Caros companheiros
Conforme prometido vou-lhes contar como foram os meus primeiros dias em Moçambique.
Nós fizemos a viagem Lisboa-Beira, num Boeing 707 dos TAM. Saímos de Lisboa já de noite do dia 26/11/72. Para mim e para a maioria de nós, senão a totalidade, foi a primeira vez que andámos de avião. Foi óptimo. O mesmo não posso dizer da disposição de muitos de nós, pois não íamos propriamente para uma viagem de férias. O avião contornou África pelo mar, pois a maioria dos países africanos não deixavam que sobrevoássemos o seu território (e muito menos um avião militar), passámos ao largo da Guiné, ainda vimos ao longe as luzes de Bissau e ao fim de 8 h (se a memória não me falha) aterrámos em Luanda. Ainda era noite e não saímos do aeroporto. Julgo que a paragem foi só para reabastecer o avião. A TAP fazia o mesmo trajecto, só uma vez é que, no trajecto Beira-Lisboa, aterrei em Salisbury, hoje Arare (era de noite e o aeroporto eram só barracões e as hospedeiras de terra eram umas inglesas já na casa dos 50 e muito pintadas, parecia um filme de terror, só faltou o Drakula). Retomando a viagem, partimos de Luanda, atravessámos o continente por cima da África do Sul (Bechuanalandia) e da então Rodésia do Sul e aterrámos na Beira 4 h (julgo não me enganar nas horas) depois de partirmos de Luanda.
Ficámos instalados na messe de oficiais e aproveitámos a tarde e a noite para darmos umas voltas pela cidade. Aconselharam-nos um restaurante para jantarmos, o Grego, onde comemos uns carangueijos recheados que estavam divinais. Depois demos uma volta pela Beira e passámos pelo Mira Mortos, que era um edíficio grande, o centro da prostituição da Beira e ficava sobranceiro ao cemitério, portanto dele tinha-se uma boa vista para os mortos. Foi quando regressámos à Messe, que ficava perto da praia, que recebemos a notícia que nos deixou em estado de choque. Nós deviamos partir no dia seguinte (28/11) de manhã, de comboio, para Moatize. A viagem era directa e demorava cerca de 1 dia. Mas o comboio foi minado e a linha destruída em grande parte e enquanto não arranjassem a linha não havia comboios. A notícia parecia boa, não era? Mais uns dias de férias na Beira. Puro engano. Íamos partir na mesma, mas de machibombo (camioneta de passageiros) e a viagem ía durar 3 dias, em parte por zona de guerra. Nem queríamos acreditar. No dia seguinte lá fomos para os adidos, recebemos uma G-3 novinha em folha, numa embalagem de plástico e rações de combate para 3 dias. Embarcámos então nos machibombos e partimos para a que foi, a pior viagem da minha vida.

eu e um dos meus furriéis, o Barros, à frente dos machibombos
Se pegarem num mapa de Moçambique tentem seguir o nosso trajecto. Beira, Vila Machado, Vila Pery, Vila Gouveia, Tete e Moatize. Parte da viagem foi feita com escolta. Passei parte da 1ª noite a matar melgas, não fosse alguma delas ser a da malária!!

Nós só pensávamos no que nos aconteceria se houvesse um ataque. Sentados dois a dois, nos bancos do machibombo, como se fossemos para o Bom Jesus, ver Braga pelo canudo, só que íamos ao encontro da guerra e alguns de nós talvez não voltassem (como infelizmente veio a acontecer). Dois anos depois fizemos o mesmo percursso de regresso, só que foi mais rápido e não havia guerra. A única coisa boa da viagem foi que fiquei a conhecer parte dos Distritos da Beira e de Tete.
Este foi o nosso primeiro contacto com Moçambique, e não foi nada animador. Começámos a perceber que era uma guerra muito estranha.
O Luso disse que tem pena que o pai não fale de Angola. Penso que esta é a primeira vez que conto estas estórias, por isso não me admiro que o seu pai não as conte.
Um abraço
JLRC