A Defesa Económica em Portugal
Nuno Silva Domingos
Resumo
No mundo actual a conflitualidade económica constitui o cerne da conflitualidade internacional. As inovações tecnológicas nas áreas dos transportes e das comunicações originaram uma desmaterialização e posterior transferência do poder, dos Estados para os Mercados. Portugal, num contexto de grande integração económica na União Europeia perdeu alguns mecanismos de defesa da sua economia. No entanto, em matéria de defesa económica, continuam a existir formas de estimular a economia nacional, e nesse sentido é absolutamente fundamental ceder especial atenção à competitividade, que se afigura como grande impulsionadora do crescimento económico de um Estado. Para assegurar o adequado aumento dos níveis de competitividade da economia portuguesa, é necessário repensar a estratégia de defesa nacional, cedendo especial relevo às componentes não-militares da defesa, e concretamente à componente económica.
Introdução
Actualmente, num mundo amplamente globalizado, existe toda uma panóplia de ameaças e conflitualidades que transcendem o prisma militar. Com a actual crise financeira, que abalou primeiramente os EUA, e depois a Europa, ficou bem patente e visível que uma das principais ameaças que atormentam os Estados é a ameaça económica. Esta ameaça surgiu e agravou-se, no caso de Portugal, num contexto de grande integração económica na UE e numa época em que os níveis de competitividade e conflitualidade económica atingiriam níveis sem precedentes. Neste cenário os Estados temem, mais do que uma subjugação militar, uma subjugação económica e consequente perda de soberania. Anteriormente, no mundo não-globalizado, os domínios políticos e militares estavam no cerne da conflitualidade internacional, relegando a vertente económica para um segundo plano. Hoje, numa altura em que se erguem vozes protestando contra a progressiva perda de soberania e autonomia, é imperioso ceder especial relevo à vertente económica da defesa e repensar a estratégia de defesa nacional procurando sempre a articulação eficaz dos vários mecanismos de defesa. Neste contexto, é legítimo argumentar que, sem economia não há defesa.
Tendo em conta esta realidade, parece-nos pertinente colocar algumas questões: É sensato pensar em defesa económica na actual realidade global? Qual a sua real importância? Que ameaças e riscos se lhe apresentam? Que políticas de defesa económica podem ser implementadas em Portugal? Estas são as questões sobre as quais a nossa atenção se irá debruçar.
Postas as questões, os objectivos deste trabalho passam por identificar as políticas de defesa económica, no âmbito do plano de Estratégia de Defesa Nacional, em Portugal, identificar as ameaças de que se reveste esta problemática e compreender a importância desta questão no contexto actual das relações internacionais.
1. A Realidade Económica Actual
Em 2007 o mundo vivia um período de estabilidade e crescimento sem precedentes. “Muitos especialistas proclamavam que o mundo tinha entrado numa nova era de prosperidade, sem precedentes e extraordinária. O ponto de vista consensual, foi a previsão de um crescimento do PIB global anual na ordem dos 3,5%, com projecções de crescimento anual médio tão altas quanto 6% em 2050. Estas previsões optimistas baseavam-se na crença de que a globalização e a disseminação da democracia, permitiria um rápido crescimento de todos os índices de desenvolvimento humano.”
