O empresário Patrick Monteiro de Barros pode ficar conhecido na História de Portugal como 'o homem do nuclear'. Pegou na ideia há 22 meses, apresentou-a à sociedade civil e levou-a a todos os partidos políticos.
Quer construir uma ou duas centrais, sem pedir um tostão de subsídio. Em breve, entregará ao Governo um dossier completo do projecto. Garante que é a fonte de energia mais barata, limpa e segura que existe e diz-se disposto a lutar até ao fim. Mas não diz se vai lançar uma OPA sobre a PT.
- Acredita mesmo que Portugal vai produzir energia nuclear?
- Não tenho a mínima dúvida.
- Há muito que se fala nisso...
- É um tema que foi abordado há trinta anos, mas acabou por ser enterrado. Nessa altura, o petróleo era barato e não havia as preocupações que há hoje. O que se passa é que nos últimos anos houve uma evolução muito importante nos preços, tanto do petróleo como do gás natural, que subiram e vão continuar a subir. E, depois, há a questão do protocolo de Quioto.
Uma vitória muito grande dos ambientalistas, que apoio totalmente, embora tenha uma gravíssima lacuna: os Estados Unidos ainda não o assinaram, tal como a China e a Índia, que têm grande responsabilidade nas emissões. Quioto só será realmente válido quando esses três países assinarem.
- Com essas alterações, a questão do nuclear voltou à ordem do dia.
- E pela minha mão! Reivindico ter sido, indiscutivelmente, o primeiro em Portugal a colocar o tema na agenda, quando, há 22 meses, dei uma conferência em que disse: Portugal está numa encruzilhada energética e a única solução é o nuclear.
Chamaram-me todos os nomes, mas quando olho para as sondagens recentemente publicadas verifico que a maioria dos portugueses estão de acordo com as minhas ideias.
- E propõe logo a construção de duas centrais nucleares...
- Não. Proponho uma. Os estudos que temos é que demonstram que ficaríamos melhor servidos com duas. Porquê? Porque somos o único país da Europa que tem urânio. Temos a matéria-prima. Hoje está provado que a energia nuclear é a mais barata de todas. De longe.
Sem contar com as penalidades de Quioto. E estamos a falar de diferenças substanciais. Um megawatt nuclear sai, mais ou menos, a 25 euros; o gás natural anda acima dos 45 e nas eólicas estão a pedir 85/90 euros. Não sou contra as eólicas. Nem contra as energias renováveis. Só que são caríssimas.
Se baseamos toda a nossa política energética nas renováveis, vamos ter a energia mais cara da Europa. E se temos a energia mais cara da Europa, seremos os menos competitivos.
- Já pensou onde é que essas centrais ficariam instaladas?
- Fez-se do nuclear um papão e há uma certa apreensão por parte das populações. É preciso informar as pessoas. Veja o que se passa em França: no vale do Loire, que recebe milhões de turistas, estão lá seis reactores. Aliás, temos dois reactores em cima da nossa fronteira.
Temos referenciados vários locais onde poderiam ser construídas, mas não temos o direito de começar a lançar nomes para a praça pública, porque a decisão final terá de ser acordada e discutida com o Governo.
- Que desvantagem vê na energia nuclear?
- Eu não vejo nenhuma. Só vantagens. É mais barata, completamente limpa e totalmente segura.
- A questão da segurança é a que causa maiores receios.
- Mas não tenha dúvidas: é a fonte de energia mais segura que há. Não houve, até hoje, no Ocidente, uma vítima mortal que fosse por causa de um acidente nuclear. Os opositores dizem: e se houver um ataque terrorista? E se o Osama bin Laden 'atirar' um avião para cima da central, o que é que acontece? Para já, a carapaça daquilo é enorme. Depois, fizeram-se grandes progressos. Os reactores da nova geração são muito mais seguros.
- Não teme entrar no tipo de discussão a que assistimos noutras áreas (regionalização, aborto, etc) em que se grita muito, debate-se pouco e nada se informa?
- Obviamente que é fundamental informar as pessoas e a Comunicação Social aqui tem um papel relevante. É importante mostrar que existe energia nuclear, que existe em todo o Mundo, que é perfeitamente segura, que está perfeitamente dominada e controlada, e que até os resíduos são perfeitamente tratados, sem o mínimo risco.
