PORTUGAL VAI TER QUE INVESTIR MAIS NA DEFESA NACIONAL
É inevitável. Portugal vai ter que abrir os cordões à bolsa
NATO e União Europeia - que pede "um salto quântico - pressionam e reivindicam mais dinheiro. A meta dos 2% significa 4 mil milhões, quase o dobro do atual investimento.
As "exigências" são claras e estão vertidas na terceira versão da Bússola Estratégica para a Segurança e Defesa da UE (documento guia da política externa e de segurança europeia) que hoje junta em Versalhes, Paris, numa reunião informal, chefes de Estado e de governo dos 27: "Gastar mais dinheiro com as capacidades militares (...), investir nas inovações tecnológicas de defesa (...), criar um hub de inovação na defesa (...), reduzir as dependências tecnológicas e industriais".
O documento, com mais de 40 páginas, que detalha as várias propostas que hão de servir de orientação da política externa e de defesa para os próximos oito anos, sublinha as "mudanças geopolíticas" [em particular a estratégia de Putin de alargar as suas "esferas de influência" e o "rival sistémico" chamado China ] que estão a "desafiar" a capacidade europeia de defender os seus "interesses".
A solução é um "salto quântico" para enfrentar quem, como o líder russo, para além dos ataques "militares" usa "táticas híbridas" (conceito alargado que abrange no limite atos considerados de terrorismo), de "coerção energética, ciberataques, manipulação e retórica nuclear agressiva".
Um "salto" que pede o reforço de verbas e a criação até 2025 de uma força militar de intervenção rápida e o aumento das missões civis e militares que implicam mudanças nas estruturas de controlo e comando.
"É uma inevitabilidade", garante Martins da Cruz, antigo ministro ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo embaixador de Portugal na NATO, porque "a Rússia atingiu mortalmente o sistema de defesa europeu".
"O que significa que o governo, provavelmente já este ano mas sobretudo no Orçamento de Estado do ano que vem, vai ter que compatibilizar três coisas: as sequelas da pandemia e os gastos sociais e sanitários que implicou e vai continuar a implicar; as consequências económicas e sociais graves desta guerra que ameaçam tornar mais assimétrica a sociedade portuguesa, o governo têm prevenir isto; e terceiro, aumentar as capacidades de defesa e segurança que nos estão a ser pedidas desde o presidente Obama e agora pela União Europeia", afirma.
Francisco Seixas da Costa, antigo secretário de Estado e embaixador de Portugal na ONU e OSCE, considera que "vai inevitavelmente haver um repensar do esforço [financeiro] face à NATO e um repensar na União Europeia das verbas alocadas para a segurança e defesa e isso vai implicar por parte do estado português uma revisão da distribuição de verbas para a defesa. Mas há aqui um elemento de natureza estratégica global que Portugal tem que assumir. Portugal não pode ser menos solidário na alocação de verbas do que os outros países pelo facto de não estar muito próximo da zona de conflito".
No caso europeu "tudo poderá depender", afirma, de "um acordo sobre as perspetivas financeiras, da percentagem do PIB que vai para as despesas europeias. E aí teremos uma palavra a dizer nessa alocação de verbas. Já houve um debate sobre se as despesas militares deviam ou não contar para o PIB para efeitos dos critérios de convergência, mas não acredito muito que haja uma flexibilidade das autoridades financeiras europeias para que isto aconteça".
Orçamento de guerra?
Bernardo Ivo Cruz, investigador associado do CIEP, recorda que "aquele Orçamento de Estado que o primeiro-ministro apresentou a eleições não previa, naturalmente, nem os impactos nem as consequências. O que deve levar a alterações. Falta perceber a que ritmo". Praticamente "ninguém tinha atingido os 2%, mas agora há um movimento na NATO de reforçar a sua capacidade. E há o compromisso, mais acentuado pelo facto da Alemanha ter dito que ia passar para os 2%".
Fonte do gabinete do primeiro-ministro [que hoje estará na reunião de Versalhes] salienta que nada pode ser dito, agora, sobre a contribuição portuguesa por não haver ainda novo governo, nem novo parlamento, nem Orçamento do Estado.
Ana Miguel dos Santos, coordenadora do grupo parlamentar do PSD na Comissão de Defesa Nacional, é a favor do investimento pedido pela UE e de que se alcance a meta dos 2% da NATO, "mas um reforço de investimento de gradual". "Se a meta na NATO é para atingir em 2024 então que se cumpra essa obrigação. Não vale a pena apressar, é cumprir o acordado. O que importa é reformular, reestruturar o nosso sistema de segurança e defesa, apostar numas forças armadas fortes, numas forças armadas do séc. XXI. E evitar uma duplicação desnecessária de recursos nas forças de segurança. É preciso um investimento dos novos tempos, de forma racional e eficaz".
O socialista Marcos Perestrello, presidente da Comissão de Defesa Nacional, considera que "vai haver uma necessidade de reforço das capacidades de defesa e dissuasão na Europa e Portugal não pode ficar para trás. Se a NATO ativar todos os meios que Portugal tem comprometidos e tivermos que os sustentar, prolongar no tempo, isso vai obrigar a um reforço orçamental imediato".
Sobre antecipar as metas previstas [os 2% do PIB em gastos com a defesa em 2024], o deputado afirma que não pode haver pressas porque "isso traduz-se em equipamento, em funcionamento, em manutenção e em pessoal. E tudo isso são capacidades que demoram a crescer, não é de um dia para o outro".
https://www.dn.pt/edicao-do-dia/10-mar-2022/e-inevitavel-portugal-vai-ter-que-abrir-os-cordoes-a-bolsa-14665227.html