No entanto, contra as expectativas, surgiu nos EUA, em 2008 uma grave crise financeira, que posteriormente se metamorfoseou, passando a assumir a forma de crise económica: a chamada crise do subprime americano. O subprime é uma forma de crédito hipotecário, para o sector imobiliário, destinado a pessoas, ou contraentes, que representam um elevado risco de incumprimento, por terem baixos rendimentos. Este crédito imobiliário toma como garantia a casa da pessoa que contrai o empréstimo, casa essa que adquiriu com o empréstimo. Com o rebentar da “bolha do imobiliário”, que foi caracterizada por um aumento generalizado do valor dos imóveis, como a habitação, o que originou um aumento da procura por parte dos investidores, por se tratar de um activo aparentemente seguro, e num aumento generalizado do valor dos materiais de construção, até atingirem níveis insustentáveis e, consequentemente, um declínio acentuado. Em muitos casos, os investidores compravam mais casas do que aquelas que precisavam para uso pessoal. “Em alguns casos, os especuladores compravam e vendiam condomínios prospectivos, mesmo antes da construção começar. Isto criou um excesso de casas que ainda hoje paira sobre o mercado”. Ora, quando os contraentes do subprime entraram em incumprimento, os bancos apoderaram-se das hipotecas, mas estes imóveis tinham agora um valor muito inferior ao do empréstimo efectuado. Estes dois factores aliados a uma excessiva alavancagem financeira e à “desregulação no sistema financeiro americano, com a crença na auto-regulação dos mercados, e as políticas monetárias laxistas de Greenspan no FED, ajudaram à criação de bolhas especulativas”. Desta forma, contribuíram para a falência, em 2008, de três dos maiores bancos de investimento americanos: o Bear Stearns, posteriormente comprado pela JP Morgan Chase pelo valor “simbólico” de 10 dólares por acção, 236 milhões de dólares no total, cerca de 10% do seu valor real de mercado; o Fannie Mae e o Freddie Mac tiveram que ser resgatados pelo governo federal.
O resultado desta crise parece ter constituído uma mudança de paradigma no mundo actual: Os países com excedentes comerciais e poupança, como é o caso da China e da Alemanha, evitaram a crise financeira e os países que consumiam mais do que produziam, como é o caso dos EUA e de Portugal, viram-se obrigados a emitir títulos de dívida soberana. “O jogo entre os EUA e a China era simples: Os EUA compravam produtos chineses e a China comprava títulos de dívida americana, para evitar a apreciação de moeda chinesa contra o dólar, o que prejudicaria a competitividade das exportações chinesas. Por isso, a China detêm neste momento activos em dólares da ordem dos 1,4 triliões. Assim, a China financiava o défice externo americano (que era no fundo um défice de poupança face ao investimento) o que permitiu a manutenção do seu superavit comercial com os EUA. Com este jogo, China e EUA ficaram financeiramente interdependentes. No entanto, a China começa agora a tomar consciência que deverá reduzir a sua dependência do dólar. Nesse sentido aponta a sua recente decisão de transformar Shanghai num grande centro financeiro internacional por volta de 2020 e a sua recente proposta para se substituir o dólar por uma nova moeda de reserva internacional.”
Sendo os EUA o centro do mundo financeiro e a maior economia do mundo, em termos de PIB, os efeitos da crise foram à escala global. A resposta dos Governos europeus e da zona euro foi a de injectar dinheiro em quantidades massivas e inéditas até à data na economia, nomeadamente no sector bancário, fazendo disparar vertiginosamente a dívida soberana dos países da UE e mais ferozmente os da zona euro. Esta situação deixou as economias dos países mais frágeis, principalmente dos países da periferia, expostas e abertas a ameaças económicas. Um país endividado é um país que fica debilitado do ponto de vista do crescimento económico e da produtividade, mas também do ponto de vista da defesa, posto está o axioma.
No caso concreto de Portugal, a situação é mais grave do que na restante maioria dos países da zona euro. O que sucedeu desde a adesão ao euro e, consequentemente, a uma política monetária expansionista foi uma baixa das taxas de juro e um aumento generalizado do consumo público e privado. A este factor juntou-se uma política orçamental expansionista em que os valores reais dos salários subiram mais que a produtividade. Como consequência, “a oferta interna não reagiu a esses aumentos na procura pública e privada, gerando-se um forte desequilíbrio externo.”
A integração na União Europeia eliminou da esfera dos Estados toda uma panóplia de tarefas e funções do domínio económico. No entanto, esta integração fragilizou de certa forma os Estados, que perderam alguns dos seus poderes tradicionais. Vejamos alguns dos poderes que os Estados perderam com a integração na Zona Euro, segundo Ferreira do Amaral (2000, 161), e que se dividem em três grupos: Primeiramente apresenta-nos a função de Estabilização Económica, que antes da adesão à União Europeia era assegurada através de três mecanismos, ou políticas – política orçamental, política monetária e política cambial. Com a integração na Zona Euro saíram do domínio dos Estados a política monetária, que agora é assegurada pelo Banco Central Europeu, e a política monetária que é da responsabilidade do Conselho de Ministros. Quanto à política orçamental, continua a ser da responsabilidade dos Estados apesar de estar limitada por condicionamentos, nomeadamente limites a nível do défice.
