Centro de Instrução na Namaacha
Fausto Lages Proença Garcia
Naquele território, a ideia da criação de uma tropa especializada em contra-guerrilha, foi tomando forma durante a época em que era Comandante da Região Militar o General João Alexandre Caeiro Carrasco. Podemos precisar que já em 1962, altura em que a subversão ainda não se tinha manifestado na sua fase armada, havia já a perfeita noção de que nem todos os militares, sobretudo os quadros, se encontravam mentalizados para o tipo de guerra subversiva que já despoletara em Angola e que se previa eclodiria também em Moçambique.
Este breve artigo, em discurso directo, resulta de um desafio lançado pelo Dr. Lobo do Amaral, Presidente da nossa Associação de Comandos, e está organizado em duas partes, a primeira aborda o curso na Quibala e, na segunda parte, falamos sobre a criação da Especialidade ”Comando” na então Região Militar de Moçambique. Naquele território, a ideia da criação de uma tropa especializada em contra-guerrilha, foi tomando forma durante a época em que era Comandante da Região Militar o General João Alexandre Caeiro Carrasco. Podemos precisar que já em 1962, altura em que a subversão ainda não se tinha manifestado na sua fase armada, havia já a perfeita noção de que nem todos os militares, sobretudo os quadros, se encontravam mentalizados para o tipo de guerra subversiva que já despoletara em Angola e que se previa eclodiria também em Moçambique. Conhecedor de que em Angola se iria proximamente realizar um curso de Comandos, no CI 16 na Quibala-Norte, Caeiro Carrasco resolveu mobilizar para a frequência deste curso os seguintes oficiais:
• Cap. Inf. Flávio Martins Videira, do CCE 313
• Cap. Inf. António Rosado Serrano, do BCLM
• Ten. Inf. Armando Pereira Marcelino, do BCLM
• Alf. Mil. Fausto Lages Proença Garcia, do ER Nampula
• Asp. Mil. José António Marques Jacinto, do CI Inf Nampula
• Fur. Inf. José Granjeio Fragoso, da companhia de caçadores de Vila Manica
• Fur. Cav.. António José Cadete da Silva, da d. Infantaria 162
• Fur. Eng. António Ferreira Vasques, do CCA Nampula
• Fur. Cav. José Maurício Teixeira, do ER Nampula
• Fur. Inf. Jacinto António Rodrigues, do Batalhão de Caçadores de Lourenço Marques (BCLM)
• Fur. Inf. João Gonçalo Raínha, do CCE 313
• 1º. Cabo 55/61/RD Joaquim Afonso Moreira, do B. Caç. Porto Amélia
Não nos foi explicado qual o motivo da escolha – presumimos que teve por base informações das respectivas Unidades – e também porque a maioria já tinha frequentado na Metrópole, em Lamego, o então curso de Caçadores Especiais, a quem era atribuída uma boina castanha. Juntámo-nos no Quartel-General (QG) em Lourenço Marques, onde aí sim, o General nos explicou a missão de que nos incumbia, da sua importância, dificuldade e perigo, mas também da esperança que em nós depositava para a constituição de um Centro de Instrução de Comandos na Região Militar de Moçambique, a criar após o nosso regresso.
