« Responder #16 em: Agosto 23, 2010, 12:04:24 pm »
Quase a completar um ano à frente do Ministério da Defesa, Augusto Santos Silva recebe o i no seu gabinete. Nas prateleiras destacam-se livros de história militar e estratégica. Péricles é a referência militar do ministro. "Por uma razão simples: foi o primeiro a vincular a defesa nacional aos valores constitutivos de uma comunidade." A conversa é exclusivamente sobre Defesa e corre da cimeira da NATO em Lisboa ao Afeganistão, passando pelas aquisições das Pandur e dos submarinos.
Que expectativas tem para a cimeira da NATO em Lisboa , em Novembro?
É um grande acontecimento para a NATO e é muito importante que ocorra em Lisboa. Esperamos que a cimeira aprove o novo conceito estratégico, que ficará a ser o conceito de Lisboa. É um documento que vai preparar a NATO para os desafios da próxima década, consolidando a posição da organização perante as novas ameaças ao Atlântico Norte. Esperamos que o novo conceito estratégico consolide o espírito das parcerias da NATO e também o que chamamos a "abordagem abrangente", isto é, a necessidade de compreender que à componente militar se deve juntar uma componente civil para que a nossa intervenção na promoção da paz e segurança seja eficaz. A cimeira será muito importante porque se esperam decisões cruciais relativamente ao Afeganistão. Vamos ver se é possível estabelecer um calendário para o processo de transição dentro de uma lógica de gradual transferência de responsabilidades de segurança para as autoridades afegãs.
Já iremos ao Afeganistão. Não ficou satisfeito com o relatório do grupo liderado por Madeleine Albright que serve de base ao novo conceito estratégico da NATO...
A referência à América Latina e a África nesse relatório é muito lacunar comparada, por exemplo, com o peso atribuído à Geórgia Não contesto a necessidade dessa atribuição, mas é necessário reequilibrar. Nós, que temos como preocupação assegurar a paz no Atlântico Norte, devemos olhar para sul.
Foi isso que Portugal transmitiu a Anders Fogh Rasmussen?
Insistimos neste ponto junto dos peritos e faremos uma contribuição formal assim que a proposta de conceito estratégico do secretário-geral da NATO aparecer.
Está preparado para perder o Comando da NATO em Oeiras?
Estou preparado para discutir e aprovar o conceito estratégico porque é daí que decorrerá o desenho da estrutura de comandos que a NATO tem de fazer. A NATO tem níveis de eficiência abaixo do desejável e precisa de adequar a sua estrutura ao mundo de hoje. O comando de Oeiras tem virtualidades que defendemos e pode constituir um modelo para a reforma de toda a estrutura. Porquê? Porque é um comando muito centrado na lógica de projecção de forças e que reflecte o olhar da NATO para sul. Basta pensar que a operação Ocean Shield, ao largo da Somália, é comandada a partir de Oeiras. Mais: é um comando muito magro, que não tem gorduras nem burocracias. E é também um comando muito próximo de uma capital, o que é tido como vantagem.
Falou-se em instalar o Africom [novo comando dos EUA] nas Lajes. Como vê essa possibilidade?
Essa é uma decisão que compete aos norte-americanos. Mas a esse propósito gostaria de dizer que Portugal é protagonista na relação entre a Europa e a África, na relação entre o mundo ocidental e África. Portugal tem a sua própria agenda relativamente a África.
Portugal vai alterar o perfil da sua missão militar no Afeganistão?
É um processo ainda em curso. Mas em Outubro a força destacada vai deixar de incluir uma Força de Reacção Rápida. Às duas OMLT [Operational Mentoring and Liasion Team] já no terreno vamos acrescentar três novas equipas de formação, reforçando o acompanhamento e formação das forças afegãs.
Isso faz sentido quando o clima de segurança é tão débil?
Faz todo o sentido. Esta alteração significa que Portugal corresponde, imediata e plenamente, a uma solicitação do comando militar da operação. Mas deixe-me dizer que não devemos centrar a nossa atenção apenas no Afeganistão: responder às ameaças do terrorismo de matriz fundamentalista islamita deve levar-nos a olhar com muita atenção, em particular do ponto de vista português, para a África do Norte, Magrebe e Sahel. Têm sido evidentes os sinais de que o terrorismo ligado à Al-Qaeda procura estabelecer-se na região do Sahel. Por isso, devemos estar atentos ao grande arco que vai do Magrebe até ao Paquistão. A capital geograficamente mais próxima de Lisboa não é Madrid mas sim Rabat, e isso permite perceber o especial papel que deve caber a Portugal. Por isso, no Afeganistão estamos não apenas a assegurar os nossos compromissos em matéria de segurança cooperativa mas também a defender os interesses nacionais.
E os portugueses percebem isso?
Acho que percebem muito bem. E percebem bem sobretudo os partidos políticos e as instituições políticas que fazem o grande consenso português em matéria de defesa.
Falou de terrorismo. O chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas pediu que fossem enviadas células de informações militares [CISMIL] para os teatros em que Portugal opera. Esse pedido foi satisfeito?
Essa necessidade foi identificada nos teatros de operações especialmente sensíveis do ponto de vista das informações e vai ser suprida. Dentro da recomposição da força portuguesa no Afeganistão no próximo Outono já está incluída a primeira célula de informações. Sem querer ser precipitado, pensamos que também no Líbano devemos dispor desse tipo de instrumento.
