Soldados capturados dizem que Kadhafi ordenou violações colectivas
Acusações de que as forças do líder líbio Muammar Khadafi estão a promover violações colectivas durante batalhas contra rebeldes foram confirmadas por dois soldados a um correspondente da BBC no país. Detidos em Misrata, no noroeste da Líbia, os militares afirmaram que foram forçados a violar quatro mulheres e deram pormenores da suposta campanha de Khadafi na região.
O Tribunal Penal Internacional (TPI), que pediu a prisão do líder líbio por crimes contra a humanidade, já disse estar a analisar provas sobre a ocorrência de violações em massa no país.
Segundo o jornalista da BBC Andrew Harding, os soldados tinham 17 e 21 anos e foram capturados pelos rebeldes há duas semanas.
«Fomos trazidos para Misrata e disseram-nos que a cidade estava sob ataque de mercenários argelinos e egípcios. Eles diziam que estávamos aqui para libertar Misrata», disse, sob condição de anonimato, o militar de 17 anos ao repórter.
Ele conta que após entrar na casa de uma família, o grupo em que estava amarrou e atirou na perna do pai, da mãe e de três meninos.
«Depois, os comandantes levaram as meninas para o andar de cima e disseram-nos para subirmos ao telhado (para vigiar) enquanto eles acabavam de violá-las. Daí, mandaram-nos violar as meninas também», contou.
«Fiquei com medo. Mas quando a gente se recusou, eles começaram a bater-nos. Eram quatro raparigas, de 20 a 24 anos. Elas estavam conscientes. Eu violei uma», acrescentou."
Segundo o militar, as jovens não diziam nada. Estavam cansadas e feridas, e já tinham sido violadas por cerca de outros 20 militares.
Contou ainda que a violação colectiva durou cerca de uma hora e meia e que, enquanto as raparigas eram violadas, os militares ouviam música, dançavam e fumavam.
«Não estou feliz pelo que fiz, mas não tenho medo, quero deixar claro que os comandantes nos obrigaram a violá-las. Disseram-nos que se fizéssemos isso, eles nos dariam dinheiro. E ganhámos 10 dinares (cerca de 6 euros). Foi a primeira vez que fiz sexo. Eu tenho quatro irmãs», disse ainda.
Harding afirma que a sua impressão era a de que a história contada pelos militares era verdadeira, mesmo tendo em mente o interesse dos rebeldes em retratar Khadafi da pior maneira possível - o que poderia incentivar os militares a mentir.
Salientou também ter indicações de que os relatos não são histórias isoladas, mas fazem parte de uma campanha sistemática contra civis.
«(As violações) ocorreram muitas vezes. A maior parte dos que violentaram famílias estavam nas forças especiais. Ouvimos no rádio (no sistema de comunicação dos militares) que cerca de 50 famílias foram violadas», disse o militar de 17 anos.
Os rebeldes que actualmente controlam Misrata afirmam que há centenas de vítimas, mas até agora nenhuma fez uma queixa formal.
De acordo com Harding, uma das razões para isso é o facto de muitas famílias terem sido obrigadas a deixar a cidade - e outras estarem desaparecidas. Também cita a possibilidade de o número de violações ser bem menor do que o sugerido pelos rebeldes.
Mas, segundo o repórter, a causa mais provável está na cultura extremamente conservadora da Líbia - em Misrata principalmente - que considera violação uma grande vergonha para toda a família e algo que não deva ser mencionado em público.
«Essa é uma questão muito delicada», diz Ismael Fortia, obstetra que vive em Misrata e integra uma comissão para investigar as acusações de violações colectivas e tenta ajudar as vítimas.
«Ninguém disse nada até agora, mas esperamos que após uma ajuda psicológica, elas venham conversar conosco», disse Fortia, que também acredita que haja centenas de vítimas.
«Isso (a violência sexual) afectou o povo de Misrata mais do que qualquer outra coisa durante os confrontos», disse. O médico confirmou duas histórias ouvidas por Harding na cidade. A primeira é a de que alguns rebeldes estão a oferecer-se ara casar com as as vítimas «para livrar a família da vergonha».
A segunda diz respeito a vídeos das violações, gravados pelos militares com os telemóveis, que estão a circular pela cidade.
Em poder dos rebeldes, Misrata está cercada pelas forças de Kadhafi há mais de dois meses.
Cumprindo uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, a NATO está a realizar ataques aéreos para tentar proteger a população civil do conflito entre as forças do governo e os insurrectos. Em todo o país, cerca de 750 mil pessoas já fugiram da Líbia desde o início dos combates.
Lusa