O novo barco eléctrico da Transtejo já navega no Tejo. Fomos experimentá-lo19 de Dezembro, 2023
por Mário Rui André
Até 2025, o transporte público fluvial na área metropolitana de Lisboa vai passar a contar com 10 novas embarcações, totalmente eléctricas. O primeiro navio desta frota, baptizado de Cegonha-Branca, já começou a navegar entre as duas margens do Tejo. Fez o seu “primeiro voo” com passageiros no passado dia 14 de Dezembro, uma viagem que acompanhámos.Às 11 horas do dia 14 de Dezembro, aqueles que aguardavam na estação fluvial do Seixal pela ligação a Lisboa foram surpreendidos por uma embarcação incomum. O Cegonha-Branca, como é conhecido, aproximou-se silenciosamente do cais de embarque e recebeu cerca de uma centena de passageiros. De forma silenciosa também, partiu em direcção à capital, onde chegou uns 20 minutos depois. Ficou, assim, oficialmente inaugurado o primeiro de 10 barcos eléctricos que vão passar a navegar na área metropolitana de Lisboa.
O Cegonha-Branca chegou ao estuário do Tejo em Março deste ano, com bateria incluída. Realizou os testes necessários, iniciou-se a formação das tripulações, e no final de Novembro foi visitado pelo Primeiro-Ministro, António Costa. Agora é hora de ser usufruído pela população. A TTSL (Transtejo Softlusa) está a realizar um conjunto de viagens experimentais do Cegonha-Branca, a que chama de “primeiros voos”. O primeiro “voo” decorreu no dia 14, sendo o plano realizar pelo menos um por semana, em dias e horários não anunciados, para não gerar expectativas – afinal de contas, o objectivo destas viagens inaugurais é experimentar e aprimorar as operações antes do início oficial, abrindo espaço ao erro.
Na viagem que se realizou no dia 14 de Dezembro, com partida do Seixal em direcção ao Cais do Sodré, não ocorreram falhas que interferissem na experiência dos passageiros, tendo estado garantida uma viagem tranquila e sem contratempos. Entre as equipas da TTSL sentia-se um misto de nervosismo e de entusiasmo – afinal, tratava-se da primeira saída da Cegonha-Branca com passageiros, e tanto a administração da TTSL como a tripulação ansiavam pelo sucesso total do evento. Os cem passageiros que tiveram a chance de testar a nova embarcação mostraram, nos seus rostos, um certo espanto por estarem num navio diferente do habitual, mesmo que não tenham percebido logo toda a história.
O Cegonha-Branca é o primeiro de 10 embarcações eléctricas que a TTSL comprou para renovar a frota fluvial da área metropolitana de Lisboa. O objectivo é substituir os navios actuais por estes novos, excepto nas ligações do Barreiro e do Porto Brandão/Trafaria. Uma substituição que será gradual, que demorará ainda alguns anos, e que se iniciará no Seixal, depois no Montijo, por fim em Cacilhas. A TTSL só precisa de dois navios nas horas de ponta nas ligações do Seixal e Montijo, e de três na de Cacilhas, pelo que com os 10 barcos novos que vai receber até 2025 conseguirá assegurar o transporte fluvial regular nesses três ligações e ainda fica com três navios de reserva para qualquer eventualidade (avaria, reforço, etc).
Aos poucos e poucosOs próximos dois navios eléctricos, o Garça-Vermelha e o Flamingo-Rosa, deverão chegar em Fevereiro do ano que vem. Até lá, a TTSL quer continuar a formar as tripulações, pois estes veículos têm particularidades na navegação e manuseamento diferentes dos actuais (por exemplo, a aproximação aos cais precisa de ser feita com mais cautela devido aos materiais mais leves de que o navio é feito). Em curso, está também a construção dos postos de carregamento rápido: o do Seixal será o primeiro a ficar pronto, seguido do do Montijo, o do Cais do Sodré e, por fim, do de Cacilhas. O objectivo é que os barcos recarreguem em poucos minutos durante as operações de tomada e largada de passageiros.
Esses pontos de carregamento consistem em uma torre alta, situada no cais de embarque, de onde sairá uma espécie de ficha para ligar à “tomada” do barco, e por uma estrutura em terra que fornece alimentação a essa torre. Durante a noite, os navios serão carregados em Cacilhas a uma velocidade normal para evitar danos às baterias. A TTSL também planeia alternar os navios entre diferentes travessias fluviais para prevenir o vício das baterias, permitindo que os veículos possam variar os tempos de viagem e de carregamento.
O Cegonha-Branca, como as outras “aves” que ainda vão chegar, oferece uma viagem mais silenciosa e confortável. A aproximação do navio ao cais é discreta, uma vez que não há cheiro a combustível e o som que se ouve é o da ondulação do rio. Também a viagem é muito tranquila, praticamente sem ruído ou odores. Por ser uma embarcação mais leve, é mais sensível às ondulações ribeirinhas que os velhos navios, mas nada que seja desconfortável. O Cegonha-Branca conta com 540 lugares sentados, distribuídos por dois salões, alguns dos quais para passageiros com mobilidade condicionada. Nos assentos próximos das janelas, existem tomadas convencionais e pontos USB para carregamento de equipamentos eletrónicos. E no exterior, na popa, há espaço para pelo menos 20 bicicletas.