Quando se vê um país como a Finlândia, que já tinha reactores, a lançar-se numa nova construção de reactores, isto quer dizer alguma coisa. É dos Estados mais avançados e produtivos do mundo. Estamos a falar de um país com uma tradição ecológica comprovada. Não vamos ser mais papistas que o papa. Temos que ser coerentes.
Há certas pessoas que, ou por interesse ou por ‘lobbie’, são contra e utilizam todo e qualquer argumento, mas que não são válidos. Como este, por exemplo: o reactor que o senhor Monteiro de Barros quer trazer é um protótipo. Não há protótipos em nuclear.
Há uma evolução constante. Quem diz isso é complemente estúpido. Se há um protótipo, ele está na Finlândia. E, a seguir à Finlândia, a França vai construir um igual. No caso de Portugal seguir essa tecnologia, já seríamos o terceiro país. Quando as pessoas querem ser contra, vão buscar qualquer tipo de argumento.
- Com duas centrais, em que percentagem diminuia a nossa dependência do petróleo?
- Hoje, uma coisa não substitui a outra. Mas é hoje. E é aqui que há uma grande falta de visão. As pessoas que apontam esse argumento dizem assim: a energia nuclear só resolve uma pequena parte do problema.
Esse raciocínio, a meu ver, não está correcto. O problema é o seguinte: o novo plano energético prevê a construção de oito centrais de ciclo combinado a gás. Mais ou menos 400 megawatts cada. Uma nuclear são 1600.
Não seria mais lógico construir uma nuclear em vez de quatro a gás? Não teríamos as emissões, o custo era inferior e a balança de pagamentos não é afectada. Porque o gás natural é preciso importá-lo. E não é barato. Vai acompanhando os preços do petróleo.
Poderíamos dar ao nuclear uma participação na produção de electricidade maior. Mas não só: um dos problemas das emissões são, obviamente, os transportes públicos. Temos aí uma grande dependência. O uso da viatura própria é muito grande, porque os transportes públicos são péssimos.
O que é que acontece: vai haver uma evolução tecnológica do transporte e, vá por onde a gente for, com os carros eléctricos precisamos de electricidade. Vamos assistir a uma substituição e, em termos energéticos, a chave será o hidrogénio.
Ora, para fazer hidrogénio é preciso energia. Não podemos ficar fixados sobre a situação de hoje, temos que avaliar o que se vai passar nos próximos 10 a 15 anos. Nós, sistematicamente, temos andado atrás da moda em termos de energia.
Há trinta e tal anos, fomos para o carvão, quando já se estava a evoluir para o gás natural. Agora é o gás natural, numa altura em que a Europa reabre o dossier nuclear. Não temos alternativa. Eu não sou contra as renováveis, mas não resolvem o problema e o nuclear, por ser mais barato, pode contribuir para baixar a média do custo das renováveis.
- Podem constituir, contudo, um complemento.
- Podem e devem. Repare no seguinte: se formos, como é intenção do Governo, desenvolver fortemente a eólica, é preciso não esquecer uma coisa. A eólica só consegue utilizar 30 a 40 por cento da capacidade instalada. Ou seja, instala não sei quantos megawatts, mas só um terço é aproveitado. E quando, às vezes, têm a mais, outras não têm nada.
Precisa de 'back up', senão não há electricidade em casa. Se o nuclear for muito mais barato que a eólica, baixa o custo. De um lado tem 30 do outro tem noventa, faz a média. Aí são complementares. Dizer: eu só vou apostar nas renováveis... bom, para quem quiser construir fábricas e geradores acho muito bem. Mas não me parece ser a solução.
- Que receptividade acha que vai encontrar junto deste Governo para avançar com o projecto? É um governo de esquerda, são mais sensíveis às questões ambientais...
- O primeiro-ministro é uma pessoa que já vem do Ambiente. Tem conhecimentos sobre a matéria. Desde que, há 22 meses, lancei a ideia, pelo menos tenho uma certa satisfação de ver o que se passou ao longo deste tempo. Vejo, em Inglaterra, a reabertura do dossier nuclear; vejo, ao nível da União Europeia, uma recomendação para que se abra o dossier.
A recomendação é ténue, porque a presidência é austríaca e a Áustria é anti-nuclear. Mas todos os chefes de Estado europeus concordam que é preciso abrir o dossier. Na reunião de Julho do G8, vai haver um papel sobre a necessidade de repensar o nuclear. E, em Portugal, também houve uma evolução: primeiro, o Governo diz “isto não está no programa.”
