A Líbia, três meses depois Alexandre Reis Rodrigues Dentro de dias, completam-se três meses sobre o início da intervenção da NATO na Líbia (Operação Unified Protector); tendo em conta a recente decisão de estender a intervenção até ao final de Setembro a Aliança tem pouco mais de outros três meses para resolver a situação (até ao final de Setembro).
O registo histórico de intervenções baseadas apenas no poder aéreo não nos permite ser optimista. Na II Guerra Mundial, a única intervenção aérea que sozinha conseguiu alterar o rumo dos acontecimentos, pondo fim à guerra, foi a do lançamento da bomba atómica no Japão, que levou directamente à sua rendição. Em todas as outras situações, só a subsequente intervenção de tropas no terreno, conseguiu a rendição.
Há, porém, uma excepção, um exemplo de sucesso, no passado recente: o caso de Kosovo, resolvido ao fim de 11 semanas de campanha aérea, incluindo cerca de 10.500 missões e o lançamento de 12.000 toneladas de bombas. A actual intervenção da NATO vai, aproximadamente, pelo mesmo número de missões (10.000 a 13 de Junho), decorrido um período de tempo semelhante, mas, ao contrário do que sucedeu no Kosovo, não há ainda qualquer sinal de cedência da parte da Kadhafi.
Porque terá resultado no caso do Kosovo e não está a resultar na Líbia? A resposta a esta pergunta pode situar-se em dois planos: na forma como a campanha aérea está a ser conduzida, eventualmente de forma menos eficaz no caso da Líbia, ou na forma como o regime local pondera as suas opções e avalia a sua capacidade de resposta. Provavelmente, as explicações situar-se-ão nos dois campos, mas saber em que medida cada um está a impedir o sucesso da NATO ainda não é possível.
No caso do Kosovo, Milosevic terá concluído que para salvar o regime talvez fosse melhor dispor-se a perder a província; na Líbia, Kadhafi já sabe que não vai conseguir salvar o regime e dificilmente escapará ao seu julgamento, principalmente agora que o Tribunal Criminal Internacional emitiu um mandato para a sua captura e que a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas o acusa de crimes contra a humanidade (entre 10.000 e 15.000 mortos, em resultado de ataques contra a população).
O que está em jogo, na Líbia, é, de facto, totalmente diferente do que estava na Sérvia. Neste segundo caso, era uma pequena província, fonte de problemas muito sérios para o regime sérvio, um território sem quaisquer recursos e reduzidas possibilidades de sobrevivência sem ajuda maciça da comunidade internacional. No caso da Líbia, os interesses em jogo têm uma dimensão muito maior e completamente diferente. Não é apenas por se tratar de um país produtor de petróleo; é a continuação do próprio país, tal como existe desde a sua independência em 1951, que está em causa.
Kadhafi tem vários trunfos por seu lado. O mais importante de todos talvez seja a sua capacidade de resistência e nunca hesitar em recorrer à mais brutal violência para atingir os seus objectivos políticos; quebrar o seu círculo próximo tem-se mostrado muito difícil, não obstante várias deserções importantes. A última foi a do ministro do Petróleo e, ao que tem constado na imprensa internacional, mais oito oficiais do Exército, incluindo cinco generais. Outro trunfo também relevante é saber que a NATO continuará a confiar apenas no emprego de meios aéreos; mesmo que decidisse incluir uma intervenção terrestre, contra o que se encontra permitido pelas Resoluções do Conselho de Segurança, Kadhafi, sabe que a população líbia, sempre desconfiada de intervenções externas, estará contra e não colaborará, seja qual for a sua nacionalidade.
Kadhafi também avalia como improvável um assalto das forças da oposição a Tripoli; estas, de facto, estão longe dessa possibilidade, quer por questões de organização, quer por falta de equipamento e armamento. O mais que a oposição consegue, e mesmo assim apenas com o apoio aéreo da NATO, é resistir na parte do território que mantém sob controlo. Nestas circunstâncias, se a Aliança não conseguir atingir directamente o refúgio de Kadhafi, então podemos estar perante um impasse de duração imprevisível.
É verdade que há aspectos da situação que parecem já irreversíveis; por exemplo, Kadhafi já não pode esperar conseguir a reunificação do País, conforme tentou de início ao atacar os bastiões da oposição. No entanto, ainda pode continuar a apostar, pelo menos como objectivo mínimo, na partilha territorial com o Governo Nacional de Transição de Benghazi, ficando o País como que dividido ao meio, o que, aliás, é a situação actual.
Resta saber a favor de quem o factor tempo vai jogar. Na actual situação, agora que a Aliança conseguiu atingir o objectivo de evitar o massacre que se temia, será a favor desta porque permite, por um lado, continuar a pressão militar e, por outro lado, dar oportunidade à tentativa de negociações que Moscovo concordou liderar. Uma saída de Kadhafi para um país que não participe do Tribunal Criminal Internacional, logo não obrigado a fazer a sua detenção, seria a melhor solução.
Se não for conseguida, dada a obstinação de Kadhafi em resistir, não resta senão esperar que a capacidade de resistência dos “fiéis” ao ditador acabe por se esgotar, não obstante a sua reduzida margem de manobra. Mas para que isso aconteça, a Aliança terá que intensificar a pressão militar.
Jornal Defesa