Boa noite!
O governo português hoje resolveu um "nim". Não disse não à participação, mas colocou quatro questões, que são compreensíveis e ganhou tempo.
No entanto parece-me que as duas questões fundamentais que ainda estão em aberto são:
1ª O envio ou não;
2ª em caso de envio, o que enviar;
Quanto à primeira questão, podemos tentar especular e conjecturar das razões contra e a favor (afinal, este fórum serve para esse tipo de dissertações, não?). No entanto há vários factores que pesam na balança de "custo-benefício" que não são somente, mas são fundamentalmente de ordem política:
- A favor, o facto de no centro da força de intervenção estar a UE e Portugal aproximar-se do seu semestre de presidência - não participando na missão poderá perder alguma força no que respeita à gestão dos assuntos do Líbano. Não é importante na gestão da própria força, mas torna-se importante na medida em que é uma área em que Portugal evitará tocar
- Contra, o facto do comando ser italiano, que pode pesar no sentido de que houve duas experiências anteriores, na Bósnia em 96 e no Iraque com a GNR que, formalmente correram "bem", mas na realidade decorreram com grandes atritos - os portugueses não se subordinam bem a italianos que são um pouco desorganizados, nem os italianos entendem os portugueses como tropa eficiente;
- Contra, a realidade de que a nossa capacidade de projecção, pelo menos de forças terrestres e navais se encontrar já muito distendida nos teatros actuais, ao mesmo tempo que já estamos na lista dos 15 maiores contribuidores das missões da ONU (DN de 22AGO). A acrescer que uma retracção de dispositivo com consequente projecção para outro teatro é uma manobra igualmente dispendiosa e que para mais depende de meios de projecção aliados (aviões e navios), ou civis fretados;
-Contra, o facto do nosso país não ter uma agenda que pressuponha interesses directos no médio oriente e, mesmo que tivesse, os interesses dos países com peso real na cena mundial sobrepor-se-iam sempre;
- Alguns factores mais, provavelmente com pesos muito superiores a cada um dos enunciados anteriormente, desconhecidos, alguns também, que resultam de pressões diplomáticas, etc.. Apesar de ter apresentado mais exemplos contra do que a favor, a verdade é que nenhum é efectivamente decisivo. Daí que o estado português tenha feito o que devia fazer: ganhou tempo, vai poder esclarecer melhor a situação e ter mais condições para decidir.
Quanto à segunda questão de, em caso de envio, o que enviar, parece-me que o facto já mencionado de estarmos bem cotados na ONU como um dos 15 países que mais tem contribuido pode pesar na decisão. enviar algo, sim, mas que não se trate de um contingente terrestre de manobra. Parece incrível, mas é importante não esquecer as missões em Angola e Moçambique - UNAVEM e ONUMOZ - Timor, Afeganistão e Balcãs (apesar destes últimos terem muito tempo dependido de mandatos conferidos à NATO, mas igualmente sob os auspícios mais ou menos consentidos da ONU), todas estas constituídas por forças de escalão batalhão e/ou companhia. Além disso há todas as missões de observação, que devem totalizar entre 15 e 20 teatros, desde a MINURSO, no Sara Ocidental, ao Burundi, etc.. De tudo isto parece-me aceitável que Portugal contribua com unidades de apoio de serviços e não de apoio de combate, que podem muito bem ser sanitárias, por exemplo. Parece-me a mim e parecerá à comunidade internacional, confrontada com estas estatísticas.
Por último, há um raciocínio que deve igualmente ser tido em conta.
Até agora, quem mais ganhou com a situação do Líbano, foi o Irão, aliás, o Irão provocou esta situação, dado que controla esta situação. O Hezbolah, que se movimenta com liberdade total no sul do Líbano, mas como qualquer guerrilha depende da população (para os esconder, alimentar, etc.), não desataria a bombardear Israel se o resultado final não fosse claramente a favor dos Xiitas, até porque a resposta israelita poderia contribuir para a diminuição do apoio que essa mesma população dá ao movimento. Por essa razão, o ataque foi sempre limitado, a fim de provocar uma resposta de Israel. Os mísseis do Hezbolah duraram o tempo que a comunidade internacional demorou a reagir e o tempo suficiente para Israel, ao fazer 10 vezes mais vítimas do lado libanês, poder ser apontado pelos países árabes como uma ameaça não só latente, mas actuante, contra a sua segurança. A manobra foi bem executada e atingiu os seus fins. As perdas do lado libanês foram compensadas com dinheiro distribuido às famílias (oriundo do Irão), com uma reentrada da Síria na cena política e com o aumento do apoio islâmico ao Irão. O Irão ganhou força na medida em que tem mais uma "razão legítima" para continuar com o seu programa nuclear - Israel é potência nuclear e provou estas semanas que é perigoso. O Irão argumentará que é necessário tornar-se potência nuclear para equilibrar as forças. Nisto será apoiado pelos países árabes que estavam renitentes (à excepção talvez do Egipto e da Arábia Saudita). O Irão desencadeou exercícios militares convencionais desde o fim-de-semana passado. A partir daqui, à semelhança dos Sérvios na Bósnia ou dos alemães antes da II Guerra Mundial, vai fazer uma pausa, deixar todos respirar, esperar a reacção internacional, deixar acalmar um pouco e depois dar o próximo passo. E o próximo passo é já também uma vitória do Irão: conseguiu colocar mais uma força internacional ao alcance dos seus mísseis e dos seus terroristas, incluindo suicidas. Abriu uma nova frente sem se incomodar muito e sem trazer forças internacionais para o seu próprio território. Mesmo que não haja ataques directos à força de interposição entre o Hezbolah e Israel (e isto dependerá da força do mandato, ou seja, dos "agreements" das partes, que não me parecem ser muitos), há sempre a possibilidade do Irão lembrar que Israel e a malta da ONU aí colocada, está ao alcance dos seus presumíveis mísseis, em breve nucleares (à semelhança, claro está, do pessoal que está no Iraque e no Afeganistão). O Irão, sozinho, em poucos meses poderá ameaçar três teatros onde estão forças ocidentais e nem sequer vai precisar de ter terroristas suicidas e artistas do género. Os soviéticos e os americanos mantiveram assim uma Guerra Fria, mas o Sting, profético, admitiu que os russos amavam as suas crianças, o que felizmente era verdade. Já não é verdade quanto aos iranianos. Pelo menos enquanto acreditarem que sendo mártires serão libertados. Vivem no séc XIV da sua existência muçulmana e os ocidentais no séc XIV da sua existência cristã também queimavam bruxas e matavam o infiel sem perguntas.
Em resumo: ao colocar mais forças num teatro do médio-oriente, Portugal aumenta o número de cidadãos nacionais sob ameaça latente, em breve nuclear. Não me parece haver necessidade.