Especialista alerta para a falta de conhecimento sobre Tsunamis em Portugal
Maria Ana Baptista dedica-se ao estudo de tsunamis há mais de 20 anos, não é por acaso que diz que “era incapaz de viver num sítio afastado do mar”. No entanto, a especialista do Instituto Dom Luiz, em Lisboa, alerta que “se alguém estiver perto do mar e se ocorrer um sismo, tem de se afastar imediatamente da costa”.
Em Portugal existe risco sísmico. “De sismo temos a certeza que existe, de tsunamis, os mais antigos registos históricos relatam um do ano 60 antes de Cristo, no entanto, num registo geológico há evidência de outros eventos antes desse. Obviamente que se existiu um, outros existiram para a frente e para trás”, afirma a investigadora ao Ciência Hoje.
No século XX “tivemos três sismos de magnitude 8 [na escala de Richter]. Um deles foi a 25 de Novembro de 1941, que ocorreu entre Portugal e a Madeira, de magnitude 8,3, e deu origem a um tsunami. Os barcos no Tejo chocaram uns contra os outros e a água inundou as ruas da foz do Douro. Depois disso, a 28 de Fevereiro de 1969 também tivemos um sismo de magnitude 8, este gerado mais próximo de Portugal Continental. E a 26 de Maio de 1975, ocorreu um outro de magnitude 7,9, que fez estragos nos portos de Açores”, relembra a investigadora.
“O que é importante perceber é que, se um desses sismos ocorrer, hoje em dia, no Verão, é sempre preciso evacuar as praias porque vai gerar correntes fortes e inundar pelo menos a zona da praia”, sublinha. Contudo, “evacuar, por exemplo, toda a zona das praias da Trafaria ou da Costa da Caparica, que são zonas altamente povoadas no Verão, não é tao simples como isso”. Por isso, “as pessoas têm de saber o que fazer e como reagir. É preciso haver conhecimento e acho que é mesmo essa parte que falta em Portugal”, afirma.
Japão relembra 1755
Segundo a cientista, o sismo que ocorreu no Japão, de 8.9 na escala de Richter, no passado dia 11, é comparável com o de Lisboa em 1755, que causou efeitos devastadores devido à onda gigante que gerou, “pois têm magnitudes semelhantes”. Além disso, “as distâncias do primeiro ponto de costa para o epicentro são parecidas, cerca de 130 quilómetros. Também as capitais, Lisboa e Tóquio, estão à mesma distância do epicentro, cerca de 370 quilómetros”. Mas deste sismo apenas “há registo histórico”, pelo que se estima que a magnitude tenha sido de 8,7. O tsunami que gerou atingiu a zona de Oeiras para em seguida avançar pelo estuário do Tejo. “A água avançou 300 metros terra adentro” e uma das zonas mais atingidas foi o Terreiro do Paço.
“Este exemplo do Japão é muito importante porque as pessoas estavam muito bem preparadas”, diz Maria Ana Baptista. “E todos os países do Pacífico tinham um sistema de alerta, portanto as populações foram avisadas. Se bem que na zona próxima pouco se pode fazer para além de fugir, nas zonas mais afastadas é possivel” diminuir os estragos, acrescentou.
De acordo com a especialista em tsunamis, “uma coisa importante a não esquecer é que este sismo vai ter réplicas importantes que podem acontecer ao longo de vários meses”. E “sempre que ocorrerem sismos com magnitude superior a 6,5, com epicento no mar e gerado a uma profundidade inferior a 30 quilómetros dentro da terra, é obrigatório haver uma mensagem”. Esta mensagem pode ser de aviso ou de alerta de tsunami, dependendo da magnitude. “Nem todos os sismos geram tsunamis”, por isso é que por vezes acontece de um alerta não se concretizar como esperado. De qualquer forma, “a mensagem tem de ser enviada e as populações evacuadas se for necessário”.
Evacuação Vertical
Para a investigadora, a nível de prevenção, “é fundamental articular um sistema de alerta, deste faz parte a preparação das populações”. É possível “prever o tempo de chegada de um tsunami à costa e a altura de onda que poderá ter, mas só depois de ocorrer o sismo. Como não conseguimos ainda prever os sismos é essencial perceber o que fazer assim que este ocorre”, explica. “Um dos nossos papéis é convencer as pessoas que é importante estarem educadas para esta temática”, acrescentou.
Se houver, no País, um acontecimento como no Japão, “mesmo que seja um sismo mais pequeno” mas sentido pela população, “as pessoas têm de sair da praia mas deixar as suas coisas, para evitar o caos”. Se houver um tsunami, “os edifícios de betão resistem razoavelmente bem”, mas é preciso que estes tenham evacuação vertical. “Se as pessoas puderem fugir para um ponto mais elevado do edifício isso é o mais importante e se isso estiver previsto nas construções podem salvar-se vidas, porque ninguém vai deixar de estar na praia ou em resorts”. Resumindo, “é preciso dotar as praias de caminhos de evacuação como os edificios de evacuação vertical”, afirma a especialista.
Maria Ana Baptista gosta de viajar e “de estar onde os tsunamis atacam, que é na praia”, revela. “Sempre gostei de estar à beira-mar e era incapaz de viver num sítio afastado do mar, por isso digo que farei sempre tsunami watching”.
Casada e com dois filhos, a cientista contou sempre com o apoio do marido para prosseguir a investigação. “O meu marido é professor na Universidade de Lisboa e teve sempre muito apoio da parte dele tanto na componente de investigação como na componente familiar”.
Actualmente dá aulas de Física Aplicada à Engenharia Civil no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), e exerce investigação no Instituto Dom Luiz. Faz ainda parte do júri do concurso ‘Jovens Cientistas da União Europeia’, cuja última edição ocorreu em Lisboa.
No ano passado, a cientista recebeu um prémio da Tsunami Society International com a menção ‘Outstanding Contributions to Tsunami Research’. A distinção foi atribuída no durante a Quarta Conferência Internacional de Tsunami, que teve lugar em Toronto, Canadá, em associação com a Conferência Americana e Canadiana de Engenharia Sísmica.
O prémio foi uma “menção honrosa” que “significa um reconhecimento da Sociedade Internacional dos Tsunamis para com o trabalho feito para mitigar os efeitos dos tsunamis”, refere Maria Ana Baptista. “Neste sentido, acho que me atribuíram o prémio porque sou o rosto dos tsunamis em Portugal”.
Ciência Hoje