No dia do embarque, o General veio despedir-se de nós fazendo mais uma intervenção sobre a importância e perigos da missão e da novidade e utilidade dos Comandos em missões de contra-subversão, para o que a maioria das unidades não se encontrava preparada, uma vez que a abordagem da instrução a que eram sujeitos na Metrópole era ainda a como de uma guerra clássica se tratasse. Chegados a Luanda fomos recebidos por uma delegação do QG, onde nos conduziram, e onde fomos também recebidos pelo General Comandante. Ficámos em Luanda cerca de oito dias, após o que fomos integrados numa coluna de reabastecimentos com destino ao Ambriz, onde ficámos uma noite. Na manhã seguinte, fomos convenientemente armados, pois a coluna de reabastecimentos dirigia-se à Quibala. A picada, por onde seguimos, ladeava a famosa mata da Sanga e aqui, os ataques do inimigo eram frequentes. Pelo caminho foram inúmeras as paragens para se efectuarem reconhecimentos e depois continuarmos. Chegámos à Quibala sem incidentes de maior. Tinham sido designados Comandante e Instrutores do Centro oficiais com larga experiência e provas dadas em combate; alguns deles tinham estado na CI 21 (Zemba). Entre eles recordo o Comandante Maj Inf Adelino Antunes de Sá; os Cap. Art Gilberto Santos e Castro e Júlio de Oliveira; o Ten. Mil. Cav. Álvaro Manuel Alves Cardoso; os Ten. Mil. “Comando” João Vieira Pereira e Jaime Adolfo Abreu Cardoso e, ainda, o Ten. Médico António Resina Rodrigues; todos eles agora bem conhecidos de todos os Comandos. A instrução teve início a 15 de Junho de 1963 e durou até 15 de Setembro do mesmo ano, tendo sido atribuída a insígnia Comando a todos os elementos do grupo vindo de Moçambique.
A nossa presença no CI 16 trouxe um conjunto de preocupações ao comando, pois, tal como hoje, não é de ânimo leve que se planeia a instrução de oficiais e sargentos. A instrução foi idêntica à dos grupos de combate anteriores tendo sido acrescida a informação sobre os meios, os sistemas, os processos e métodos seguidos pelo Inimigo. Tínhamos também a chamada informação geral, com palestras de carácter político e de estudo da evolução da guerra que suportávamos.
Devo aqui realçar que o chefe da nossa missão e futuro comandante do Centro de Instrução da Namaacha, foi gravemente ferido em combate por um estilhaço de granada que o atingiu na cabeça, tendo sido evacuado para a África do Sul.
Pairava sobre o curso a ideia de que a personagem enigmática de Dante Vachi, jornalista italiano, talvez repórter de guerra, aventureiro e ao que se dizia ao serviço do Paris Match, com experiência na Argélia e na Indochina. Este terá influenciado as chefias militares no sentido de se reformularem os métodos de actuação nacionais.
Tinha já estado em Nóqui onde fizera umas experiências com bons resultados, não só tácticos como também psicológicos.
Nesta última área recordo a influência dos cartazes espalhados pelo aquartelamento, cartazes figurativos, entre eles um muito sugestivo, pois era um soldado russo a roubar o mapa de Angola, além de outros com frases políticas com idêntico significado.Durante a noite as camaratas eram invadidas por música com marchas militares, que apelavam à mentalização para o combate. Este tipo de mentalização, juntamente com palestras de teor idêntico, deram naturalmente os seus frutos, que se concretizavam no cada vez maior empenho dos instruendos.
De regresso a Moçambique, e apresentados no QG em Lourenço Marques, foi o Capitão Videira encarregado de dar início à formação do Centro de Instrução de Comandos na Namaacha.
Daí partimos, pelo menos um grupo de três elementos, para fazer o recrutamento de voluntários em todas as Unidades da província. Os oferecidos eram logo sujeitos no local a provas de selecção. Os mais de 200 apresentados, foram reduzidos para 80 que iniciaram a formação; chegaram ao final 51 Comandos, que foram distribuídos por dois grupos de combate, os Vampiros e os Sombras. O Curso teve a duração de 5 meses e decorreu de 17 de Fevereiro a 17 de Julho de 1964.
Saliento que nem em todas as Unidades por onde passámos, para a 1ª. selecção, fomos bem recebidos, dado que os seus comandantes receavam ficar sem os melhores elementos.
Na recepção aos novos elementos, o Capitão Videira, na sua alocução, chamou a atenção de todos que o viver perigosamente seria o lema; que a vida seria dura, com riscos, com sacrifício de toda a ordem, sem horários de qualquer natureza durante as 24 horas; que seriam forçados a viver em instrução por períodos superiores a um dia e forçados a viver durante a noite. Preveniu também para os aspectos disciplinares, o atavio, a limpeza da arma, companheira de todos os momentos do combatente.