Não está, mas pode vir a estar. Acho que dei um grande contributo ao ter lançado esta ideia e obviamente que quero fazer o projecto. A conferência que houve, o mês passado, na FIL, é um exemplo desse avanço. Foi um debate aceso, onde houve lugar para defensores e opositores e em que participaram centenas e centenas de pessoas com responsabilidades na vida económica, social e política do país.
É evidente que o Governo tem de ponderar muito bem. A opção tem uma conotação política. Tomei a iniciativa de apresentar o projecto a todos os partidos políticos. Todos. Até o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista: "Meus senhores, está aqui isto." Não sei se os convenci, mas todos ouviram com muita atenção.
- Estas questões, normalmente, dividem a sociedade e não seria de estranhar o recurso ao referendo...
- Não gostaria de me pronunciar sobre isso. Essa decisão compete ao Governo. Estamos numa democracia, temos um Governo que foi eleito e é ele que deverá decidir da bondade ou não da construção de uma ou várias centrais.
- Já foi a todos os partidos, qual é o passo seguinte?
- Continuamos a trabalhar o dossier e pensamos, dentro de uns meses, levar o assunto formalmente ao Governo. Não vamos desistir até que nos digam: "Meus amigos, esqueçam. Não há." Até agora nunca nos disseram isso.
Tivemos o cuidado de não acelerar a acção nos períodos eleitorais, quer das autárquicas quer das presidenciais, para evitar que um assunto macroeconómico se tornasse um assunto politiqueiro. Mas chamo a atenção para o facto de todos os candidatos, de uma maneira ou de outra, terem abordado o tema.
O próprio Presidente falou, dizendo qualquer coisa como isto: "Eu há 20 anos seria contra, hoje temos de estudar."
- Enfim, vão-se abrindo as portas.
Há aqui uma coisa que me parece importante. O que me faz pena, em relação ao país, é que vivemos um pouco num complexo de inferioridade económica. Pecamos pela falta de dizer: 'Eu vou para a frente. Vou avançar. Vou ser o melhor.' Este país precisa de exportar.
Não podemos continuar a viver da maneira que vivemos. A nossa balança comercial é um desastre. E quando a balança comercial se deteriora e a das contas correntes está a começar a ter problemas, tudo se deteriora. O ranking do país deteriora-se. Hoje devemos dinheiro a toda a gente. O euro camufla um bocado esta realidade, mas a verdade é esta. Ora, se temos a matéria prima, por que não construir duas centrais, em que passemos a ser exportadores de energia para Espanha?
A Europa volta a falar na necessidade de tornar a rede europeia integrada. Repare: não quer dizer que todos os megawatts produzidos venham para Lisboa. Até podem ir para Madrid. Uma espanhola vende para Lisboa e nós vendemos para lá. Se quisermos cumprir com Quioto, sem pagar penalidades astronómicas, o nuclear é a única solução. É inevitável.
- Está pronto para avançar já amanhã?
- Absolutamente. Não temos qualquer problema. Li uma entrevista dada pelo engenheiro Mira Amaral, ao ‘Independente’, e deu-me vontade de rir. Dá a entender que sou apenas um intermediário dos franceses da Areva (fabricante do reactor) para fazer um negócio quase de comissão. Sugere que estou a fazer um interface. Nada mais falso.
Quando lançámos a ideia, verificámos que havia duas tecnologias. A americana e a francesa. Achamos que a francesa é melhor, embora a americana seja mais barata. Simples. Se for preciso, amanhã este projecto está feito. Sem pedir um tostão ao Estado e sem pedir um tostão de subsídio. Um tostão que seja.
Isto é que incomoda. Perguntam: quanto é que vão vender? Na hora em que estiver pronta vendemos os quilowatts para o mercado. Isto é que é economia. Sejamos pragmáticos. O País precisa de ser competitivo.
Se construirmos duas centrais, por exemplo, podemo-nos tornar um grande exportador para o mercado ibérico e até mais.
- É a tal visão pequena que os portugueses ainda têm...
- Pecamos por isso. Se amanhã nos derem a licença assinamos contrato daqui a um mês. Já temos as fontes de financiamento. Não garantidas, obviamente porque não tenho o dossier concluído com o Governo, mas só apalavradas.
- A dependência do mundo ocidental do petróleo continua a ser imensa. Isto é algo que, também a nível internacional, terá de ser repensado.