Quanto custa, por ano, um militar português no Afeganistão?
Em 2010, o esforço nacional no Afeganistão rondou os 25 milhões de euros. Digo, e repito, que é um dinheiro muito bem gasto até ao último cêntimo. De todos os pontos de vista - seja o interesse nacional, seja do papel de Portugal na NATO, União Europeia e ONU, seja o prestígio do país ou o processo de transformação das Forças Armadas (FA) -, não há um único recurso empregue nas forças destacadas de que se possa duvidar.
O fim do prazo dado à Steyr para entrega das viaturas Pandur em atraso está a chegar. E depois dessa data?
Note: o Estado português procura cumprir as suas obrigações e, por isso, exige que a outra parte também cumpra. No contrato das Pandur a situação é a seguinte: no início de 2005 adquirimos a uma empresa austríaca [a Steyr] um conjunto de 260 viaturas blindadas de rodas [VBR] e havia um calendário para entrega. Acontece que, hoje, já deveríamos ter ao serviço da Marinha e do Exército 166 VBR. Só temos 21 e mais 99 que não foram aceites por apresentarem deficiências. Este nível de incumprimento não é aceitável. Temos mostrado compreensão e por cinco vezes o Estado alterou o calendário de entregas. Avisámos o fornecedor, duas vezes, que os atrasos não eram aceitáveis. Fazendo uso dos instrumentos contratuais, fizemos ver ao fornecedor que estes incumprimentos tinham de ser supridos num prazo que nos pareceu razoável e que o Estado português mantinha todos os seus direitos intactos, incluindo o direito de resolver o contrato.
E é a denúncia do contrato que está agora em cima da mesa?
Nós fizemos interpelações admonitórias, ou seja, identificámos uma a uma as viaturas em falta e pedimos para serem entregues até ao final do mês. Aguardamos com serenidade a resposta do fornecedor.
Mas não houve avanço da satisfação das exigências do seu ministério.
Eu não procedo por processos de intenções. A direcção-geral competente fez o que devia fazer com a minha concordância e agora aguardamos a resposta do fornecedor. A nossa preocupação é que os interesses do Estado português, os interesses dos contribuintes, os interesses da indústria nacional - que no âmbito das contrapartidas beneficia da posição de subcontratada na participação do know-how, produção, garantia e manutenção das viaturas, os interesses do Exército e da Marinha sejam defendidos. Estou certo - sou um optimista por natureza - que haverá possibilidade de encontrar soluções razoáveis.
Não reconhece que, em duas semanas, as coisas dificilmente mudarão?
Não sei. Mas o que sei é que a situação actual não é sustentável. Era preciso sacudir isto. Era preciso haver uma dinâmica qualquer.
Os submarinos também se atrasaram e não se falou da denúncia do contrato. É um argumento válido para a Steyr?
São situações diferentes. Houve, de facto, atraso na entrega do primeiro submarino, mas sem a dimensão dos atrasos no programa das Pandur. Parte do atraso nos submarinos deveu-se a situações previstas no contrato.
Se o contrato for rasgado, a empresa Fabrequipa pode fechar as portas.
A nossa insistência junto do fornecedor procura acautelar os interesses da indústria nacional, incluindo a empresa de que falou e com a qual o Estado não tem uma relação directa. O Estado comprou Pandur a um fornecedor que depois subcontratou, como contrapartida devida, a empresas portuguesas.
Um relatório da Comissão Permanente de Contrapartidas, de Dezembro de 2009, refere que a Fabrequipa correspondeu às expectativas.
O problema não está na Fabrequipa. O problema está do lado do fornecedor. As deficiências, que têm impedido a comissão de fiscalização de aceitar grande parte das viaturas, têm origem não na fase de montagem em Portugal mas em momentos anteriores de responsabilidade do fornecedor austríaco.
Mas como é que é possível esta diferença na avaliação?
Uma coisa não tem que ver com a outra. Nós dirigimo-nos ao fornecedor. Na relação entre fornecedor e subcontratado há uma parte que nos interessa, a que existe por causa das contrapartidas.
A Fabrequipa não surge no âmbito dessas contrapartidas?
Mas julgo que não há nenhuma empresa criada ou cujo ciclo de vida dependa de um produto. Nós criámos a oportunidade de desenvolvimento de uma indústria que evidentemente andará por si. Mas a nossa relação contratual é com a Steyr. É com esse fornecedor que temos um problema que queremos resolver.
Pediu esclarecimentos adicionais ao parecer do Conselho Consultivo do Ministério Público sobre os contratos de contrapartidas dos submarinos. Já tem resposta ?
Não.
A chegada dos dois submarinos terá um impacto de mil milhões de euros nas contas públicas. O governo irá aumentar impostos ou reduzir outras despesas?
A necessidade de honrar o contrato dos submarinos implica que façamos ajustamentos no conjunto da dinâmica de modernização dos equipamentos das FA. Uma decisão deste governo, com o apoio do Parlamento e inscrita no PEC, foi suspender qualquer novo programa de aquisição de equipamento militar até 2013. Como ministro da Defesa, é minha obrigação dizer que tenho contado com a compreensão plena das FA para a necessidade deste esforço adicional de poupança e moderação.
http://www.ionline.pt/conteudo/74901-portugal-devera-ter-espioes-militares-no-libano
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"Que todo o mundo seja «Portugal», isto é, que no mundo toda a gente se comporte como têm comportado os portugueses na história"
Agostinho da Silva