A segunda função é a de Afectação de Recursos, que tratava, por exemplo, da imposição de pautas aduaneiras. Ora, com a integração na Comunidade Económica Europeia (CEE), que adoptou uma pauta aduaneira comum, também esta função foi eliminada da esfera do Estado.
Por último, a função de Redistribuição do Rendimento que permanece como a única função a ser fundamentalmente desenvolvida pelo Estado. É, portanto, a partir deste quadro, sem nunca o olvidar, que iremos prosseguir o nosso estudo, sabendo que estes acontecimentos são, de certa forma, a evidência de que a Defesa Económica constitui, hoje, uma vertente fundamental da Defesa.
2. A Globalização: Novo Quadro de Ameaças
O sistema económico actual é constituído por uma economia global. A globalização acabou com as fronteiras económicas e as transacções comerciais fazem-se num prisma de internacionalização, fruto das grandes inovações tecnológicas que se constataram nos domínios das comunicações e dos transportes. Este fenómeno, apesar de trazer muitas vantagens, trouxe também todo um conjunto de novas ameaças, com as quais os Estados, mas também outros actores, têm de lidar. “Uma multiplicidade de oportunidades e ameaças derivam, por um lado, da cooperação e colaboração e, por outro, da competição e do conflito” (Kotler 1997).
Esta nova realidade económica, em que o poder está centrado nas maiores e mais fortes economias, é extremamente volátil e tem como principal característica a desmaterialização do poder, que assume agora novas formas. “O poder deixou de residir nos elementos materiais (…), como a terra, os recursos naturais e as máquinas, e passou a assentar em factores materiais, como o conhecimento científico, a alta tecnologia, a informação, a comunicação e a finança” (Macedo 1999). Uma análise histórica poderá comprovar esta ideia, assim como uma leitura obra de Alvin Toffler.
Neste cenário, surgem novos poderes associados então a esses novos actores que são as empresas multinacionais que se aglomeram em grandes impérios económicos que não respondem perante ninguém, nem mesmo perante os Estados. Para estes actores não existem fronteiras, já que conseguem muito facilmente mudar os seus centros de produção e fazem investimentos em qualquer parte do planeta. Não têm consciência social, tendo como principal ferramenta a especulação e a sua única motivação é o lucro desenfreado. “O verdadeiro poder destas empresas está na capacidade de influência política e económica”. Os governos, especialmente dos países mais frágeis do ponto de vista económico, nada fazem sob ameaça de saírem lesados. Este parece ser um efeito inevitável da globalização, em que já não são os Estados quem controla a economia, mas sim os mercados. O mercado assumiu agora a forma de “uma entidade rígida, independente das decisões do Estado, porque o que conta é a capacidade competitiva, com os consumidores a procurarem o produto mais competitivo sem terem de olhar à nacionalidade do produtor” (Tavares 2002). Esta ideia, de conferir aos mercados um papel dominante nas sociedades, sem a devida regulamentação, não é recente: “o espírito do comércio, mais cedo ou mais tarde, apodera-se de cada povo, e não pode existir lado a lado com a guerra”. Na reflexão à obra do autor alemão, Michael Doyle argumenta a propósito do terceiro artigo da paz perpétua, que “o direito cosmopolita de hospitalidade permite que o «espírito do comércio» se aproprie de todas as nações, compelindo os Estados a promover a paz e a evitar a guerra”. A ideia implícita nesta afirmação é a de que o comércio livre contribui para a segurança dos Estados, na medida em que tende a evitar a guerra. A prosperidade é uma realidade e as pessoas sentem que a guerra não providenciará qualquer tipo de benefício, ao invés constituiria toda uma panóplia de vicissitudes, desde a destruição de infra-estruturas à dizimação das populações. Partindo deste princípio, Doyle sugere que “uma fonte cosmopolita adicional da paz liberal é a capacidade do mercado internacional remover decisões difíceis sobre a produção e a distribuição da esfera directa da política do Estado. Desse modo deixa de ser um estado estrangeiro o responsável directo por esses resultados e os Estados podem pôr-se de lado, e em certa medida acima, das rivalidades contenciosas do mercado e estar prontos para intervir para resolver crises”. Uma crítica que pode ser apontada a esta ideia é a de que o Estado ao delegar a regulação financeira para terceiros, sabendo que uma consequência plausível, e aliás bem demonstrada com a recente crise financeira, é a diminuição do bem-estar da população e ser pressionado para ter um papel mais activo na regulação da economia, como sucedeu nos Estados Unidos da América. Quanto ao argumento de que os Estados devem estar prontos para intervir e “resolver” eventuais crises, ficou bem esbatido que a resposta dada pela União Europeia, no caso dos países da zona euro, esteve longe de resolver o problema.
