60% dos novos portugueses vivem fora do país, israelitas lideram aquisição de nacionalidadeIsraelitas concentram 40% das nacionalidades adquiridas em 2023, seguidos dos brasileiros com 23,5%. Imigrantes a residir em Portugal, há pelo menos seis anos, representaram apenas um quarto da população a quem o Estado autorizou a aquisição do passaporte portuguêsproposta do Governo de alteração à Lei da Nacionalidade tem 60 páginas, a maioria a justificar as restrições que tenciona introduzir. Lá se defende que as revisões legais anteriores, levadas a cabo pelo PS, provocaram “um efeito absolutamente desestruturante das já muito frágeis políticas de imigração” e agravaram “um efeito de chamada” para território nacional, ao disseminar externamente a ideia de que a nacionalidade portuguesa é fácil de obter, “fazendo de Portugal um ponto de passagem” para a Europa.
O discurso centra-se nas consequências para o país, mas os últimos números disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos aos cidadãos estrangeiros que adquiriram a nacionalidade mostram que, na verdade, 60% deles vivem fora de Portugal.
Em 2023, últimos dados disponíveis, 41.393 estrangeiros receberam passaporte português e, desses, 24.408 residiam lá fora. Percebe-se o peso dos descendentes de judeus sefarditas entre o total de ‘novos portugueses’, quando os israelitas foram a nacionalidade com mais aquisições: 16.377, o que corresponde a 40% do total. Nos últimos cinco anos, foram 73.449.
Seguiram-se, a grande distância, brasileiros (23,5%), cabo-verdianos (4,3%) e ucranianos (3,5%). A nova comunidade do subcontinente asiático que inclui Bangladeche, Nepal, Índia e Paquistão, ainda é uma minoria estatística de 7% (2795).
No total das aquisições de nacionalidade, apenas um quarto (10.934) foi concedida a imigrantes a residir em Portugal há pelo menos seis anos – aqueles que seriam afetados pela mudança da lei tal como o Governo propõe. Foi o número mais baixo dos últimos 15 anos, período até onde recuam os dados do INE. Entre estes novos naturalizados a viver em Portugal, 30% (3303) são de países de língua portuguesa, com destaque para o Brasil e Cabo Verde. No top 5 está também a Ucrânia e o Nepal.
Desde 2021 que há mais aquisições de nacionalidade de pessoas a viver no estrangeiro do que em Portugal, mas a tendência poderá alterar-se se avançar a revogação da naturalização dos descendentes de sefarditas, prevista na proposta do Governo.
A possibilidade de concessão da nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas, expulsos de Portugal no século XV, foi aprovada por unanimidade no Parlamento em 2013, durante o Governo de Passos Coelho, e justificada enquanto “reparação histórica” pela perseguição e violência de que, à época, foram alvo. Mas, nos últimos anos, este regime tem estado envolto em polémica por suspeitas de ser usado de forma fraudulenta por pessoas sem ligação, mesmo que ancestral, a Portugal, como é o caso do magnata Roman Abramovich.

“A questão dos judeus sefarditas gerou muitos casos duvidosos e mal explicados, o que ajudou a criar a ideia de que qualquer um podia ‘comprar’ a nacionalidade portuguesa. Foi isso que lhe degradou a imagem”, considera Isabel Estrada Carvalhais, professora da Universidade do Minho e especialista em políticas de cidadania e nacionalidade.
O Governo, porém, não se limitou a alterar este regime, antes anunciando mudanças profundas na lei da nacionalidade, como a duplicação — de cinco para dez anos — do tempo mínimo de residência legal em Portugal necessário para um imigrante poder fazer o pedido (são sete para os lusófonos). A mudança “coloca Portugal entre os países com as leis mais restritivas da Europa”, diz a especialista. Dos 27 Estados-membros da União Europeia, só seis (Espanha, Itália, Áustria, Eslovénia, Letónia e Lituânia) estabelecem os dez anos como requisito. Na Alemanha, por exemplo, são oito anos e cinco em França, Bélgica, Irlanda, Chéquia, Luxemburgo ou Países Baixos.
Ainda assim, o debate sobre a restrição do acesso à nacionalidade por via da naturalização está na ordem do dia um pouco por toda a Europa. Recentemente, a Finlândia aumentou o tempo mínimo de cinco para oito anos e o mesmo está em discussão na Suécia. “Nesta matéria, o Governo português está a seguir o ar dos tempos, dominado por narrativas nacionalistas e de extrema-direita que criam desconfiança, encarando o imigrante como uma ameaça. Com medo de perderem eleitorado, os Governos de centro-direita e até de centro-esquerda estão a fazer uma colagem a estas narrativas, validando-as e ajudando a enraizá-las cada vez mais na população”, critica Isabel Carvalhais.
A avaliar pedidos de 2021
O número de aquisições de nacionalidade atingiu um pico em 2020, com quase 60 mil pedidos concedidos. E desde então tem vindo sempre a decrescer, com uma diminuição de 45% até 2023. Mas a quebra não foi suficiente para agilizar a decisão destes casos nas conservatórias do Instituto do Registo e do Notariado (IRN), onde estão neste momento pendentes 700 mil processos.
São 700 mil os pedidos pendentes no Instituto de Registos. Estrangeiros esperam quatro anos por uma decisão
“Houve uma diminuição de recursos humanos, com a saída de técnicos e conservadores que não foram substituídos. E foi assim que chegámos a mais de 700 mil pedidos em atraso, ainda por analisar, que crescem todos os dias”, denuncia Arménio Maximino, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos de Notariado (STRN), detalhando que meio milhão se encontram nos Registos Centrais, em Lisboa, 140 mil no Arquivo Central do Porto e os restantes espalhados por outros balcões.
O valor ultrapassa as famosas pendências da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que acumulou 400 mil pedidos de autorização de residência e obrigou à criação de uma estrutura de missão externa para os resolver.
Tal como nas atribuições, também a maioria dos pedidos pendentes de nacionalidade não pertence a cidadãos estrangeiros a residir em território nacional. Sem ter números exatos, “porque a tutela não os divulga”, o dirigente sindical garante que cerca de 30% dos casos a aguardar resposta dizem respeito a descendentes de sefarditas, 40% partem de lusodescendentes e só os restantes 30% têm origem em imigrantes a residir em Portugal.
Atualmente, as conservatórias estão a analisar pedidos de 2021 — desde então receberam uma média de 130 a 140 mil por ano —, o que significa que um requerente pode ficar até quatro anos à espera de uma decisão. “Os atrasos estão a crescer porque, desde que anunciou que as regras iam ficar mais apertadas, a procura disparou. E isso viu-se na indignidade que foi ter pessoas a pernoitar à porta das conservatórias, desesperadas para serem atendidas. Os processos chegam também por via digital e por correio. E não param”, explica Arménio Maximino.
E tal como acontece com a AIMA, também aqui os atrasos estão a levar os requerentes a recorrer à Justiça, com a instauração nos tribunais de intimações contra o IRN, para forçar uma resposta. De acordo com o Portal Citius, desde o início do ano já foram registadas 716 ações.
Com Raquel Albuquerque
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