O interior do Cegonha-Branca (fotografias LPP)Durante a viagem, os passageiros têm a oportunidade de desfrutar da paisagem do Tejo, uma vez que este navio está equipado com uma enorme janela panorâmica na parte dianteira. Além disso, as janelas laterais são mais amplas, proporcionando uma visão mais abrangente do rio. Esta característica oferece uma oportunidade que pode ser explorada do ponto de vista turístico, especialmente na travessia entre o Cais do Sodré e Cacilhas, que tem sido particularmente popular pela oferta de restauração e não só que Almada tem vindo a oferecer. Para quem não quiser olhar para o rio, ao longo da embarcação, existem vários ecrãs digitais, para os quais a TTSL ainda irá desenvolver conteúdos informativos.
Características técnicas dos navios40,15 metros de comprimento total
12 metros de largura (fora as defensas laterais)
3,13 metros no pontal
1,65 metros de calado máximo carregado
155 ton de deslocamento leve
16 nós em velocidade de cruzeiro (serviço)
2×500 kW de propulsão principal
Propulsão e manobrabilidade por hélices de passo fixo e propulsores de proa
2×930 kWh de capacidade de baterias
70 min de autonomia mínima à velocidade de serviço
GRP como material do casco, convés e superestrutura (Glass Reinforced Plastic)
Uma nova fase no transporte fluvialA renovação da frota da TTSL promete ter um elevado impacto no dia-a-dia de um milhão de habitantes dos municípios de Almada, Montijo, Lisboa e Seixal que precisam atravessar o Tejo, seja por razões profissionais ou de lazer. Os 10 navios eléctricos – ou, melhor, de propulsão eléctrica – foram especificamente concebidos para as necessidades de operação da TTSL, ou seja, são resultado de um concurso de concepção e construção que foi ganho pelos estaleiros espanhóis Astilleros Gondán. A propulsão dos navios é do tipo “Battery System”, baseada em acumuladores e motores eléctricos, com uma capacidade suficiente de carga para permitir uma operação diária de carregamento nos terminais fluviais.
Para alimentar estes motores eléctricos, os navios são dotados com um Sistema de Armazenamento de Energia (ESS) formado por conjuntos independentes de módulos de baterias marítimas, permitindo, em modo de serviço, uma velocidade de serviço de 16 nós e uma autonomia de 70 minutos em operação contínua, correspondendo a uma condição de carga da bateria variando entre 90% e 20%. Cada navio tem baterias com a capacidade de 1860 Kwh, ou seja, o equivalente a 1860 baterias de veículos ligeiros. Essas baterias – no total, nove – estão a ser fornecidas à parte, pelos mesmos estaleiros que fabricam os navios, por 16 milhões de euros. O Cegonha-Branca foi a única embarcação encomendada com o consumível; no total, os 10 navios (com uma bateria) estão a custar 52,4 milhões de euros. E as estações de carregamento resultam de um investimento de 14,5 milhões.
O Cegonha-Branca a sair do Cais do Sodré (fotografias LPP)Esta modernização da frota é apoiada pelo Fundo Ambiental e pelo POSEUR (Programa Operacional de Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos), com a TTSL a assumir um custo de 11,5 milhões de euros. Como um dos grandes objectivos é a descarbonização, a TTSL está obrigada em contrapartida a realizar o abate de quatro dos seus actuais navios a diesel. A transportadora quer manter uma parte da frota actual, como um ou dois cacilheiros, pelo valor simbólico e emocional que representam para a área metropolitana de Lisboa.
A nova frota terá uma maior eficiência energética comparativamente à atual frota e zero emissões de GEE. Em 2019, o consumo de gasóleo foi de 5.248.741 litros, correspondendo à emissão de 13.122 toneladas de CO2. Os novos navios 100% elétricos permitirão, ainda, uma operação fluvial praticamente isenta de ruído, vibrações e odores. Com este avanço no processo de descarbonização da actividade de transporte fluvial, a TTSL espera contribuir também para uma melhoria do ecossistema e da biodiversidade existentes no rio Tejo.
Por agora, o Cegonha-Branca continuará a fazer os seus “primeiros voos” entre o Seixal e Lisboa. Esta é a travessia menos procurada da TTSL e aquela onde também serão realizadas as viagens experimentais. O objectivo da transportadora é que a ligação do Seixal seja a primeira a ser totalmente eléctrica. Está previsto acontecer em 2024. Também no próximo ano será consumada a prometida fusão entre a Transtejo e a Soflusa, duas empresas distintas que têm operado nos últimos anos debaixo da mesma marca – TTSL – e de uma mesma administração. Esta fusão permitirá integrar, por fim, na Transtejo todos os trabalhadores e a frota da ligação do Barreiro, que actualmente pertence à Soflusa.
https://lisboaparapessoas.pt/2023/12/19/transtejo-barco-electrico-cegonha-branca-seixal/