Síria. Quatro anos de conflito
Alexandre Reis Rodrigues
Há alguns dias atrás, o vice chefe do Estado Maior das Forças Armadas israelitas dizia que o Exército sírio, para efeitos práticos, tinha deixado de existir. A verdade é que o próprio País também não está longe desse desfecho. O que o regime controla não é mais do que a faixa territorial em que se concentra a comunidade alauita, entre Damasco e a costa, passando por Homs.
Aí, que é onde se decide a sobrevivência final da comunidade em que Assad se apoia, há recursos militares para resistir a um assalto mas sobre o resto do País o controlo vai-se consolidando em várias outras mãos sem que nenhuma delas tenha uma clara vantagem sobre as restantes.
Grosso modo, para sistematizar, podemos dizer que a norte o poder divide-se entre o chamado “Army of Conquest” que apoiado pela Turquia, Arábia Saudita e Qatar
tomou, em maio, a cidade de Idlib, e a fação Jahbat al Nusra, ligada à al Queda. A sul prevalecem as fações moderadas que os EUA apoiam e a Leste predomina o ISIS que conseguiu estabelecer uma espécie de contínuo com os territórios que controla no Iraque.
A agonia do País acentua-se porque ao fim de quatro anos de um conflito, que começou por ser uma insurreição popular e se tornou numa guerra civil, nem sequer foi possível encontrar um quadro de discussão para uma solução política. Nenhuma das partes dá qualquer sinal de disponibilidade para fazer concessões, o que é indicação de que vêm mais vantagens em continuar a lutar para consolidar e alargar as suas conquistas. A continuar assim, sem que nenhuma parte ganhe ascendente claro que leve as outras a negociar, o caminho inevitável é o da desintegração do País e o subsequente agravamento da já muito difícil situação do Médio Oriente.
Assad, que tem que lutar em várias frentes, terá ainda algumas esperanças que, na falta de qualquer outra solução, os EUA façam uma inversão política de 180º e apoiem o seu regime, ainda que, eventualmente, personalizado em alguém menos marcado pela crise. Só pelo facto de ainda não ter sido derrotado, Assad considera-se vencedor.
A complexidade da situação não é apenas interna. Externamente, entre as potências que se envolvem no conflito há divergências insanáveis que impedem uma frente comum no combate à crise. Presentemente, os EUA preocupam-se primariamente com o ISIS mas mais sob a perspetiva do impacto que a sua posição na Síria possa ter sobre o Iraque. No Iraque sempre têm a esperança que o Exército iraquiano se constitua como parceiro fiável dessa luta. Na Síria não têm qualquer parceiro com quem possam eficazmente estabelecer uma cooperação.
A Arábia Saudita e a Turquia estão “fixadas” na deposição de Assad, um objetivo que os EUA deixaram de encarar como solução por falta de alternativa. O Irão empenha-se em fazer sobreviver Assad, com dinheiro, armamento e militantes (em especial do Hezbollah, do Corpo de Guardas Revolucionários e milícias xiitas) e recusa a ideia americana de que cativar as fações sunitas moderadas é essencial para o combate ao ISIS. A Rússia parece ter deixado de assumir um papel relevante na defesa de Assad, presumivelmente porque querem deixar abertas outras portas para conservarem a sua influência, e em especial, as facilidades de apoio naval em Tartus, qualquer que seja o desfecho.
A não haver desvios de padrão do que são geralmente estes tipos de conflitos, teremos a continuação da guerra por mais três a seis anos durante os quais as partes envolvidas, não conseguindo tomar conta do poder central, optarão pelo separatismo ganhando autonomia para a região que controlam.
Poderia não ser assim se houvesse uma clara e firme vontade externa para intervir. Não há, quer da parte dos EUA – os únicos com os meios necessários - , quer ao nível regional por diferenças políticas e manifesta falta de capacidades. Esperemos que haja, pelo menos, empenho em gerir a instabilidade instalada no sentido de não a deixar agravar. Infelizmente, isso nunca chegará para evitar mais destruição, mais mortes e mais afastamento da possibilidade de um dia o Médio Oriente conseguir viver em paz.
Jornal Defesa