Jornal de Negócios
Terça-feira, 2 de Junho de 2004
Editorial
Petróleo em português
Por Sérgio Figueiredo
Queira ou não, com Sábios ou sem eles, não se livra o Governo de ter aprovado uma solução nacional-patriota para a Galp. Queira ou não, objectivamente dividiu os quatro candidatos em dois: os apurados (ambos portugueses) e os eliminados (ambos liderados por fundos de investimento estrangeiros).
O petróleo vai continuar português, embora não haja uma pinga de petróleo em território nacional.
E, para reunir toda a maralha debaixo da bandeira nacional, só falta juntar os trapinhos de uns aos dinheiritos de outros - e, voilá, cá temos um genuníno Centro de Decisão Nacional para todo o sector petroquímico.
Não constitui propriamente uma surpresa esta «solução nacional». Aliás, o Governo, a começar pelo seu principal responsável, o primeiro-ministro, nunca escondeu ser essa a sua preferência.
Mas sob a restrição de não ser ainda conhecido na íntegra o relatório dos Sábios - e essa é uma grandessíssima restrição - vamos partir do princípio que a credibilidade inquestionável daquelas três personalidades que chegaram a esta conclusão é suficiente.
Ou seja. Que a proposta da Luso-Oil cometeu, efectivamente, erros básicos de construção do modelo e que, conforme o relatório indica, obrigavam a sucessivos exercícios de contorcionismo e piruetas por parte do Estado. Nas leis.No fisco. Se calhar, até na Constituição.
E que este consórcio, que partiu com indiscutível favoritismo, fazia uma da «sociedade veículo» uma alavanca financeira que, como os Sábios também concluem, lesava os interesses da própria Galp e limitava a sua possibilidade de crescimento futuro.
O que dizer disto? Com a grande experiência acumulada pela Carlyle neste tipo de operações, em todo o mundo, como explicar erros tão primários? A morte do consórcio, a ser como os Sábios dizem, só pode ter uma origem: a soberba. A arrogante atitude de quem pensa que, num país ávido de capitais, tudo faz para os segurar.
Sobram os vencedores. E ficam muitas e muitas questões em aberto. Sim, porque, pela mesma ordem de razões, vamos partir do princípio que aqueles «três sábios» sabiamente decidiram em função do que é bom para a empresa, para o Estado e para o país.
E que não íam hipotecar o prestígio acumulado ao longo de uma vida, protegendo propostas mediocres e consórcios pernetas, só pelo facto de terem um BI cá da terrinha.
Assim, vamos certamente encontrar nas cinquenta e tal páginas de argumentos e razões, respostas para as seguintes dúvidas: a) o interesse dos activos da CUF para a Galp; e a que valor; b) e, não tendo interesse algum, onde vai o grupo Mello arranjar tanto dinheiro; c) e se foi tido em conta, para validação da proposta financeira da Petrocer, o dinheiro que não lhe pertence - ou seja, o encaixe que resulta da venda do gás natural...
Em suma, para abreviar as dúvidas: se têm os senhores Violas e Mello cabedal para uma empresa com uma dimensão superior às suas. Com certeza que sim. Porque, assim, não havendo sociedade veículo, é verdade, continua porém a alavancagem. Com uma agravante: será feita dentro da própria Galp.