Entrevista: Henrique Neto
"José Sócrates devia demitir-se já da liderança do PS”
Histórico socialista defende que actual Governo cometeu muitos erros e que o primeiro-ministro já se devia ter demitido há mais tempo. Em nome do País, apoia um acordo alargado. Com Seguro à frente do partido.
Por:Janete Frazão / João Pereira Coutinho
Correio da Manhã - José Sócrates demitiu-se. Acha que o deveria ter feito mais cedo?
Henrique Neto - Se dependesse de mim, com certeza. Penso que os erros que foram cometidos pelo Governo justificariam que ele se tivesse demitido mais cedo. Se ele aceitasse. Mas conhecendo-o e sabendo que isso não é possível, o desfecho teria de ser deste tipo.
- Quais foram os principais erros?
- Uma grande inconsciência em relação ao endividamento externo, que não é de hoje, já existia antes de Sócrates chegar a primeiro-ministro. Mas ele relativizou muito o problema, e depois esteve em estado de negação todo este tempo.
- Muitos acusam-no de mentir.
- O estado de negação da realidade em que ele estava levava-o a mentir e a criar um mundo irreal.
- A crise política foi precipitada por José Sócrates?
- Foi claramente precipitada por José Sócrates. Ele é uma pessoa inteligente, que compreendia perfeitamente que a forma como foi negociar a Bruxelas o PEC, e principalmente a forma como depois o apresentou sem dar conhecimento ao Presidente, não ia ser aceite e retiraria margem de manobra ao PSD.
- Não é um jogo arriscado?
- José Sócrates gosta de jogos arriscados. Faz parte das suas características e até das suas qualidades, em certas circunstâncias.
- É o mito do animal feroz.
- Exactamente. Pode ter acontecido que, tendo ele compreendido que o País estava numa situação de grande dificuldade, e que iria ter de pedir o apoio da União Europeia e do FMI, saía numa situação de maior fragilidade. Demonstra uma grande capacidade de antecipação política. Agora o PSD cometeu um erro, porque acho que deveria ter recusado aquele PEC mas apresentado um PEC alternativo.
- Prevê uma campanha eleitoral particularmente dura e até suja?
- Parece-me uma evidência, o que é mau para o País, depois dos excessos da campanha para a presidência, termos uma outra campanha suja, que vai ser muito agressiva. Há um clima de agressividade em relação ao actual primeiro-ministro.
- Como vê a actuação do Presidente da República perante esta crise política?
- O Presidente tem sido acusado de um certo imobilismo. Não estou totalmente de acordo nesse capítulo, mas acho que perdeu uma oportunidade no dia seguinte à apresentação do PEC de chamar de urgência o primeiro-ministro e fazê-lo sentir autoridade. Tinha, naturalmente, importância política.
- Se perder as eleições legislativas, Sócrates deve demitir-se de secretário-geral do PS?
- Preferia que se demitisse agora. Mas sabemos como funcionam os partidos e, provavelmente, a vitória será de Sócrates. Ele diz que está ao serviço do seu país - do nosso país, digo eu - mas talvez o melhor serviço que ele pudesse prestar ao PS e ao País era mesmo demitir-se de secretário-geral. Porque ganhando ou perdendo as eleições, o PS podia participar na governação na fase seguinte. Não sou adepto de blocos centrais, mas estamos numa situação anormal.
- Mas defende um acordo amplo?
- Seria preferível. E era muito mais fácil de obter depois das eleições com outro dirigente do PS.
- Quem, por exemplo?
- António José Seguro seria, eventualmente, o meu preferido.
- Portugal estaria melhor com a ajuda externa?
-É difícil prever. Há quatro meses, quando foi o problema da Grécia, disse que se dependesse de mim pedia já ajuda. Quando se aproximou a data da cimeira, pensei que seria melhor conhecer as condições de financiamento que a Europa decidir. Em qualquer dos casos, continuo preocupado que Portugal não se atrase excessivamente e que o problema português seja tão grande que os recursos internacionais já não sejam suficientes.
"MÁRIO SOARES PRESTOU UM MAU SERVIÇO AO PARTIDO E A PORTUGAL"
CM - Porque não há uma oposição organizada a Sócrates no PS?
Henrique Neto - O engenheiro Guterres não era muito diferente de José Sócrates e deixou criar à sua volta um aparelho. Não digo que criou, porque não estava no seu estilo, mas deixou que se criasse um aparelho no sentido de dar poder a alguns socialistas. Criou-se um clima completamente acrítico, sem debate. Por sua vez, Sócrates criou o espectáculo político.
- Essa mediatização arrastou mesmo figuras históricas. Como se explica que Mário Soares numa semana faça críticas a Sócrates e depois apelos a entendimentos com Sócrates?
- Não tenho grande explicação. Foi um mau serviço prestado a Portugal e ao PS, porque os socialistas revêem-se muito em Mário Soares.
E muitos dos erros cometidos por esta direcção do PS não foram combatidos como deviam por causa da bênção que davam a Mário Soares ao longo destes seis anos.
- Almeida Santos convidou-o a participar nos órgãos e nos debates do PS. Vai aceitar o repto?
- Os debates é missão impossível, porque não há debate. O monolitismo que existe no PS são arranhadelas. E a violência com que se atacam esses pequenos arranhões é claramente excessiva e só pode resultar de uma certa vocação um pouco totalitária que às vezes existe nos maiores democratas.
"TRATAR A ENERGIA NUCLEAR COMO BRUXA É PRÉ-HISTÓRICO"
CM - Tem sido um defensor da energia nuclear. Assistindo à catástrofe que se vive agora no Japão, mantém essa posição?
Henrique Neto - Nunca gostei da ideia de que não se deve discutir a energia nuclear. Trata-se a energia nuclear como na Idade Média se tratava as bruxas. São bruxas, têm de ser queimadas, e não sabemos muito bem o que elas fazem, são inexplicáveis. No século XXI, tratar a energia nuclear da mesma maneira é pré-histórico, medieval. A energia nuclear é a energia mais barata, é a energia mais limpa se esquecermos o problema da segurança que existe e deve ser discutido.
- Defende portanto que se abra o debate sobre a temática?
- Sou empresário, tenho alguma ligação às tecnologias. A questão muitas vezes não é saber se queremos aquela tecnologia neste caso ou não. Se ela for útil, devemos definir um momento em que a queremos. Até pelo seu custo. A minha posição é a de que devemos esperar, discutir o problema e desenvolver conhecimento sobre a tecnologia.
PERFIL
Henrique Neto, 74 anos, nasceu em Lisboa, numa família operária da indústria vidreira originária da Marinha Grande. É casado e tem três filhos. É um histórico do PS, tendo ocupado os cargos de dirigente e de deputado pelo partido. Nos últimos anos, afastou-se da política activa. Engenheiro de formação, foi um dos fundadores da Iberomoldes e da SETSA, ambas da indústria de moldes para matérias plásticas.
http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/notic ... anca-do-ps