O curso tinha a seguinte carga horária como referência:
Matérias - Horas
Tiro - 111
Educação física - 201
Técnicas de combate - 200
Armamento - 54
Ordem unida - 27
Segurança - 5
Ligação/transmissões - 31
Sapadores - 37
Navegação terrestre / fotografia - 24
Esclada - 18
Sobrevivência - 24
Primeiros socorros - 24
Formação geral, informação, doutrina e aventura - 24
A preparação física, as técnicas de combate e o tiro foram as actividades de maior relevância durante o curos. As técnicas de combate, desde o cerco, à emboscada e à reacção a esta, tal como na Quibala eram teoricamente apresentadas e praticadas nas proximidades do aquartelamento, sendo posteriormente postas em execução no combate real frente ao inimigo, sendo a progressão debaixo de fogo uma constante.
Todas estas práticas eram executadas com tiro real, tanto pelos instrutores como pelos instruendos, daí a importância da prática do tiro. A carreira de tiro estava sempre em funcionamento, mesmo fora das instruções normais, para que todos pudessem praticar livremente sem qualquer limitação de munições.
Além do tiro ao alvo era muito praticado o tiro instintivo.
A sobrevivência também foi implementada e, não era raro os instruendos, na sua digressão longe do aquartelamento ou aglomerados populacionais, cozinharem cobras, lagartos, etc., que apanhavam quando a fome já apertava. Para este tipo de instrução prática não havia ração de combate.
O silêncio absoluto, o evitar de qualquer ruído no meio do capim que envolvia os trilhos, onde se iam praticar as técnicas era uma exigência permanente. A quebra de qualquer destas regras imediatamente fazia abortar o exercício, tal como se aprendera e praticava na Quibala.
Foi ainda dada enorme importância à formação geral e à doutrinação, para tornar conscientes os instruendos das causas porque se batiam e arriscavam a sua vida. Era uma formação pioneira de que de uma forma geral careciam as restantes tropas.
Os apelos à combatividade e à agressividade eram uma constante, daí terem saído da instrução dois excelentes grupos de comandos, que depois deram provas já com a subversão e a guerrilha instaladas em Moçambique.
No exercício final do curso, presidido pelo General Caeiro Carrasco, organizou-se uma escolta à alta entidade por um comboio de viaturas, que ao longo do percurso foi entrando em acção nos pontos mais perigosos e até chegar ao local do exercício.
Durante o exercício, o tiroteio surpreendia e os Comandos tomaram rapidamente as suas posições e ripostaram ao presumível inimigo. Progrediram os instruendos debaixo de fogo real, ripostando com o lançamento de granadas até desalojar o inimigo, finalizando com um assalto à posição de onde partiram os tiros. Houve também rapel, de um penhasco com 50 m de altura, transposição de obstáculos naturais, slide sobre um curso de água, etc., etc.. Já na parada
do aquartelamento, e perante diversas autoridades militares e civis, foram impostas as insígnias bem como a boina vermelha amaranto e um punhal kris(punhal malaio de lâmina ondulada), aos militares com aproveitamento.
Lembro aqui os comandantes dos grupos de combate; Alf. Mil. Comando António Mayer Cabral Sacadura, Comandante dos Vampiros e o Alf. Mil. Comando José Alexandre Gafarot D’Almeida, comandante dos Sombras, que pelo seu grande empenhamento e exemplo muito contribuíram para o êxito do curso.
Também frequentaram o curso o Alf. Mil. Manuel António Pereira de Sousa Serôdio, o Alf. Mil. António Manuel Sestelo Sequeira e o Alf. Mil. Cav. Câmara Pina, que organicamente não pertenciam a qualquer grupo.
O Alf. Serôdio, a seu pedido e em operações, integrou um dos grupos. Ao que julgo saber, foi ferido em combate.
Frequentaram também o curso diversos elementos da Força Aérea, nomeadamente dos Paraquedistas e da Polícia Aérea.
Na Namaacha, nasceram assim, os dois primeiros grupos de Comandos de Moçambique que no norte do território e em combate foram fortemente elogiados e louvados pela sua coesão e destreza.
Em 1966, regressaram à Metrópole, tendo sofrido baixas em combate pouco significativas, ao que julgo saber, duas ou três.
MAMA SUME
*Ex-Alferes Milº. Cavª. “Cmd”