- E é um problema que se vai agravar. Não acredito que o petróleo esteja a acabar, mas uma coisa é certa: no panorama actual, dois terços das reservas estão no Golfo. Há umas perspectivas muito boas nas antigas repúblicas soviéticas, como o Cazaquistão. Mas é no Golfo que se encontram as grandes reservas.
É uma zona que está a atravessar um período muito difícil e, infelizmente, as perspectivas não são muito boas. Mas, mesmo partindo do princípio que não há dramas sérios – guerras, confusões – vamos depender dessa área em termos de petróleo. E o gás natural, por coincidência, também vem de países algo instáveis, como a Nigéria.
Isso só mostra a necessidade de diversificar as nossas fontes. Agora, estamos num beco sem saída. Se quisermos cumprir com Quioto, o carvão está fora, o gás natural é caríssimo, porque tem as penalidades de Quioto... o que é que nos resta? As renováveis podem aliviar, mas não chega. Só resta o nuclear.
Por alguma razão os chineses estão a negociar a construção de trinta reactores.
- Há alguma perspectiva do número de empregos que uma central nuclear geraria?
- Três a quatro centenas de técnicos. São empregos de grande qualidade.
- E há essa qualidade ou teríamos de importar recursos humanos?
- Temos, ao nível das universidades, candidatos potenciais muito bons e um óptimo ensino em termos de engenharia química. A nossa ideia era fazer um acordo com os finlandeses, talvez uma participação, em duas vertentes: primeiro, construir exactamente igual ao que eles estão a fazer agora.
Segundo, estabelecer um acordo de formação de quadros que nos permitisse irem para a Finlândia, começarem a trabalhar, a aprender, de modo a que quando a central arrancasse já teríamos quadros portugueses com experiência.
- Enquanto o nuclear não avança, tem outros projectos em mãos. A instalação de uma refinaria em Sines é o mais importante. Como está o processo?
- Temos boas respostas de sociedades de capitais de risco e de investidores institucionais. Neste momento, estamos a abrir aos investidores portugueses. Não queremos que o projecto seja 100 por cento estrangeiro.
Queremos dar oportunidade a institucionais portugueses de investirem nisto. Acho que é um bom investimento, vai ser o maior investimento em Portugal nos últimos anos. No aspecto económico e financeiro não temos grandes problemas. Estamos na parte final do licenciamento.
O plano que propusémos ao Governo está a ser cumprido à risca. Há uma pequena alteração de procedimentos, mas pensamos que vai correr tudo bem. Há uma data limite (30 de Maio), porque temos de assumir compromissos noutro lado. Falta iniciar o acerto das condições, o acesso aos fundos estruturais, mas estamos com grandes esperanças.
- Energia nuclear, petróleo... também não há muito mais onde fazer grandes investimentos.
- O turismo tem um grande potencial. Veja o Alqueva. É o maior lago artificial da Europa. Há mais no turismo do que praia e sol. Temos de jogar no potencial turístico de qualidade média-superior.
- E além do turismo...
- As possibilidades de investimento em grandes projectos são limitadas pela nossa escala, pelo nosso mercado e, às vezes, pela nossa localização. Não temos matérias-primas e a nossa mão-de-obra já é relativamente cara. Nos têxteis e no calçado estamos condenados pela concorrência chinesa. E não vai ficar pelo calçado e pelo têxtil.
A notícia mais interessante nestes últimos tempos é a de que a Airbus vai começar a construir aviões na China. E na imprensa chinesa vem escrito um dado relevante: uma parte importante dos componentes serão chineses. Nós temos vindo a perder certas coisas.
Tínhamos uma frota mercante, desapareceu. Tínhamos estaleiros de reparação naval, desapareceram. Pouco a pouco estamos a perder a nossa indústria. É preciso urgentemente encontrar algo mais.
- Em que está a pensar?
- Temos de apostar em duas coisas: o ensino e a tecnologia. Este Governo tem feito um grande esforço nesse aspecto, nomeadamente o chamado plano tecnológico. Temos que produzir gente com qualidade. Fico satisfeito ao ver que este Governo pôs o dedo na ferida.
O País pode ter nada, mas se tiver gente de qualidade 'safa-se'. As ideias surgem, os projectos aparecem. A produzirmos pessoas que não estão preparadas, que têm diplomas que não servem de nada, é que não vamos lá!