Como tal, os mercados não protegem o Estado nem a população. O mercado é regulado pelos seus próprios interesses. Neste contexto cabe ao Estado, e concretamente ao Estado português, zelar pelos seus interesses. As recentes negociações sobre eventuais privatizações de empresas estratégicas públicas, não podem ser encaradas de ânimo leve, já que “um número cada vez maior de países, que venderam maciçamente as suas empresas públicas, tornaram-se propriedade de grandes grupos multinacionais que dominam sectores inteiros das suas economias e servem-se dos Estados para exercer pressões em fóruns internacionais e obter decisões políticas favoráveis à prossecução dos seus objectivos” (Ramonet 1999). Deste contexto actual emergem uma série de ameaças de natureza essencialmente económica, com as quais os Estados têm de lidar quotidianamente.
Das novas ameaças que surgiram, impulsionadas pela globalização, e que afectam a economia do Estado, merecem especial destaque as “redes internacionais de carácter mafioso e crime organizado” que “constituem novas ameaças porque controlam toda a espécie de circuitos clandestinos (prostituição, contrabando, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, venda de armas, disseminação nuclear, promoção e exploração da imigração ilegal). ” Estas redes constituem uma forma de agressão não só contra as pessoas, mas também contra a autoridade do Estado.
Além disso, “os crescentes atentados aos ecossistemas nacionais (poluição marítima, utilização abusiva dos recursos marinhos em águas territoriais e destruição florestal, entre outros) são, também, hoje, percebidos como mais uma ameaça aos Estados."
Outros tipos de ameaças são “os atentados à segurança dos sistemas de informação dos Estados, sobretudo os que suportam as actividades vitais do funcionamento normal de um país, como é o caso da economia e das finanças”. Os sistemas de informação são infra-estruturas críticas, no sentido em que se a sua integridade for posta em causa, as consequências daí resultantes serão amplas e devastadoras. Aqui, o ciberterrorismo apresenta-se como uma ameaça bem tangível, em contraponto com o seu mundo de actuação, já que os seus efeitos sem fazem sentir no mundo físico. É deste paradoxo que se alimenta, no fundo, o ciberterrorismo. Não será difícil de imaginar a magnitude de um ataque, por exemplo, às caixas de multibanco. Se estes serviços fossem atacados, e tornados inoperativos, as consequências seriam desastrosas. O mesmo se pode aplicar à rede eléctrica. Estes são apenas alguns exemplos de infra-estruturas críticas que, sendo danificadas, causariam um dano tremendo ao Estado.
Outra forma de ameaça é a espionagem industrial, que constitui também uma real ameaça para os Estados e aqui, seguindo a lógica de Alvin Toffler, como demonstrámos atrás, o poder reside no acesso à informação. É desta mudança de paradigma que resulta a importância de se repensar a estratégia de defesa nacional, enaltecendo a defesa económica.
3. A Defesa Económica: Análise Conceptual e o CEDN
Antes de nos embrenharmos no estudo da componente económica da Defesa Nacional esclareçamos previamente, para facultar a compreensão do leitor, já que uma interpretação errada de conceitos pode conduzir a caminhos indesejados, o próprio conceito de “Defesa”. A etimologia da palavra remete para o latim, de “defensa” é um acto ou efeito de defender. Resistência a agressão, ataque, ou dano. Depois da análise etimológica, olhemos para a definição que iremos adoptar no seguimento deste estudo: “A defesa nacional é a actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos no sentido de garantir, no respeito da ordem constitucional, das instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas” (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas - Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, Artigo 1º). Esta interpretação alarga o prisma da defesa ao cidadão, deixando de estar limitada ao Estado.
