« Responder #921 em: Janeiro 03, 2023, 12:51:23 pm »
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O discurso de Ano Novo de Vladimir Putin, confirma que o círculo do poder do Kremlin raciocina segundo uma visão conspiratória do mundo e, face ao evidente declínio demográfico, tecnológico e económico (resultante da previsível perda de importância do seu principal produto exportador, a energia) entendeu há quase um ano ser o momento para jogar a última cartada, invadindo a Ucrânia.
A ideia era apoderar-se deste país e dos seus recursos materiais e humanos, ganhar dimensão e, a breve prazo, reconstituir na medida do possível o Império Soviético.
O momento pareceu adequado a Vladimir Putin, porque o Ocidente vinha dando provas de tibiez, os EUA acabavam de retirar desastrosamente do Afeganistão e a dependência energética impediria, segundo a análise do Kremlin, que os líderes ocidentais fizessem algo mais que emitir denúncias protocolares e decidir sanções simbólicas.
E provavelmente teria sido exactamente assim, se o Exército russo tivesse alcançado os seus objectivos em alguns dias, como estaria planeado.
Mas que o avanço militar russo não seria um passeio ao luar, era evidente aos olhos de quem estava mais atento e a liderança ucraniana fez a diferença, não claudicando e, pelo contrário, mobilizando e assumindo a resistência.
A invasão da Ucrânia mudou o status quo das relações internacionais e o que agora se joga é, na visão de Putin, ou a vitória e a manutenção da Rússia como superpotência mundial ou a derrota e o inevitável deslizar para o plano secundário que a demografia, a tecnologia e a economia reservam ao país. Acreditando ou não no que diz, no seu discurso Putin retrata a Rússia como a vítima da agressão e das sanções ocidentais, uma inversão da realidade que provavelmente se destina a preparar o povo russo para uma eventual mobilização geral e a transformação da Rússia num país em estado de guerra, a exigir braço forte à moda de Estaline.
Ao fazer o discurso rodeado de militares, Putin está a dizer aos russos que o país está em guerra e é necessário tomar “ decisões difíceis e necessárias para ganhar a plena soberania da Rússia”, face ao Ocidente que, segundo ele “se estava a preparar para a agressão”, “usando cinicamente a Ucrânia e seu povo para enfraquecer e dividir a Rússia”.
Ainda na linha propagandística habitual, Putin acusa o Ocidente de apoiar “neonazis” o que, na retórica do Moscovo, significa a liderança ucraniana.
Putin subinhou que 2022 foi um ano difícil, porque o país foi obrigado a lutar pelo futuro. Para ele, de forma algo paradoxal, o mesmo Ocidente que conspira para destruir a Rússia, está em declínio e trata-se apenas de acelerar esse declínio, criando uma ordem mundial que terá o Ocidente do lado mau e a Rússia e outros regimes autoritários do lado “certo”.
Torna-se claro na sua mensagem, que a Rússia se divorciou do sistema internacional tal como estava estruturado até agora e não tem sequer a pretensão de fingir que se preocupa com o direito internacional e o Ocidente.
Para já, o Ocidente parece não ter pestanejado.
Na sua diabolização do Ocidente, Putin acusa-o de impor sanções contra a Rússia, como se não tivesse sido ele quem desencadeou a crise e provocou as sanções pelas quais agora culpa o Ocidente. Com isto pretende, evidentemente, justificar as dificuldades que se avizinham para o povo russo, a sofrer paulatinamente uma degradação da sua qualidade de vida e sem acesso a bens e serviços a que se tinha acostumado. As sanções, na retórica de Putin, são um acto de guerra que exige que o país lute pelo seu futuro, e se torne “um exemplo inspirador para outros Estados que lutam por uma ordem mundial multipolar justa”.
O que significa esta retórica para os próximos tempos?
Embora não ignore que foi a Rússia que escolheu invadir a Ucrânia, tanto em 2014 como em 2022, os meios de comunicação russos vêm crescentemente culpando o Ocidente de preparar e empurrar a Ucrânia para a guerra, obrigando a Rússia a fazer uma espécie de ataque preventivo, obviamente para preparar o terreno para o que aí vem.
O Ocidente é pois o grande inimigo da Rússia, na visão conspiratória, paranóica e megalómana de Putin.
Os dados estão lançados e a única questão agora é se a aposta de Putin terá a necessária resposta do Ocidente.
No terreno, neste preciso momento, nenhuma força parece estar em condições óptimas para levar a cabo manobras ofensivas decisivas, pelo que há que fazer um exercício prospectivo do que, considerando as actuais circunstâncias políticas e diplomáticas como estáveis, poderá acontecer no ano que se avizinha.
