Diretor da Biblioteca Nacional rejeita ser "cúmplice" de Passos CoelhoPaulo Alexandre Amaral, RTP 19 Set, 2012, 10:28 / atualizado em 19 Set, 2012, 11:20
Depois de Maria Teresa Horta ter esta terça-feira recusado receber um prémio literário das mãos do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, sabe-se, menos de 24 horas depois, do teor da carta de demissão do diretor da Biblioteca Nacional de Portugal, Pedro Dias. Na missiva enviada a 11 de setembro ao gabinete do secretário de Estado da Cultura, explicando que
terminou uma ligação de quatro décadas com o PSD por ter deixado de se rever neste partido, Pedro Dias sublinha que estar “completamente contra a política” de um Governo ao qual não reconhece legitimidade para se manter em funções depois de “ter renegado todas as promessas feitas ao eleitorado” e do qual não aceita “ser cúmplice”.Pedro Dias, investigador e professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, terá sido uma das primeiras nomeações do Executivo de Passos, logo a 30 de Junho de 2011, escassas semanas após a vitória eleitoral do PSD nas legislativas do dia 5. Na altura, o secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas Francisco afirmava numa nota à Agência Lusa “a confiança na vasta experiência curricular e na grande capacidade de trabalho” de Pedro Dias.
De acordo com o diretor da BNP, menos de seis meses depois era para ele claro o desconforto com as políticas do Governo que o nomeara para a direção da instituição. A renúncia ao lugar foi formalizada em Dezembro, ao que se seguiram “sucessivos adiamentos”.
São pormenores que emergem num contexto de forte contestação à governação de Pedro Passos Coelho, depois de meio milhão de portugueses terem tomado a rua para dizer “Basta!” e em vésperas de o Presidente Cavaco Silva reunir um Conselho de Estado onde deverá comparecer o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, para explicar o último capítulo da austeridade.
Na carta enviada a Rui Pereira, chefe de gabinete do secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, o diretor da BPN sublinhou o desconforto pela situação: “Não só não me revejo na política do Senhor Primeiro Ministro, como estou completamente contra ela, e não reconheço legitimidade ao Governo para se manter em funções, por ter renegado todas as promessas feitas ao eleitorado, e que constituem a base da sua legitimidade democrática”.
“É assim absolutamente inaceitável ser cúmplice destas acções, enquanto Director-Geral, participando na delapidação de Portugal e dos seus recursos, em benefícios de grupos económicos, com o esmagamento das classes trabalhadoras e do domínio, no campo político, da Maçonaria, entidade que sempre combati. Já me desvinculei do PSD, de que já não sou militante, e não desejo voltar a ter qualquer colaboração com esta instituição, que nada tem a ver com a que, a partir de Maio de 1974, ajudei a desenvolver e a afirmar-se”, explica Pedro Dias.
Entretanto, sem comentários da Secretaria de Estado de Francisco José Viegas à justificativa desenvolvida por Pedro Dias, o diretor-geral da BNP foi substituído no cargo a 14 de setembro pela subdiretora da instituição, Maria Inês Cordeiro.
O caso ganha outros contornos face à contestação que o Executivo de Passos Coelho vem sendo alvo, com vozes dissonantes dentro dos próprios partidos da coligação, PSD e CDS-PP, a manifestar afastamento das opções governativas da equipa do primeiro-ministro. Paulo Portas, líder dos democratas-cristãos e ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros provocou nova ruptura interna na Maioria ao desmentir no passado fim-de-semana declarações de Passos Coelho relativamente à posição assumida nas alterações a introduzir na TSU (Taxa Social Única).
É assim que, em vésperas da reunião do Conselho de Estado convocado pelo Presidente da República, este episódio surge como mais um nos últimos ataques à credibilidade do Governo. Ontem, Maria Teresa Horta, escritora e poetisa com história no movimento ativista, fazia saber que não estaria presente no final da semana na cerimónia que lhe atribuiria o Prémio D. Dinis pela obra “As Luzes de Leonor”. A razão invocada:
não poderia receber o prémio das mãos de um primeiro-ministro “empenhado em destruir o nosso país”.“Na realidade eu não poderia, com coerência, ficar bem comigo mesma, receber um prémio literário que me honra tanto, cujo júri é formado por poetas, os meus pares mais próximos - pois sou sobretudo uma poetisa, e que me honra imenso -, ir receber esse prémio das mãos de uma pessoa que está empenhada em destruir o nosso país”, explicou, para esclarecer: “Não recuso o prémio que me enche de orgulho e satisfação, recuso recebê-lo das mãos do primeiro-ministro”.
Numa declaração registada pela Lusa, Maria Teresa Horta vê que “o primeiro-ministro está determinado a destruir tudo aquilo que conquistámos com o 25 de Abril e as grandes vítimas têm sido até agora os trabalhadores, os assalariados, a juventude que ele manda emigrar calmamente, como se isso fosse natural”.
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