São objectivos da defesa nacional “garantir a soberania do Estado, a independência nacional e a integridade territorial de Portugal, bem como assegurar a liberdade e a segurança das populações e a protecção dos valores fundamentais da ordem constitucional contra qualquer agressão ou ameaça externas” e assegurar “ainda o cumprimento dos compromissos internacionais do Estado no domínio militar, de acordo com o interesse nacional” (Lei de defesa nacional - Lei n.º 31-A/2009 de 7 de Julho, Capítulo 1, artigo 1º).Em termos de características podemos definir:
“1 - A política de defesa nacional tem carácter permanente, exercendo -se a todo o tempo e em qualquer lugar.
2 - A política de defesa nacional tem natureza global, abrangendo uma componente militar e componentes não militares.
3 - A política de defesa nacional tem âmbito interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado promover as condições indispensáveis à respectiva execução.
4 - A necessidade da defesa nacional, os deveres dela decorrentes e as linhas gerais da política de defesa nacional serão objecto de informação pública, constante e actualizada.” (Lei de defesa nacional - Lei n.º 31-A/2009 de 7 de Julho, Capítulo 1, artigo 6º).
Em suma, a Defesa Nacional é uma actividade desenvolvida pelos cidadãos e pelo Estado, para garantir a segurança da população e a soberania do Estado, tem um carácter permanente e uma natureza global. Desta globalidade emanante da Defesa, vamos salientar uma componente não-militar da defesa nacional, concretamente a defesa económica.
Entenda-se por Defesa Económica toda “a actividade desenvolvida pelo Estado no sentido de, face às reais ou potenciais ameaças, perigos e riscos, proteger e desenvolver a economia nacional, minimizando as suas vulnerabilidades e maximizando as suas potencialidades. Para tal, o Estado deve, por um lado, assegurar os adequados mecanismos de defesa contra as mais diversas ameaças e, por outro, criar e manter as condições de competitividade económica numa economia mundial fortemente competitiva e conflitual”. Aqui é definido como um objectivo fundamental da Defesa Económica a criação ou manutenção de condições de competitividade económica. Como temos vindo a notar, no mundo actual e globalizado, em que os mercados materializam os seus interesses por via da imposição, a competitividade, que iremos focar mais pormenorizadamente no próximo capítulo, assume-se, de facto, como um factor fundamental para garantir e manter a soberania.
De facto, como temos vindo a referir, a conflitualidade económica assume hoje um papel de destaque na conflitualidade internacional. E o factor económico tem, necessariamente, de ser tido em conta nos domínios de acção da estratégia global de um Estado. Neste sentido o “conceito global de defesa nacional só se materializa quando todas as componentes se articulam perfeitamente”[30]. Ou nas palavras de Jorge Sampaio (1996, 29), “a defesa, sendo uma questão nacional, é não apenas militar mas também cultural, económica e política na mais ampla acepção da palavra. Neste sentido, só uma estratégia integrada, concebida no plano global do Estado, poderá responder com credibilidade, à defesa dos interesses nacionais e aos desafios do mundo de hoje, pelas sinergias que se obterão através de uma adequada e harmoniosa articulação entre as componentes militar e não-militares da defesa nacional”.
Neste contexto é preciso ter em conta o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) que define “os aspectos fundamentais da estratégia global do Estado adoptada para a consecução dos objectivos da política de defesa nacional40” (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, art.º 8º, n.º 2). Este devia englobar todas as vertentes da Defesa Nacional, tanto militares como não-militares bem como um plano de articulação entre elas. No entanto e “apesar do esforço levado a cabo no decorrer da revisão do último CEDN, este não configura, ainda, qualquer conceito de acção estratégica definido ao nível da estratégia total. Tal fica a dever-se ao facto de se ter partido de um conceito restrito de defesa nacional”. Não estando definido um CEDN que abranja todas as componentes da Defesa[32], a estratégia global de defesa nacional ficar comprometida.
