Para informação:
"Naquele dia 2 de Agosto de 1996, o pequeno cão não parava de ladrar. Os dois Vigilantes da Natureza perceberam logo que se passava qualquer coisa de anormal e saíram da casa para ver o que se passava.
-Devem ser os caças espanhóis outra vez - disse um, enquanto o ruído de fundo se tornava cada vez mais perceptível.
-Não, não -disse o colega- isto é som de motor de helicóptero.
De facto, pouco depois, um Puma AS-330 da força aérea espanhola tentava aterrar na Selvagem Grande, cometendo assim uma dupla infracção: não só violava o espaço aéreo português, como também sobrevoava a menos de 200 metros uma Reserva Natural, o que é proibido.
Ainda lhes ocorreu poder tratar-se de uma emergência, mas pelo comportamento do Puma, nas suas ousadas evoluções sobre o terreno, percebia-se não ser esse o caso. Gesticularam um protesto, mas o aparelho espanhol, ignorando-os, foi tentar aterrar no planalto Norte.
Olharam ambos para os mastros sobre a casa, confirmando que as bandeiras, a de Portugal e a da Região Autónoma se mantinham hasteadas. Depois um deles dirigiu-se à furna onde está o rádio, para contactar a capitania do Funchal. O outro subiu o carreiro até ao planalto, e seguindo com os binóculos o voo do helicóptero, tomou o caminho da cisterna velha. O Puma demorou-se pouco tempo. Simulou a aterragem e, muito antes do Vigilante da Natureza chegar, já se erguia novamente no ar, de regresso provavelmente à base de Gando, na Grande Canária. Nessa noite, os calcamares e as cagarras dormiram muito mal."
"O episódio do helicóptero foi apenas mais um de uma longa série. A originalidade desta vez foi o uso do helicóptero e o assombroso descaramento espanhol. De facto, cerca de quatro meses antes, em 8 de Abril de 96, o arquipélago já tinha sido sobrevoado por aviões militares de origem não-portuguesa. Pela silhueta seriam F-18. Situação essa que se voltou a repetir em 18 de Outubro de 96, desta vez testemunhados pelas câmaras da RTP que ali se encontrava a efectuar uma reportagem para o programa Bombordo. Eram 10h da manhã e dois caças passaram no sentido Sul/Norte voltando novamente a passar mais tarde, agora no sentido Norte/Sul.
Foi nesse regresso que foram filmados, tendo presumivelmente sobrevoado a Selvagem Pequena. Poucos dias depois, a Fragata "Meko" Corte-Real, no seu regresso de Angola, desviou a sua rota, passando pelas Selvagens "para mostrar a bandeira".
No seguimento destes episódios, o Ministério dos Negócios Estrangeiros protestou junto do governo espanhol, que não se dignou responder. No ano seguinte, em 97, no Dia da Região, a Comissão Parlamentar de Defesa, em peso, deslocou-se às Selvagens para verificar a soberania portuguesa. Se existe relatório seu, não lhe consegui pôr a vista em cima.
Aparentemente, a causa disto tudo virá de um acordo estabelecido em 1985 pelo Governo do Bloco Central, no âmbito da XXI Conferência dos Estados-Maiores Peninsulares, texto esse ao qual também não consegui aceder.
Mas o silêncio espanhol, obrigou António Vitorino, então ministro da Defesa, a exigir novo acordo, que condicionasse os «passeios» à autorização prévia do Governo português. O documento foi assinado em Maio de 97, mas dois meses depois os sobrevoos repetiram-se. Em 1 de Agosto de 97, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, emitiu nova «nota verbal», insurgindo-se contra as manobras militares. Sem resultado. Em 24 de Setembro os voos rasantes foram realizados de novo.
Chamado ao MNE, o embaixador Raul Morodo disse desconhecer o caso e apresentou desculpas formais. Quem não se explicou foi o adido aeronáutico da embaixada, que tinha sido advertido e não preveniu a repetição dos incidentes.
Estes são os casos dos sobrevoos. Mas quanto às águas, há registos de várias apreensões de navios pesqueiros espanhóis desde pelo menos 72. Há ainda o relato de que em 75, porventura aproveitando a turbulência política em Portugal, espanhóis das Canárias terem chegado a desembarcar na Selvagem Grande e a hastear a bandeira espanhola. Dir-se-ia que de vez em quando a costela imperialista espanhola sai da naftalina para arejar. Era bom que Madrid compreendesse que a nossa pequenez militar e política não tem que tolerar violações do nosso espaço aéreo nem pesca ilegal. Era bom que Portugal também não confundisse diplomacia e bons modos com humilhação e subserviência."
http://insoniasoniricas.net/selvagens.htm