O Médio Oriente, visto como uma disputa entre sunitas e xiitas
Alexandre Reis Rodrigues
Apesar de habituados a olhar para o clima de instabilidade no Médio Oriente em função do conflito israelo-árabe e malgrado este continuar sem qualquer solução à vista, o que ultimamente tem mais chamado a nossa atenção é a disputa entre xiitas e sunitas e as interrogações que se levantam sobre o desfecho provável da disputa entre estas duas fações religiosas do Islão para ter a hegemonia regional.
Não obstante mais de três quartos dos muçulmanos praticarem o islamismo sunita, a balança do poder tem estado inclinado para o lado xiita, em especial desde 1979 quando a revolução iraniana criou uma república xiita, hoje a maior e a militarmente mais poderosa comunidade xiita. Esta inclinação acentuou-se, a partir de 2003, na sequência da invasão americana do Iraque e a deposição de Saddam Hussein que abriu as portas a um controlo do país a partir de Teerão e tende a reforçar-se – pelo menos assim receiam os sunitas – com a concretização do acordo nuclear iraniano.
Apesar de o acordo representar um revés para a ambição de Teerão em vir a ser uma potência nuclear, incluindo a dimensão militar – o que facilitaria enormemente o estatuto de potência regional - a verdade é que o objetivo de liderança da região, embora mais distante, não fica em causa. Em especial, se tivermos em conta que o acordo proporciona, por outro lado, uma aproximação ao Ocidente e reforça a imagem de Teerão como um dos elementos-chave do combate ao jihadismo sunita.
A este conjunto de circunstâncias, favoráveis à ascendência xiita, poderíamos juntar as dificuldades porque passa a Arábia Saudita no Iémen, em parte alimentadas pelo Irão que vê nesse conflito mais uma oportunidade de levar os sauditas a vacilarem. Se isso vai ou não acontecer é o que se verá.
No entanto, para os analistas da Stratfor, a atual preponderância xiita acabará por seguir o padrão histórico, isto é, será de curta duração, intermitente e relativamente rara. A principal razão invocada situa-se nos aspetos demográficos, porque, como já referido acima, há muitos mais sunitas do que xiitas e os primeiros não se mostram dispostos em ceder essa vantagem, seja qual for a forma que os xiitas tentem usar para a minimizar. Não se imagina também que os dois principais símbolos religiosos sunitas, as cidades sagradas de Meca e Medina, possam estar à mercê de interferências xiitas. A questão, no entanto, não é apenas religiosa; é também étnica e, nesse campo, a potência xiita líder tem a desvantagem, de sendo persa, ver reduzidas as suas possibilidades de alinhamento com os árabes. Sob estas circunstâncias, a Stratfor prevê que, não obstante todas as tentativas de Teerão em explorar os pontos fracos da comunidade sunita, esses esforços não levarão a um desfecho favorável à minoria xiita.
Obviamente, a evolução da situação na Síria e o provável fim definitivo do domínio da etnia alauita ajudará a confirmar esta previsão, sendo mais um grande revés para as ambições iranianas. O desenlace desta situação, em qualquer caso, não está dependente apenas dos atores locais. Está tanto nas mãos destes como nas dos EUA e Rússia e, sobretudo, nas de uma eventual coligação para o combate ao ISIS, o elemento que pode levar a uma conjugação de esforços, pelo menos temporária.
A Turquia foi a primeira potência a decidir-se por uma alteração da sua estratégia em função da perceção dos perigos que representa o ISIS e dos receios de que o papel curdo nesse combate possa facilitar a sua eventual autonomia. Não obstante, esta diversidade de motivações, trocou um perfil muito moderado em relação ao ISIS por uma coligação com os EUA a quem passou a conceder facilidades em apoio de base recusadas até então. Como irá funcionar esta coligação é assunto sobre o qual muitos se interrogam dadas as divergências existentes sobre com quem se devem alinhar no terreno.
Moscovo também quer combater o ISIS mas numa coligação totalmente diferente. Quer que inclua a Turquia (improvável), a Arábia Saudita (ainda mais improvável), a Jordânia e a Síria. Malgrado alguns sinais que vão sendo dados sobre a sua disponibilidade de discutir um regime pós Assad – estando em curso conversações nesse sentido -, no essencial, a Rússia continua determinada em não dar qualquer sinal de o abandonar. Estas circunstâncias tornam muito remoto qualquer entendimento com a Arábia Saudita, que só aceitaria esse tipo de coligação se o regime sírio cortasse as suas ligações com o Irão. Riade está, sobretudo, interessada numa coligação sunita que apague definitivamente qualquer veleidade de liderança regional de Teerão.
Sob este ultimo objetivo, Riade pode contar com o apoio de Israel mas este não se alinhará em nenhum quadro regional, postura em que, em termos gerais, tem o apoio americano. Para Washington, Israel, devidamente armado pelos EUA, deve continuar a representar a garantia de que nenhuma outra potência regional, seja a Turquia ou o Irão, irá tirar partido do caos para dominar por completo toda a região.
Jornal Defesa