente do passado é que, desta vez, não pretenderão apenas obter a habitual ajuda. Já constataram, na prática, que o recurso a atividades ilícitas de emissão de moeda falsa, tráfego de drogas e proliferação proibida de armamento não são alternativas para um mínimo de economia, particularmente agora que as sanções do Conselho de Segurança estão dirigidas para esse campo.
Terão concluído que a economia de que o regime precisa para sobreviver nunca será possível sem uma reestruturação do relacionamento internacional, isto é, sem alguma abertura ao exterior e, finalmente, um Acordo de Paz que encerre o “capítulo” ainda em aberto da Guerra da Coreia. Parece incongruente com a rejeição unilateral do Armistício, mas este, como se disse acima, deve ser interpretado, como pressão para negociar, que é o que a China também pretende, de preferência através de uma solução regional em que tenha um papel decisivo.
O que Pequim quer, sobretudo, evitar é que os EUA tenham pretextos paraaumentar a sua presença militar na área, como é o caso da realização de exercícios navais com a Coreia do Sul que incluíram meios com armas nucleares (submarinos e bombardeiros nucleares, B-52) e as intenções de reforçar a defesa antimíssil com mais intercetores e um novo radar de aviso antecipado a instalar no Japão. Obviamente, no curto prazo, a Coreia do Norte, não está a contribuir para esse objetivo, mas, a confirmarem-se as análises atrás resumidas, talvez o conflito se possa encaminhar para uma situação menos preocupante. Não se esperem, porém, progressos espetaculares; o regime poderá, finalmente, abrir um pouco mas nunca ao ponto de ficar livre de um estreito controlo central.
Jornal Defesa