3. A Defesa Económica: A Competitividade
Como referimos previamente, a competitividade assume hoje uma relevância particular. Toda a acção económica levada a cabo pelo Estado deve ter como objectivo inerente o aumento dos níveis de competitividade da sua Economia. Este é também o desígnio da defesa económica: assegurar que os níveis de competitividade das empresas públicas e privadas, que constituem o “ethos” da economia nacional atinjam valores significativos, a fim de garantir alguma superioridade, face a outros actores, em determinados segmentos do mercado. Neste sentido, deve-se investir na qualificação de mão-de-obra nesta área, na medida em que e segundo Fernando Gaspar, “onde existe muito a fazer para elevar a nossa produtividade para os níveis da UE é no campo da qualificação da mão-de-obra e nas técnicas de gestão, sobretudo na adopção das novas tecnologias de informação na gestão” (Ordem dos Economistas n.º 2644).
As empresas desempenham, neste sentido um papel fundamental, uma vez que “a competitividade de uma Nação depende da capacidade da sua indústria para inovar e melhorar”. Neste quadro não cabe ao Estado competir, antes encorajar e incentivar as empresas a tornarem-se mais competitivas e a elevarem a fasquia, tentando conquistar novos mercados internacionais tendo em vista a potenciação das exportações. Assim, ao Estado cabe “encorajar a mudança, promover a rivalidade interna e estimular a inovação”. E a globalização, que tem vindo a ser amplamente referida, desempenha aqui, também, um papel fundamental, na medida em que as novas tecnologias e o acesso quase imediato à informação influenciaram grandemente a forma de agir das empresas, mas também dos Estados. “Agora que as empresas podem recolher capital, mercadorias, informação e tecnologia de todo o mundo, muitas vezes com um simples clique num rato, grande parte da sabedoria convencional sobre como as empresas e as nações competem precisa de ser revista. Em teoria, mercados globais mais abertos e transporte e comunicações mais rápidos devem diminuir a importância da localização na competição. Afinal, qualquer coisa que possa ser eficientemente obtida à distância por meio de mercados globais e redes corporativas está disponível para qualquer empresa e, portanto, é essencialmente anulado como uma fonte de vantagem competitiva”. Este argumento reforça a ideia de que o mundo é uma aldeia global, em que grandes fluxos de informação circulam livremente, transcendendo barreiras nacionais.
Cabe então ao Estado, como já foi referido, incentivar a e promover a vantagem competitiva nacional. Neste sentido, podemos enunciar quatro atributos genéricos da competitividade de uma Nação: condições dos factores, condições da procura, indústrias relacionadas e de suporte,e estratégia, estrutura e rivalidade empresarial (Porter 1993). O Estado pode assim influenciar estes quatro atributos genéricos e incentivar a inovação e a competitividade.
A nível das condições dos factores o Estado exerce a sua influência a nível da Educação onde “o maior desafio do sistema educativo a proporcionar pelo Governo deve ser o de criar um ambiente no qual sejam as necessidades do mercado (ou da sociedade em geral) a determinar as necessidades da educação. Para tal tem de haver uma forte interacção entre o Governo e as empresas na definição das políticas de educação”. Constatamos que as necessidades das empresas, em termos de mão-de-obra, devem ser tidas em consideração pelo Governo. A ciência e a tecnologia também constituem áreas chave, onde o Governo deve intervir, e já contribuem para potenciar os níveis de inovação e, consequentemente, os níveis de competitividade da economia. A nível do Capital, adoptando uma política interna que vise a obtenção de excedentes comerciais, o Governo pode conseguir capital a um custo mais baixo, já que as taxas de juro variam em consonância com a situação económica do país. As infra-estruturas constituem áreas chave para o desenvolvimento da competitividade, particularmente os ramos dos transportes, telecomunicações e energia. O Governo deve, portanto, fazer um investimento ponderado e racional nestas áreas, concedendo assim às empresas melhores condições para se tornarem mais competitivas. Por fim, a Informação como área de intervenção. Aqui o Governo deve actuar de forma rápida, isto é, em tempo real, fornecendo ou providenciando às empresas informações sobre o mercado para que estas possam agir em função dessa informação o mais rapidamente possível. Num mundo globalizado onde o acesso à informação está banalizado, o que faz agora a diferença não é o acesso a essa informação, mas sim a rapidez com que a ela se acede.
