Paço onde 'nasceram' as ilhas é ruína à mercê da natureza
Paço dos Henriques, onde foi assinado o Tratado de Alcáçovas, precursor do de Tordesilhas, está ao abandono. Ministério admite obras em 2011, mas ainda não sabe os custos
Os azulejos e as conchas que deram nome ao jardim há muito que foram arrancados deixando despida uma boa parte das paredes. Agora é o torreão que ameaça desmoronar, com a natureza a tomar conta do espaço. "Uma tristeza", diz Anunciação Baioneta, da Associação dos Amigos de Alcáçovas, lembrando que todo o conjunto foi "deixado ao abandono", numa espiral de degradação e ruína.
O conjunto é o Paço dos Henriques, também conhecido por Paço Real, fundado no século XIII e que conheceu o seu momento de maior esplendor em 1479 quando D. Afonso V ali recebeu uma embaixada dos Reis Católicos (Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão) para assinar um tratado precursor do de Tordesilhas. Através do Tratado das Alcáçovas, Portugal viu reconhecido o seu domínio sobre os arquipélagos da Madeira, Açores e Cabo Verde, ficando Castela com as Canárias e renunciando a navegar para sul do cabo Bojador.
Local de residência dos Henriques de Trastâmara, "senhores" das Alcáçovas, o edifício foi objecto de uma profunda remodelação em meados do século XVI. Cinco séculos depois encontra-se totalmente abandonado.
"A última família ali residente saiu por altura do 25 de Abril, depois das ocupações de terras pela Reforma Agrária", refere Anunciação Baioneta, acrescentando que desde essa altura as obras realizadas não permitiram evitar as consequências da desocupação.
Antes de ser integrado no Património do Estado em Setembro de 1994, altura em que passou para a alçada do Ministério das Finanças, o Paço ainda acolheu uma escola e uma cooperativa. O estado de ruína é visível logo desde o portão de entrada. "Valorizar todo este património material e imaterial, o Paço e os acontecimentos que ali ocorreram, é importante para a promoção da vila e do Alentejo", defende a responsável.
Vereador com os pelouros do Património e da Cultura na Câmara Municipal de Viana do Alentejo, João Pereira concorda com a necessidade de uma intervenção "urgente" que permita "evitar a continuação da ruína" de um imóvel com um "enorme valor histórico". Segundo o autarca, tanto a Câmara como o Ministério da Cultura estão empenhados na elaboração de um projecto que permita sustentar a apresentação de uma candidatura a fundos comunitários para recuperar o Paço e dar-lhe novos usos, tais como um pequeno auditório, biblioteca, posto de turismo e um núcleo de documentação sobre as relações diplomáticas entre Portugal e Espanha no período quinhentista.
"Quem é da terra sente--se inconformado com o desprezo e abandono do monumento mais emblemático da vila. Mesmo as pessoas menos informadas sobre o valor patrimonial e simbólico do Paço, sem uma noção real da dimensão do que se está a perder, reconhecem que poderia tratar-se de uma mais-valia em termos de desenvolvimento económico".
João Pereira assegura que o município está disponível para "percorrer todo o caminho necessário" à concretização do projecto: "Estamos abertos a participar na recuperação, manutenção e gestão do imóvel."
DN