https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2020-11-30-mutacao-do-sars-cov-2-pode-explicar-porque-paises-que-ultrapassaram-bem-a-primeira-vaga-estao-aflitos-com-a-segunda/Mutação do SARS-CoV-2 pode explicar porque países que ultrapassaram bem a primeira vaga estão aflitos com a segundaUma mutação no genoma do novo coronavírus – cuja origem remonta para o Este da China em janeiro deste ano - pode explicar o porquê de um mesmo país ter lidado bem com a Covid-19 numa primeira fase, de depois falhar uma resposta adequada meses mais tarde. Segundo os cientistas, o SARS-CoV-2 já sofreu centenas de transformações
À medida que procura novos hospedeiros por todo o mundo, o coronavírus responsável pela Covid-19 sofre mutações. À semelhança de um texto, em que a soma de pequenos erros pode resultar na numa informação completamente diferente da intencionada, a sequência genética do novo coronavírus foi-se alterando continuamente até produzir uma nova variação do SARS-CoV-2. Ao contrário do que se possa pensar, a maioria destas pequenas mutações são inofensivas, na medida em que não têm qualquer impacto no comportamento do novo coronavírus.
Este não foi o caso de uma mutação silenciosa que, de acordo com novos estudos, permitiu ao vírus disseminar-se mais facilmente de pessoa para pessoa. O aumento do nível infeccioso do SARS-CoV-2 formou a tempestade perfeita para uma pandemia ainda sem fim à vista.
A mutação em questão – conhecida no mundo científico como a 614G – surgiu no Este da China em janeiro deste ano e, em poucos meses, foi ganhando terreno no continente europeu e nos EUA. Em comparação com outras mutações, a 614G tem um poder infeccioso superior. Apesar da sua rápida velocidade de propagação, esta mutação não causa sintomas mais severos, nem tem um impacto considerável no número de óbitos.
Durante largos meses, a comunidade científica mostrou-se reticente à possibilidade de uma mutação conseguir produzir efeitos tão claros no índice de transmissibilidade do novo coronavírus. Segundo alguns cientistas, a 614G era tão infecciosa quanto a mutação anterior, a 614D, e, por uma questão de “sorte”, foi capaz de viajar da China para ambientes mais suscetíveis à rápida propagação da Covid-19, como foi o caso do norte de Itália.
Um nova pesquisa laboratorial – conduzida pelo Consórcio de Genómica de Covid-19 do Reino Unido – mostra como a mutação 614G tem uma vantagem em termos de velocidade de transmissão, que a tornou a variante global maioritária.
Uma “matrioska”
De acordo com os cientistas, desde o seu aparecimento, o SARS-CoV-2 sofreu centenas de transformações. A variante original da Covid-19, observada na cidade de Wuhan no surto que apanhou a China de surpresa em finais de 2019 era já altamente infecciosa. No espaço de poucas semanas, o que parecia uma pneumonia atípica atingiu centenas de chineses – um número que só não foi maior devido a incoerências no registo da doença. No entanto, a mutação 614G parece ter contribuído para um ainda maior aumento da dimensão pandémica do novo coronavírus.
Os dados recolhidos pelo Consórcio do Reino Unido, publicados na revista científica Cell, ajudaram a concluir que o impacto da mutação 614G na população britânica foi consideravelmente superior ao imposto pela antecessora.
Com o apoio de uma considerável base de dados que reuniu mais de 27 mil sequências do genoma do novo coronavírus (que inclui as mutações 614G e a “irmã-mais-velha” 614D), a equipa britânica foi capaz de fazer uma comparação lado-a-lado.
“Quando olhamos para ambos os conjuntos, vemos como a variante G cresce mais rapidamente”, disse Erik M. Volz – um dos autores do estudo e investigador do Medical Research Council Center for Global Infectious Disease Analysis no Imperial College London, ao The New York Times.
Uma equipa norte-americana, liderada por Ralph Baric um professor da Universidade da Carolina do Norte, corroborou as descobertas de Volz. Após ter testado vírus vivos com ambas as variantes, a equipa descobriu que a mutação 614G era mais infecciosa em amostras do trato respiratório.
Um terceiro estudo, publicado na revista científica Science, verificou o mesmo fenómeno em animais. Com base numa experiência em que um hamster infetado foi colocado perto de um não infetado – com uma distância considerável de alguns centímetros – a equipa de investigadores observou que, ao final de dois dias, um total de cinco em oito hamsters com a variante 614G tinha infetado o seu par. Já nos hamsters que possuíam a variante anterior, a 614D, não se verificou o mesmo. Uma vez que os hamsters não tinham contacto direto, os cientistas concluíram que a transmissão tinha decorrido através do ar, sob a forma de gotículas ou aerossóis.
Algo que venho a dizer há já algum tempo. Cada nova infecção aumenta a probabilidade de mutação do vírus. Cada nova mutação do vírus aumenta a probabilidade de aumento da taxa de letalidade do vírus.
Por isso é que a teoria de que deixar andar a doença sem controlo até atingir a imunidade de grupo é completamente ignorante dos princípios mais básicos da virologia.