O segundo factor diz respeito ao papel do Governo nas Condições de Procura. E também aqui o Governo pode exercer a sua influência de várias maneiras. Vejamos, primeiramente, a nível das Compras Públicas. Aqui, o Estado deverá privilegiar as empresas nacionais, mantendo no entanto, ou até mesmo elevando, os níveis de exigência. Assim as empresas nacionais terão garantidos os negócios de compras por parte do Estado, mas serão simultaneamente estimuladas a elevar a fasquia e a criar um produto inovador. Uma outra fonte de influência é a Política de Regulamentação, onde “o Governo pode igualmente influenciar as condições de procura através do desenvolvimento de padrões (standards) e regulamentos avançados e exigentes. Estes pressionam as empresas no sentido da qualidade e da inovação, assim como podem antecipar tendências internacionais”. Esta ideia segue um pouco a linha da anterior, em que o Estado influencia a competitividade das empresas pressionando-as a elevarem os seus padrões produtivos.
O terceiro factor evidenciado por Michael Porter prende-se com as Indústrias Relacionadas e de Suporte. Neste cabe ao governo fazer “investimentos que criem ou ajudem a criar factores especializados, tais como institutos técnicos e universitários e infra‑estruturas específicas” (Monitor Company, 1994, 104)
Por último, olhemos a intervenção do Governo no âmbito da Estratégia, Estrutura e Rivalidade Empresariais, que é feita a diversos níveis. Fomentando a internacionalização das empresas, nomeadamente através da regulamentação do investimento estrangeiro; da promoção das exportações, através da cedência de benefícios fiscais a empresas exportadoras e através da criação de mecanismos e infra-estruturas que facultem às empresas nacionais o acesso a mercados internacionais. Em matéria de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) o Estado deve ser cauteloso, ou melhor, criterioso, valorizando os investimentos com elevado potencial de produtividade, direccionados para a “produção de produtos transaccionáveis internacionalmente, que utilizem recursos endógenos, que melhorem a cadeia de valor e que fomentem a inovação” (Cadilhe 2003). A Diplomacia Económica desempenha, também, um papel importante, já que funciona como uma ferramenta de abertura de novos mercados, devendo “produzir planos de actividades em função de mercados prioritários e elaborar o perfil de Portugal mais adequado a cada um deles”. A Política de Privatizações constitui também uma forma de influência, por parte do Estado, no paradigma da competitividade. As empresas públicas são, por norma, menos eficazes que as privadas, e neste contexto as privatizações são uma valiosa ferramenta para aumentar a competitividade nacional. Porém, estas privatizações trazem perigos inerentes. “As privatizações (tal como o IDE) acarretam, contudo, uma preocupação (por vezes, infundada) em termos de defesa nacional: a de que aquelas se transformem num processo de transferência de activos para o exterior do país, ou numa entrega de centros de decisão nacionais (CDN) a operadores estrangeiros”. No contexto actual, em que a crise económica abalou os alicerces do Estado, o Governo adoptou uma vasta política de privatizações, onde estão visadas algumas empresas denominadas estratégicas”
Conclusões
Procurou-se, com este trabalho, compreender a nova realidade económica e social que emergiu com a globalização, bem como os riscos e ameaças que daí advêm. A Defesa Económica merece assim especial destaque, dado que a natureza da conflitualidade internacional é, hoje, essencialmente económica.
Os estados têm vindo tendencialmente a perder soberania, e o poder transferiu-se das Nações para as multinacionais e para os mercados. No caso de Portugal, num contexto de forte integração económica na União Europeia, perderam-se algumas ferramentas de regulação do funcionamento da economia, que em análise se traduz num aumento das vulnerabilidades. É também de lamentar que o Conceito Estratégico de Defesa Nacional em vigor não aborde as componentes não-militares da Defesa, e fundamentalmente a Defesa Económica. Deste ponto de vista, parece-nos que o Estado fica vulnerável às ameaças que identificámos. No entanto, apontámos algumas áreas onde o Governo deve intervir, tendo em vista o estímulo da competitividade económica nacional que, como vimos, é absolutamente fundamental para a projecção da mesma. Desta forma, concluímos com uma das ideias patente na introdução: sem uma defesa forte, não há uma economia forte.
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Conceito Estratégico de Defesa Nacional de 2003
Jornal Defesa