A Rússia, apanhada pelo inverno a meio de uma campanha que esperava ter resolvido muito antes, tem estado a cavar trincheiras para aguentar o inverno que falta. Os ucranianos, mesmo estando estão mais bem equipados e motivados para continuar, também têm estado a abrandar. Mas têm todas as razões lógicas para não perderem a iniciativa que tinham conquistado no dealbar do Outono, pelo que é provável que tentem pelo menos manter a pressão no Donbass, já que na zona de Kreminna e Svatove, estão muito perto de uma penetração que pode empurrar as forças russas algumas dezenas de quilómetros para este, de volta à próxima linha defensiva natural, perto de onde lançaram a invasão, há quase um ano.
Saberemos brevemente se as forças ucranianas irão forçar este avanço.
Quanto à Rússia, já terá na zona de combate cerca de metade dos 300.000 soldados mobilizados. Quando chegar o resto, juntamente com as forças retiradas de Kherson, é imperativo que tente lançar uma ofensiva, preferencialmente na primavera, após a relativa hibernação provocada pelas típicas condições meteorológicas do Teatro de Operações.
Os russos poderiam tentar um grande avanço para Pavlograd para cercar as forças ucranianas no Donbass mas, dada a cada vez menor capacidade blindada, o mau treino, e as dificuldades logísticas, o mais provável é a continuação das actuais tácticas de atrito, com artilharia a fazer intensas preparações, seguidas por lentos, frontais e custosos avanços de infantaria mal preparada, para empurrar os ucranianos metro a metro para fora do Donbass.
No sudoeste é provável que se mantenha para já a pausa que se seguiu à recuperação de Kherson, dada a dificuldade, de ambas as partes, em executar uma travessia do Rio Dniepre com grandes unidades.
Mas a possibilidade de Kiev lançar, de surpresa e preventivamente, uma ofensiva em direcção ao Mar de Azov não pode ser descartada. Uma tal manobra, se bem sucedida, será decisiva para o destino da guerra, porque cortará a continuidade e as linhas de comunicação das forças russas a sul e isolará a Crimeia. Com alguns reforços em carros de combate, viaturas de combate de infantaria e artilharia, a Ucrânia pode forçar um cenário deste tipo, obrigando a Rússia a reconsiderar a diferença entre olhos e barriga.
Para já Putin deixou claro que não vai parar, a Ucrânia esclareceu que lutará até atingir os seus objectivos e a única variável nesta equação é o apoio do Ocidente, que começou tíbio e temeroso, mas foi crescendo à medida da magnitude do ataque russo. É previsível que deixe cair brevemente todos os caveats, porque os líderes ocidentais já começaram a perceber que o que aqui se joga é o seu próprio futuro e a sua liberdade de viver sem ameaças nas fronteiras.
Prevejo que brevemente sejam fornecidos à Ucrânia, não só quantidades razoáveis dos meios referidos antes, mas até aviões de combate de 4ª geração.
A vitória ucraniana, neste momento vital para o Ocidente, será determinada pela velocidade com que os países ocidentais entreguem estes sistemas de armas.
Este inverno será difícil e a estratégia russa é basicamente atacar as infraestruturas ucranianas para tentar quebrar o moral e a resistência da população, levando-a a ceder e a derrubar a liderança ucraniana. O que estamos a ver até agora é que a resiliência ucraniana parece à prova dessa estratégia e os meios que a Rússia dispõe para a prosseguir já começam a escassear, segundo algumas fontes.
As perspectivas de negociação são sombrias, já que os objectivos de russos e ucranianos são, por agora, inconciliáveis. Nem a Rússia quer retirar-se do território ucraniano, nem a Ucrânia quer ceder parte do seu território.
Como evoluirá, então?
Os custos da guerra, tanto materiais quanto humanos,podem abrir fracturas nas elites russas. É o que costuma acontecer quando há erros de cálculo, mesmo sendo a Rússia um país autocrático. Foi isso que aconteceu aos EUA no Vietname e à URSS no Afeganistão.
Mas como a actual liderança russa tem a clara noção de que qualquer vacilação ditará provavelmente o seu fim, algo terá de acontecer no terreno, que torne clara para as elites mais racionais, a impossibilidade de continuar. Isso só pode acontecer se a liderança ucraniana mantiver a vontade de resistir e o Ocidente permanecer determinado no apoio à Ucrânia, face ao aumento das pressões domésticas ligadas aos custos da guerra.
De qualquer modo ainda é muito cedo para começar a organizar um desfile de vitória em Kiev.
Pessoalmente acredito que o momentum ainda está do lado ucraniano e provavelmente em 2023 isso irá desenhar-se com nitidez. Se em Janeiro conseguir lançar uma ofensiva vencedora, dará um passo de gigante para provocar a derrocada russa e criar as condições para que esta guerra termine em 2023.
Saberemos brevemente, e o que acontecer nos tempos mais próximos será determinante no modo como esta guerra vai evoluir em 2023.